Franco saiu do Vale dos Caídos — “O meu avô não está sozinho”, diz neto
Ditador espanhol deixou o mausoléu no monumento que ergueu ao seu regime. É “o fim de uma afronta moral”, diz Pedro Sánchez.
Houve bandeiras e cânticos franquistas a receber o corpo do ditador Francisco Franco em Mingorrubio, depois de ter sido exumado do Vale dos Caídos e de ter sido transportado até este cemitério nos arredores de Madrid de helicóptero.
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Houve bandeiras e cânticos franquistas a receber o corpo do ditador Francisco Franco em Mingorrubio, depois de ter sido exumado do Vale dos Caídos e de ter sido transportado até este cemitério nos arredores de Madrid de helicóptero.
Os nostálgicos do regime, perto de 250, vaiaram os membros do Governo de Pedro Sánchez que acompanharam a operação. O chefe do Governo fez uma declaração sobre o que estava a acontecer. “O mausoléu Vale dos Caídos era uma infâmia a que era preciso pôr cobro, antes que já não houvesse remédio”, disse, lembrando as vítimas da ditadura franquista e os corpos, milhares, que foram levados para o Vale sem a permissão das famílias. “Hoje, pôs-se fim a uma infâmia moral”.
“Quando voltar a abrir as suas portas, o Vale dos Caídos terá um significado muito diferente: vai lembrar uma dor que não deve repetir-se nunca mais e ser uma homenagem a todas as vítimas do ódio”.
A Fundação Franco, organização que preserva e enaltece a memória do franquismo, publicou a homilia que o prior do Vale dos Caídos, Santiago Cantera (que foi porta-voz oficioso da família Franco na batalha contra a mudança do corpo), proferiu durante a exumação: “Contente por ter sido perseguido por [defender a] causa da justiça, durante toda a sua vida e agora na sua morte. Vossa Excelência (...) sabe seguramente que a única justiça verdadeira é a divina”.
Durante a operação, houve momentos tensos. Os familiares, 22, entre neto, bisnetos e cônjuges, e todos os que assistiram, tiveram que passar por um detector para provar que não tinham qualquer aparelho de gravação, áudio ou de imagem. E um dos netos de Franco, Francis Franco, foi obrigado a deixar a bandeira que levava para cobrir o caixão - com a águia de São João Evangelista, que foi usada pelos reis católicos e que o ditador recuperou no seu regime.
O Governo não autorizou honras de Estado ou bandeiras no caixão durante a operação, no funeral privado em Mingorrubio os Franco puderam usar a bandeira que quiseram. A família optou por usar o mesmo caixão retirado da cripta onde o ditador espanhol esteve 44 anos, desde a sua morte em 1975, e não um novo que estava disponível.
“Viva Franco, viva Espanha”, disseram os familiares ao enterrarem o seu antepassado em Mingorrubio.
Frases idênticas foram ouvidas à porta do cemitério, onde aguardava o corpo o franquista que por duas vezes (a primeira em 1979) tentou derrubar o regime democrático instaurado depois da morte do ditador: Antonio Tejero Molina, o oficial da Guarda Civil que em Fevereiro de 1981 entrou armado no Congresso de Deputados para restaurar a ditadura. Foi condenado a 30 anos de prisão, saiu em liberdade condicional em 1996 e ainda na cadeia criou um partido de extrema-direita, que desapareceu por nos anos de 1980 não ter tido grandes resultados eleitorais.
“Que faz aqui”, perguntaram-lhe os jornalistas. “Estou onde Espanha precisa, como sempre”, respondeu, citado pelo El País. Ramón Molina, filho de Tejero e pároco em Málaga, foi quem oficiou a missa do segundo enterro de Francisco Franco.
Na frente política, a exumação recebeu o apoio da esquerda e críticas moderadas à direita. O Partido Popular acusa Sánchez de abrir feridas para fins eleitoralistas - o país vai a votos a 10 de Novembro. O líder, Pablo Casado, disse tratar-se de “um acto de propaganda” e que o seu partido não vai perder “nem um minuto a falar do que se passou há 50 anos”, uma história “felizmente superada”.
O dirigente do Vox (extrema-direita), Santiago Abascal, disse à Rádio Nacional Espanhola que o Governo quis “desafiar os espanhóis” com o objectivo de “retirar legitimidade à Transição e à coroa, e derrubar Felipe VI e a cruz do Vale dos Caídos”. “O abutre da Moncloa começou uma campanha de ódio. Os mortos respeitam-se, seja Franco seja a Pasionaria”, escreveu no Twitter.
"Hoje é um dia muito triste”, disse Francis Franco. “Querem passar a imagem de que o meu avô está sozinho, mas não está”.