Cancro: depois de saberem, os meus não me largaram

A doença chegou aos 53 anos, não queria acreditar. Chegou depois de já ter passado por uma situação de saúde complicada.

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Annie Spratt/Unsplash

A doença chegou aos 53 anos, não queria acreditar. Chegou depois de já ter passado por uma situação de saúde complicada. Sempre fui ansiosa, mas fiquei mais ainda quando a médica, depois de me observar, disse: “Há aqui qualquer coisita um bocadinho estranha.” Palavras suaves, quase que a minimizar, mas que me deixaram alerta, embora não sentisse nada, nada me doía...

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A doença chegou aos 53 anos, não queria acreditar. Chegou depois de já ter passado por uma situação de saúde complicada. Sempre fui ansiosa, mas fiquei mais ainda quando a médica, depois de me observar, disse: “Há aqui qualquer coisita um bocadinho estranha.” Palavras suaves, quase que a minimizar, mas que me deixaram alerta, embora não sentisse nada, nada me doía...

Na verdade, eu tinha uma dorzinha constante, mas sempre a associei à fibromialgia. Então, trabalhava num laboratório e percebi que sempre que puxava uma porta, o fazia com a mão esquerda, para evitar a dor, pensava que se tratava de um músculo magoado. Afinal era mais do que isso.

Foi no dia 27 de Maio de 2010 que a doutora me disse: “Eu acho que há aqui uma coisinha que não está bem.” E mandou fazer uma biopsia, o mais rápido possível. Fui para casa meio azamboada, a clínica ficava perto do IPO, olhei para o edifício e pensei se algum dia teria de ali entrar. A cabeça começa a fazer conjecturas, a ter ideias parvas. E, a verdade, é que acabei por ali entrar.

Desde que souberam da possibilidade de ter alguma coisa, os meus não me largaram. Fui à consulta com a minha nora, fiz exames. A 9 de Julho, voltei, desta vez com o meu marido. Não consigo dizer que ia preparada. Ia adormecida. Eu e o meu marido estávamos sentados à frente do médico, que tirou o resultado do envelope mas, entretanto, foi chamado e saiu do gabinete, deixando os papéis em cima da mesa. Mesmo com as letras ao contrário, consegui ler “carcinoma da mama”. Houve uma parte do meu cérebro que parou, deixei de ver e de ouvir. Nada. Quando o médico regressou não ouvi nada. Não me lembro de uma única palavra. Foi o meu marido quem ouviu tudo.

O médico ter-me-á dito: “Não fique assim porque não vai morrer disto. A sua boa disposição e aceitação da doença vai contribuir para 50% da sua cura.” Foi a isso que me agarrei. Primeiro chorei, pensei na morte, esta é uma doença mortal, mas depois pensei na vida, na minha e na da minha neta. “Eu quero ver a minha neta crescer e tornar-se uma mulher.” Foi este o mote nos momentos mais difíceis. Não se pode suavizar. Esta é uma doença dura. A quimioterapia faz-nos pensar que vamos morrer da cura, o cheiro vai perseguir-me para sempre, a comida deixou de ter sabor, mas agarrei-me sempre ao mesmo pensamento: “Eu quero ver a minha neta crescer e tornar-se uma mulher.” 

Quando saí do hospital, depois de ser operada, uma voluntária veio ter comigo, com um sorriso e disse-me poucas palavras, muito simples, mas que me soaram tão bonitas​“As melhoras, uma boa recuperação.” Soube-me bem ter alguém atencioso que não fosse da minha família. O meu marido, a minha nora, o meu filho. Fui sempre acompanhada. Estou sempre acompanhada. E é muito importante ter a família junto de nós. Foi nessa altura que decidi que queria ser voluntária junto de mulheres com cancro. Agora, que faço voluntariado, dói-me ver mulheres sozinhas. E há tantas.

Esta é uma doença que não nos larga. Eu tenho medo da trovoada e do escuro, mas tenho ainda mais medo de fazer a ecografia e a mamografia. Mas ainda bem que as faço. Foi assim que soube que tinha “qualquer coisita um bocadinho estranha”. Ainda bem que fazemos estes exames e todas os deveriam fazer. Passaram nove anos. Vi a minha neta tornar-se uma mulher. Era o meu maior sonho.

Depoimento recolhido por Bárbara Wong