Urgência do Garcia de Orta fecha de novo. Mais de 100 pessoas protestam
Urgência está de novo fechada durante este fim-de-semana, devido à falta de médicos. Presidente do hospital dis que serviço apenas deve normalizar “daqui a seis meses”.
Mais de 100 pessoas protestaram este sábado em frente ao Hospital Garcia de Orta, em Almada, apelando ao Governo para que tome medidas para resolver a falta de pediatras, que tem levado ao encerramento da urgência.
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Mais de 100 pessoas protestaram este sábado em frente ao Hospital Garcia de Orta, em Almada, apelando ao Governo para que tome medidas para resolver a falta de pediatras, que tem levado ao encerramento da urgência.
“Nós entendemos que a administração está de pés e mãos atadas, porque depende da tutela. Quando a tutela autoriza que seja feito um concurso para três pediatras, quando estão em falta 12, ninguém aparece ao concurso porque sabiam que esses três iriam fazer o trabalho de 12”, disse José Lourenço, da Comissão de Utentes da Saúde do Seixal.
Foi esta organização que convocou a manifestação, que contou com mais de 100 pessoas. “A manifestação foi feita devido ao agravar da situação, a repetição do problema que vem confirmar que é estrutural. É exactamente para travar isto e para que sejam tomadas medidas efectivas”, explicou o membro da comissão de utentes.
Este serviço está fechado durante este fim-de-semana, o que acontece pela quarta vez este mês, devido à falta de médicos na urgência pediátrica, em que trabalham sete especialistas, dos quais apenas quatro fazem noites porque têm menos do que 55 anos.
O presidente do conselho de administração do hospital informou, entretanto, que a urgência pediátrica deve normalizar “daqui a seis meses”, depois do lançamento de dois concursos, mostrando-se solidário com os utentes que protestaram contra o encerramento do serviço. Enquanto não há uma solução definitiva, admitiu que “é um risco evidente” que a urgência pediátrica possa voltar a encerrar nos próximos meses.
Estava previsto um protocolo com a União das Misericórdias Portuguesas para solucionar a carência a curto prazo, que consistia em trazer pediatras do norte do país, mas, segundo o presidente do conselho de administração, não se deverá concretizar.
“Temo que não haja hipótese de que a Misericórdia nos consiga ajudar, porque ficou esgotada a possibilidade de virem pediatras do norte do país, porque, de facto, não há pediatras”, explicou.
O hospital está a contar com a colaboração de especialistas dos hospitais de Lisboa e do Barreiro, mas a maior esperança para resolver o problema são as vagas atribuídas pelo Ministério da Saúde, que aprovou a contratação directa de três profissionais e lançará, em breve, um novo concurso.
Ainda assim, segundo Luís Amaro, o “serviço vai ter que se restruturar internamente” e proporcionar “melhores condições e projectos inovadores para conseguir cativar e fixar as pessoas”.
Pais têm que ir a Lisboa
Durante a manifestação deste sábado, várias pessoas optaram por participar no movimento com os filhos, como foi o caso de Ana Pato, de 36 anos, que relembrou a importância que este hospital tem para os dois concelhos que serve, Almada e Seixal, no distrito de Setúbal.
“Se a minha criança estiver doente à noite, terei que me deslocar para Lisboa, o que não faz sentido. É suposto este hospital abranger esta área geográfica”, frisou a utente, afirmando que “é preciso que as pessoas se unam para defender o Serviço Nacional de Saúde [SNS]”.
Também Isabel Alves, de 77 anos, contou que os dois netos de 12 e 15 anos nasceram no Garcia de Orta e que “sempre foram assistidos neste hospital”, lamentando que “uma população tão grande, com dois concelhos, não tenha uma urgência pediátrica”.
“Uma criança que vá ao centro de saúde, como eles querem que se faça, pode ter eventualmente uma urgência e, até que chegue ao hospital, aquele tempo pode ser fatal. Além da componente económica, porque os pais têm que ir a Lisboa”, frisou.
Já Jorge Geraldes, de 58 anos, participou no protesto para “apelar e exigir que esta questão seja resolvida de uma vez por todas”, sublinhando que o Governo “já devia ter intervindo”.
“Não é admissível que no século XXI e num país desenvolvido que um hospital central encerre as urgências de pediatria, dos cidadãos mais frágeis, porque faltam recursos. O Hospital Garcia de Orta serve a Península de Setúbal e são centenas de milhares de crianças que ficam sem assistência durante o fim-de-semana”, referiu.
O presidente da Federação Nacional dos Médicos (FNAM), João Proença, que já exerceu no Garcia de Orta, mostrou-se solidário com o protesto e apelou ao Governo para que “mude a lei de gestão”.
“É preciso criar atracção aos médicos para dignificar a carreira médica, com novas medidas salariais para que as pessoas se motivem a trabalhar no SNS. É um desastre enorme que um serviço que era uma referência nacional, com o professor Torrado da Silva, e que tem vindo a destruir-se aos poucos ao ponto de ninguém querer vir trabalhar aqui no hospital”, considerou.
Também a dirigente do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, Zoraima Cruz Prado, defendeu que a ministra da Saúde, Marta Temido, “tem que dar capacidades e dotar o SNS de meios para poderem fixar os trabalhadores”.
A deputada do Bloco de Esquerda e vereadora na Câmara Municipal de Almada, Joana Mortágua, também mostrou o seu apoio, frisando que o Ministério da Saúde “deve utilizar todos os meios ao seu dispor para conseguir fixar médicos”.
A falta de médicos pediatras para cumprir as escalas nocturnas no Garcia de Orta já dura há mais de um ano, quando saíram 13 médicos e, segundo o Sindicato dos Médicos da Zona Sul, nem o lançamento de concursos foi suficiente para colmatar a carência porque “ninguém concorreu”.
Segundo um estudo do Garcia de Orta sobre a procura inadequada às urgências, 73% das crianças que recorreram a este serviço, entre Janeiro e Agosto, estavam em situação “sem gravidade”, ou seja, casos em que se poderia acorrer aos cuidados de saúde primários.