Escolas de mergulho vão procurar cavalos-marinhos desconhecidos
Projecto de ciência-cidadã pretende aumentar o conhecimento sobre a distribuição e abundância dos cavalos-marinhos em Portugal.
As informações sobre os cavalos-marinhos em Portugal são escassas e baseiam-se sobretudo nas populações da ria Formosa, no Algarve, que estão em declínio. Com o objectivo de aumentar o conhecimento sobre as espécies de cavalos-marinhos no país e promover a sua preservação, acaba de ser lançado o projecto de ciência-cidadã Cavalos-Marinhos Desconhecidos.
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As informações sobre os cavalos-marinhos em Portugal são escassas e baseiam-se sobretudo nas populações da ria Formosa, no Algarve, que estão em declínio. Com o objectivo de aumentar o conhecimento sobre as espécies de cavalos-marinhos no país e promover a sua preservação, acaba de ser lançado o projecto de ciência-cidadã Cavalos-Marinhos Desconhecidos.
A iniciativa da Associação Natureza de Portugal (ANP) – organização não-governamental que trabalha em associação com a World Wide Fund for Nature (WWF) – e do Centro de Ciências do Mar da Universidade do Algarve (CCMar) pretende capacitar escolas de mergulho do país para a realização de censos visuais de cavalos-marinhos, lê-se em comunicado da ANP/WWF.
O projecto é financiado, num total de 20 mil euros, pelo Oceanário de Lisboa e pelo Fundo de Conservação de Espécies do xeque Mohammed bin Zayed Al Nahyan, príncipe herdeiro de Abu Dhabi. “Parece muito dinheiro mas não é, tendo em conta o que vamos gastar em material de mergulho, viagens e outras acções”, assinala Rita Sá, bióloga que integra a ANP/WWF. “Vamos tentar obter mais financiamento: com mais dinheiro podemos ir a mais sítios e, assim, recolher mais dados e obter melhores resultados.”
Ao longo dos próximos meses, instrutores e alunos das escolas de mergulho irão participar em workshops – sobre como fazer a recolha de informação durante os mergulhos – dinamizados pela ANP/WWF e pelo CCMar. Os mergulhos serão acompanhados por cientistas e alguns terão o auxílio de um veículo operado remotamente (ROV), disponibilizado pela National Geographic.
Ângela Morgado, directora executiva da ANP/WWF, destaca em comunicado a importância da componente de ciência-cidadã para o projecto. “Dada a falta de dados, é imperativo desenvolver metodologias alternativas às puramente científicas de forma a alargar o leque de possibilidade no que toca à recolha de informação.” O primeiro mergulho realizou-se no último sábado, em Sesimbra, nas zonas de pradaria marinha da Arrábida. Os restantes centros de mergulho contactados pelo projecto operam perto de “zonas-chave” onde já foram avistados cavalos-marinhos: além da ria Formosa e da Arrábida e estuário do Sado, é ainda o caso da ria de Aveiro, do estuário do Mondego, do estuário do Tejo, do estuário do Mira, da ria de Alvor, do rio Arade e da Madeira e dos Açores.
A informação recolhida nos mergulhos será partilhada na plataforma online iSeahorse, uma rede global de cientistas e cidadãos comuns que promove a preservação dos cavalos-marinhos. Miguel Correia, investigador do CCMar também citado em comunicado, espera com este projecto alargar o conhecimento sobre as populações de cavalos-marinhos em Portugal e “actualizar o tão necessário estatuto de conservação”. A União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN) classifica como insuficientes os dados que existem sobre os cavalos-marinhos em Portugal e no mundo. Sem dados adicionais, é impossível definir o estatuto de conservação das espécies.
De dois milhões para 150 mil
A maior parte da informação sobre os cavalos-marinhos existentes em Portugal – o cavalo-marinho-de-focinho-comprido (Hippocampus guttulatus) e o cavalo-marinho-comum (Hippocampus hippocampus) – provêm de estudos na ria formosa. “Não há grande informação quer sobre a sua distribuição quer sobre a sua abundância noutros sítios”, diz ao PÚBLICO Miguel Correia.
Em 2001, existiam cerca de dois milhões de cavalos-marinhos na ria Formosa. Entre 2001 e 2009 as populações do cavalo-marinho-de-focinho-comprido diminuíram 94%, enquanto as do cavalo-marinho-comum baixaram 73%. Segundo o levantamento mais recente, de 2018 e em que participou o biólogo Miguel Correia, houve “um decréscimo de 90% em média para as duas espécies”, em comparação com os dados de 2001. Estima-se que actualmente haja, na média total das duas espécies, 150 mil cavalos-marinhos na ria Formosa.
Sabe-se que as causas para o declínio destes peixes são a perda de habitat, a poluição, as alterações climáticas e a apanha ilegal. Na ria Formosa, os cavalos-marinhos são apanhados ilegalmente para fornecer principalmente o mercado asiático, devido à sua importância na medicina tradicional oriental. Miguel Correia afirma que a pesca ilegal é uma ameaça não só na ria Formosa, mas também noutros locais. “Acontece na ria Formosa e suspeitamos que continue aí, mas não tão intensamente. E já houve registos de apanha ilegal em Itália e Espanha. Portanto, é um problema global.”
O cavalo-marinho-de-focinho-comprido mede entre dez e 33 centímetros de comprimento e habita zonas de pradaria marinha até aos 12 metros de profundidade. Já o cavalo-marinho-comum normalmente vive em zonas costeiras até aos 60 metros e o seu tamanho varia entre os 7,7 e os 15 centímetros de comprimento. Os cavalos-marinhos fazem parte de uma família de peixes conhecida por singnatídeos, onde se inserem também as marinhas e os dragões-marinhos. Ao contrário das outras espécies de peixes, nos singnatídeos são os machos que fertilizam e incubam os ovos.
Texto editado por Teresa Firmino