Ela está de volta. O extraordinário regresso de Cristina Kirchner como vice-presidente
Antiga Presidente surpreendeu todos ao concorrer como “número dois” de um político mais moderado. A estratégia resultou.
A antiga Presidente argentina, Cristina Fernández de Kirchner, uma política que é como uma estrela rock muito popular entre os mais pobres mas temida pelas grandes empresas e investidores, está de volta: apesar de, desta vez, ser como vice-presidente.
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A antiga Presidente argentina, Cristina Fernández de Kirchner, uma política que é como uma estrela rock muito popular entre os mais pobres mas temida pelas grandes empresas e investidores, está de volta: apesar de, desta vez, ser como vice-presidente.
Líder do país durante oito anos até 2015, Cristina, como é conhecida pelos fãs, regressa à Casa Rosada (a sede da presidência) depois de conseguir, com o candidato à presidência Alberto Fernández, uma vitória decisiva na eleição de domingo.
O regresso da intensa Fernández de Kirchner é uma grande reviravolta na política argentina, com o país a virar abruptamente à esquerda depois de quatro anos sob a liderança do conservador Mauricio Macri.
Vestida de vermelho e parecendo tão natural como sempre no palco após a vitória, Cristina fez um pedido emocionado a Macri, para que este faça todos os esforços possíveis para estabilizar a economia até deixar o cargo.
“Por favor, tome as medidas que deve tomar para aliviar a situação dramática das finanças do país. A responsabilidade é sua”, disse, antes de passar o microfone a Alberto Fernández.
Mais tarde, ao sair da arena, posou para selfies com apoiantes que se debruçavam para chegar perto dela.
De longe o maior nome no movimento de Perón na Argentina, Cristina surpreendeu todos quando anunciou que concorreria como número dois do seu antigo chefe de gabinete, quando havia preocupação de que a sua figura que é tudo menos unificadora pudesse afastar eleitores centristas.
Um peso-pesado da polícia há mais de duas décadas, Fernández de Kirchner ganhou popularidade como a carismática primeira-dama durante a presidência de Néstor Kirchner (2003-2007), a quem sucedeu no cargo (2007-2015). Néstor Kirchner morreu em 2010.
O segundo mandato de Cristina terminou com muitas acusações de que era uma populista autoritária que deixou a economia na bancarrota com gastos em políticas sociais e corrupção. Ainda enfrenta uma série de processos legais sobre acusações de corrupção, que nega.
Ficou famosa a sua recusa em assistir à tomada de posse de Macri e entregar-lhe o bastão e a faixa presidenciais, como é tradição, depois de um desentendimento entre ambos sobre o local onde deveria ter lugar a cerimónia.
A táctica surpresa de ficar com o cargo de vice-presidente resultou. O poder de estrela de Cristina deu glamour ao discreto candidato peronista e ajudou a canalizar o descontentamento popular com o Governo de Macri, numa altura em que a subida da inflação e uma economia anémica empurraram muitos argentinos para a pobreza.
Agora, eleitores e investidores estão a preparar-se para o regresso de Fernández de Kirchner. Muitos acreditam que ela terá um peso significativo nos bastidores, ainda que o seu partido tenha desvalorizado isso.
“Estamos a falar de Cristina. Não é realista esperar que se mantenha invisível muito tempo”, disse Benjamin Gedan, director do projecto Argentina no Wilson Center em Washington. “Com base em tudo o que sabemos da sua história e personalidade, é provável que queira ser uma figura importante na política argentina de novo.”
Uma vice moderada?
Durante a campanha manteve-se à margem, promovendo antes a sua biografia, Sinceramente, numa torné que atraiu enormes multidões. A sua conta no Twitter, normalmente cheia de tiradas inflamatórias e rápida a responder a opositores, tem estado silenciosa.
Alguns investidores disseram esperar que o seu papel fosse amortizado pelo mais moderado Alberto Fernández. Mas alguns estão a ter uma atitude prudente e esperar para ver se Kirchner vai assumir mais proeminência no novo Governo, disse Ilya Gofshteyn, especialista em mercados emergentes no Standard Chartered Bank em Nova Iorque.
Os investidores não se esqueceram dos problemas económicos da Argentina governada Cristina, quando um desentendimento com os credores levou o país a declarar falência técnica em 2014, mas têm dado ouvidos aos sinais subtis do Presidente eleito Fernández de um caminho mais moderado.
“Os mercados, na sua maior parte, estão dispostos a dar à equipa Fernández o benefício da dúvida”, disse Gofshteyn, acrescentando que as pessoas esperam que “não seja Cristina quem está a comandar”. “Mas, no longo prazo, essa é a ameaça que paira sobre o sistema político argentino”, acrescentou.
A ex-Presidente é adorada e odiada quase em medidas iguais pelos eleitores.
“Tenho um medo enorme dos Fernández”, disse Marissa Misischia, psicóloga de 62 anos, ao ir votar em Macri em Buenos Aires no domingo, referindo-se aos dois candidatos que partilham um apelido mas não têm qualquer relação de parentesco. “No passado, Cristina destruiu a economia.”
Carlos Berenguer, um reformado de 71 anos, disse esperar que fosse Cristina a ditar o tom do novo governo. “Prefiro-a porque tem mais experiência de liderança”, disse. “Penso que é uma pessoa instruída, moral e inteligente.”
Muitas consideram que as políticas de Kirchner as ajudaram a sair da pobreza, ainda que a sua administração não publicasse de modo regular estatísticas sobre a pobreza. Durante o Governo de Macri, a taxa de pobreza aumentou para 35%, segundo os dados do Governo.
Alberto Fernández herda uma economia enfraquecida e um banco central quase sem reservas, a uma base de eleitores que quer um regresso dos subsídios sociais da altura do Governo de Fernández de Kirchner.
Isso pode ser uma receita para tensão.
O analista político argentino Facundo Nejamkis disse que enquanto os peronistas mais radicais apoiam Cristina Kirchner, a maioria está resignada à via mais centrista de Alberto Fernández, ainda que isto possa mudar se as coisas começarem a correr mal.
“Claro que se Alberto Fernández não se sair bem, pode ser que os eleitores queiram que Cristina tenha um papel maior.”
Reuters