Obrigado, senhor Draghi
Portugal e a Europa estão onde estão hoje, em grande medida, por causa da ousadia de Mario Draghi. Na hora em que se despede do BCE, aqui fica a nossa vénia ao seu papel.
A complexidade do mundo moderno é avessa à glória de actos individuais, mas no nosso tempo tivemos a felicidade de ouvir uma frase com quatro palavras apenas que mudou o curso de uma crise que estava a devastar a Europa – e a levar Portugal para um caminho de lúgubres incertezas. Quando, em 26 de Julho de 2012, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, anunciou em Londres que faria “tudo o que for preciso para salvar o euro” e garantiu que o que tinha em mente era “suficiente” para o conseguir, criou-se um desses momentos de mudança que afectou a vida de milhões de pessoas.
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A complexidade do mundo moderno é avessa à glória de actos individuais, mas no nosso tempo tivemos a felicidade de ouvir uma frase com quatro palavras apenas que mudou o curso de uma crise que estava a devastar a Europa – e a levar Portugal para um caminho de lúgubres incertezas. Quando, em 26 de Julho de 2012, o presidente do Banco Central Europeu, Mario Draghi, anunciou em Londres que faria “tudo o que for preciso para salvar o euro” e garantiu que o que tinha em mente era “suficiente” para o conseguir, criou-se um desses momentos de mudança que afectou a vida de milhões de pessoas.
Num rasgo que combinou visão, determinação e coragem, Draghi fez da ousadia uma estratégia e das palavras uma arma contra o fatalismo. Depois desse dia, a ameaça que pairava sobre Portugal, Grécia, Espanha e Itália começou a diluir-se. O euro resistiu e hoje merece um apoio dos cidadãos como nunca teve na sua curta história.
Por muito que seja arriscado falar no homem providencial da crise, até porque o mandato de Mario Draghi está longe de ser perfeito, vale a pena regressar a esses tempos sombrios e recordar o seu papel.
Os resgates da Grécia e de Portugal estavam feitos e a Espanha receberia um pacote de ajudas de 100 mil milhões de euros, mas o contágio propagado pela descrença no euro elevava os juros das emissões de dívidas para níveis incomportáveis e a Itália aproximava-se do precipício. Enquanto os países mais ricos se entretinham na miserável narrativa dos riscos (e facturas) morais da crise que os pecadores tinham de suportar para redimir os seus “pecados”, quando as instâncias europeias paralisaram num clima de cobardia política e de fatalismo, só um golpe de convicção e determinação poderia inverter o ciclo. Draghi foi o homem que teve esse rasgo e a coragem para rumar contra a maré.
Não vale a pena invocar a história contrafactual para se adivinhar o que teria acontecido sem as palavras de Draghi e sem a crença dos mercados financeiros na sua autenticidade. O que importa é notar que a crise se começou a dissipar, a Europa regressou à senda de crescimento que criou 11 milhões de postos de trabalho, Portugal sobreviveu à tempestade, regressou aos mercados e entrou numa fase de estabilidade e de crescimento. Dizer que tudo aconteceu à custa da coragem de Draghi pode ser excessivo. Mas reconhecer que Portugal e a Europa estão onde estão hoje, em grande medida, por causa da sua ousadia é um gesto de simples justiça.
Na hora em que se despede do BCE, aqui fica a nossa vénia a Mario Draghi.