Cancro, um fantasma tatuado na minha pele
Neste processo, temos de ter ao nosso lado pessoas que nos amparem psicologicamente, porque o túnel é longo demais e escuro.
O dia começou como tantos outros. Um dia de sol que se tornou no dia mais escuro da minha vida. Mais um dia de trabalho, mais um passo em frente pela vida...
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O dia começou como tantos outros. Um dia de sol que se tornou no dia mais escuro da minha vida. Mais um dia de trabalho, mais um passo em frente pela vida...
Na altura, a minha filha tinha apenas 2 anos, tudo girava à volta dela, a felicidade de vê-la crescer e poder sempre estar ao seu lado seria o meu sonho. Infelizmente, um sonho que se desvaneceu no dia daquele exame.
Os sintomas eram quase nulos. Apenas um simples cansaço permanente que disfarçava o monstro escondido, em silêncio, dentro de mim. Sempre fui uma pessoa atenta à saúde, e nada me despertou para algo que poderia estar mal. Até ao dia em que achei estranho aquele longo e constante cansaço.
Fui à médica pedir para fazer análises. Nada detectaram. Estava tudo normal. Fiquei tranquila, até ao dia em que surgiu um pequeno caroço. Sou uma pessoa confiante, tranquila e nunca, mas nunca coloquei a hipótese de me acontecer tal coisa.
Marquei o exame, o médico começou a fazê-lo e, pouco depois, fazia-me festinhas no ombro, como que a tentar arranjar a forma menos dolorosa de lançar a bomba. Percebi logo que algo estava errado: “Doutor, diga-me que está tudo bem, porque a minha filha é pequenina, precisa de mim. Estou estritamente proibida de me acontecer alguma coisa.” E ele disse-me o que ninguém quer ouvir... Pelas suas palavras era mau, muito mau. Estava na maca e senti-me completamente suspensa no ar, no vazio. Naqueles segundos tudo parou.
Ainda hoje não sei como conduzi até casa, como cheguei. É um momento que foi completamente apagado da minha memória.
Fui ao IPO marcar consulta e apanhei um senhor, que devia ser jardineiro em vez de médico, porque o meu estado, já estava num estado muito grave, já era mais do que aquele caroço que eu sentira, eram cinco camuflados e nas glândulas axilares; mas só podia ser o jardineiro porque marcou-me consulta para dali a seis meses, leram bem, seis meses.
Fui ouvir outra opinião, de um médico que me operou de urgência na mesma semana da consulta, porque os seis meses dados pelo outro médico poderia ser tarde demais para mim e hoje poderia não estaria aqui.
Infelizmente, esse meu anjo da guarda, deixou-nos... Ele, que tantas vezes me limpou as lágrimas do rosto e me confortou. É a ele que devo a minha vida.
Neste processo, temos de ter ao nosso lado pessoas que nos amparem psicologicamente, porque o túnel é longo demais e escuro. Esse apoio, recebi-o das minhas irmãs, a quem peço desculpa por mentir, algumas vezes, quando lhes dizia que estava bem e não estava.
Muitas vezes, com a cabeça lisinha, o banho era isento de espelho porque a realidade era dura e não reconhecia aquela pessoa. Aquela pessoa não sorria mais e a felicidade não a visitava. Agarrei-me à foto da minha filha, porque não podia deixá-la para trás, e lutei com as poucas forças que restavam no meu corpo. Lutei uma batalha dura mas venci, sinto-me uma vencedora, embora parte de mim tenha morrido naquele dia.
Neste intervalo da minha vida, ficou um buraco bem fundo. Hoje sou eu com um fantasma que me persegue e que ficará tatuado na minha pele para sempre. Eu, com uma história triste para contar, mas com um final feliz e ao lado da minha filha, das minhas irmãs e dos que amo. Aprendi a sentir a emoção, que nem tudo se transmite em palavras, e a viver o dia em si, porque o amanhã pode não mais existir.