A corrupção mata todos os regimes
Será também a corrupção a razão da queda desta democracia moribunda em que vivemos.
Da queda da Monarquia, em 1910, ao fim do Estado Novo, em 25 de Abril de 74, passando ainda pelo fim da Primeira República, em 1926, há uma causa que une a morte de todos estes regimes: a corrupção. E será também a corrupção a razão da queda desta democracia moribunda em que vivemos.
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Da queda da Monarquia, em 1910, ao fim do Estado Novo, em 25 de Abril de 74, passando ainda pelo fim da Primeira República, em 1926, há uma causa que une a morte de todos estes regimes: a corrupção. E será também a corrupção a razão da queda desta democracia moribunda em que vivemos.
No auge da Monarquia, o tráfico de influências e a captura de recursos públicos eram generalizados. Em 1882, o então todo-poderoso banqueiro Henrique de Burnay celebrou um contrato com o Estado, representado por Fontes Pereira de Melo, presidente do Conselho, e Hintze Ribeiro, ministro das Obras Públicas. Um sindicato bancário, dirigido por Burnay, comprometia-se a construir uma linha ferroviária em Espanha, que ligava Salamanca a Barca d'Alva e garantiria a ligação ao Porto. Como contrapartida, o Tesouro pagaria a Burnay uma renda milionária, 135 contos. Nascia assim a primeira parceria público-privada portuguesa. Houve corrupção sem limite, muros desabaram e tiveram de ser refeitos. Prometiam-se avultadas receitas que nunca se concretizaram. Apesar do descalabro do negócio, o Rei Luís I agraciou Burnay com o título de Conde e a linha foi inaugurada em Dezembro de 1887. Mas, volvidos apenas três meses, o projecto falia, apresentando 4000 contos de dívidas e prejuízo anual de 600 contos. Desfez-se o acordo? Não! O consórcio privado foi premiado com a duplicação da renda para 270 contos e ainda com a concessão da exploração do porto de Leixões. Três anos depois, faliam novamente. O Governo teve de intervir no consórcio, com enorme prejuízo para a Fazenda.
Outros escândalos se sucederam. De entre os mais ruinosos, destaca-se a atribuição da concessão do negócio do tabaco à Família Burnay (mais uma vez), por sessenta anos; do concurso foi ilegalmente afastado o concorrente que oferecia melhores condições, a Companhia dos Fósforos. Esta questão levou à queda do governo de Hintze Ribeiro, um dos muitos políticos avençados do Crédito Predial, banco cuja gestão criminosa constituiu a causa maior da queda da Monarquia.
A figura central, a alma negra do Crédito Predial, foi Luciano de Castro. Como deputado, elaborou a Lei que regulou “a criação e o funcionamento das sociedades de crédito predial”, para mais tarde ser ele mesmo o governador do Crédito. Os empréstimos concedidos eram maioritariamente de favor, a políticos e amigos do poder vigente, ora do Partido Progressista de Luciano, ora do Regenerador de Fontes e Hintze, todos membros da administração do banco. Em 1910, detectam-se desfalques sistemáticos desde 1902. Uma auditoria identifica créditos incobráveis de sessenta contos, cai o governo em Junho; uma nova auditoria verifica que os incobráveis não eram de sessenta contos, mas de oitocentos! Vem a bancarrota, esboroa-se a Monarquia e eclode a República, com milhares a clamar “Matem o ladrão do Crédito Predial”, Luciano de Castro.
Chegava finalmente a República, que prometia “eliminar todos os privilégios que, sendo mantidos à custa da depressão e ofensa dos nossos concidadãos, são para mim malditos”, nas palavras do primeiro Presidente eleito, Manuel de Arriaga. Mas o regime que tinha vindo para combater a corrupção viria a sucumbir com mais um escândalo de corrupção na banca.
Em 1925, tinha lugar a maior falsificação de notas da História, as notas de 500 escudos, efígie de Vasco da Gama, crime perpetrado por Alves dos Reis. Alves dos Reis falsificou o seu diploma de engenheiro, comprou (com cheque sem cobertura) os caminhos-de-ferro de Angola, fez desfalques, mas mesmo assim foi protegido pela República, tinha o apoio da elite nacional. Com o produto da falsificação de notas, fundou o “Banco Angola e Metrópole”. A circulação excessiva de dinheiro provocou a pré-bancarrota. Em 1926, o general Gomes da Costa instaurava a ditadura. A República sucumbia, sem honra nem glória. Viriam quarenta e oito anos de ditadura salazarista, também esta contaminada por casos de corrupção.
Chegou o 25 de Abril, em 1974. Os fundadores da democracia, os Capitães de Abril, definiam como uma das prioridades do novo regime “o combate eficaz à corrupção”. Mas a democracia de Abril incorre agora nos mesmos erros dos regimes anteriores: concede rendas milionárias em parcerias público-privadas, promove portas giratórias, assume prejuízos dos bancos, cujos administradores são políticos… Este regime repete os erros dos anteriores, acabará da mesma forma. “Aqueles que não conseguem lembrar o passado estão condenados a repeti-lo” (Santayana).