Descoberta ferramenta com “cola” fabricada pelos neandertais
Uma ferramenta com vestígios de alcatrão de bétula, que serviria de cola ou adesivo, e que remonta há cerca de 50 mil anos, dá mais pistas sobre as capacidades cognitivas e tecnológicas dos neandertais.
O repertório tecnológico dos neandertais vai aumentando. Desde a capacidade de usar ferramentas para fazer fogo e outras “habilidades”, tinham já surgido alguns indícios que esta espécie extinta de humanos era também capaz de fabricar piche, uma cola feita com a casca de árvores, que servia de adesivo nas suas ferramentas. Uma equipa de investigadores na Holanda encontrou na actual costa holandesa mais uma prova da complexa tecnologia usada pelos neandertais, revela um artigo publicado esta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Trata-se de uma pequena ferramenta de pedra que em cerca de um terço está coberta de “alcatrão de bétula”, aquela que será a primeira cola alguma vez criada por humanos.
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O repertório tecnológico dos neandertais vai aumentando. Desde a capacidade de usar ferramentas para fazer fogo e outras “habilidades”, tinham já surgido alguns indícios que esta espécie extinta de humanos era também capaz de fabricar piche, uma cola feita com a casca de árvores, que servia de adesivo nas suas ferramentas. Uma equipa de investigadores na Holanda encontrou na actual costa holandesa mais uma prova da complexa tecnologia usada pelos neandertais, revela um artigo publicado esta segunda-feira na revista Proceedings of the National Academy of Sciences (PNAS). Trata-se de uma pequena ferramenta de pedra que em cerca de um terço está coberta de “alcatrão de bétula”, aquela que será a primeira cola alguma vez criada por humanos.
O artigo descreve a descoberta de uma ferramenta de pedra do Paleolítico Médio incorporada num resíduo preto, encontrada em 2016 na praia de Zandmotor, na Holanda. A peça é semelhante a uma lasca de pedra pura e pontiaguda e surgiu no mesmo local geológico onde foi encontrado um fragmento de crânio neandertal, datado de há aproximadamente 50 mil anos. A análise química identificou o resíduo preto como alcatrão de casca de bétula, e a quantidade de alcatrão sugere “um investimento considerável de recursos”. Quanto à qualidade desta “cola”, o estudo parece concluir que foi feita mediante um “método de produção complexo e de alto rendimento”.
A suspeita de que os neandertais produziam e, claro, usavam esta “cola” não é novidade. Já em 2002, por exemplo, a descoberta de uma dedada pegajosa num pedaço de alcatrão de madeira fossilizado, na Alemanha, mostrava que os neandertais fabricavam cola há pelo menos 200 mil anos, num achado que reacendeu o debate sobre as capacidades técnicas e a inteligência desta extinta espécie humana.
Mais recentemente, em 2017, uma equipa de investigadores tentou mesmo reproduzir a técnica que seria usada pelos neandertais para o fabrico daquela que alguns especialistas consideram ser a primeira cola do homem. Entre os vários métodos relatados no artigo publicado há dois anos na Scientific Reports, os cientistas (muitos são os mesmo que assinam esta segunda-feira o artigo na PNAS) sugeriam que a ideia poderá simplesmente ter surgido com os neandertais reunidos à volta de uma fogueira, uma vez que um pedaço de casca de bétula deixado no fogo e depois removido parcialmente queimado contém resíduos de piche, uma resina negra e pegajosa.
No entanto, há especialistas que defendem que os neandertais podem também ter “aprendido” esta técnica com os Homo sapiens durante o período em que coexistiram no mesmo território. Seja como for, os estudos têm vindo a reforçar a ideia de que todos os seres humanos que viviam no período entre há 50 mil anos e 150 mil anos tinham capacidades e tecnologias muito semelhantes. Muitos especialistas consideram que o aspecto mais “arcaico” da anatomia dos neandertais não corresponderia necessariamente a um comportamento e capacidades mais simples e básicas.
No artigo publicado agora na PNAS, os investigadores também abordam a controvérsia. “Apesar de termos cada vez mais provas científicas, o grau de inovação tecnológica neandertal ainda está em debate. Essa discussão é complicada, até porque nem sempre se esclarece por que é que um determinado comportamento ou tecnologia é considerado complexo”, argumentam. Além disso, acrescentam os cientistas, não é ainda claro quais são, de facto, “as condições necessárias para o desenvolvimento e manutenção de tecnologia complexa, além de um cérebro grande e um mecanismo de transmissão social de sucesso”. Outros contributos podem passar pelo tamanho da população, grau de mobilidade, grau de especialização de tarefas e risco ecológico, enumeram.
A verdade é que se a “descoberta” aconteceu à volta de uma fogueira não deve ter sido muito complicado arranjar uma utilidade para aquela resina negra pegajosa a brotar de uma casca de árvore. E ao que tudo indica uma das formas de usar o alcatrão de bétula (ou feito com casca de outras árvores como pinho) foi como cola ou adesivo em ferramentas de madeira e pedra. “A produção de adesivos de alcatrão de bétula foi um dos principais avanços tecnológicos, demonstrando a complexa tecnologia neandertal e uma capacidade cognitiva avançada”, escrevem os autores no artigo, sublinhando ainda a “raridade” deste achado durante o período do Paleolítico Médio.
“Demonstramos que esse alcatrão de bétula era uma parte rotineira do repertório tecnológico neandertal”, referem os cientistas, que adiantam ainda que o complexo conhecimento necessário para a produção deste tipo de adesivos naquele local (Noroeste da Europa) e naquela época só existiria em pequenos grupos de indivíduos com muita mobilidade. O local onde a ferramenta foi descoberta fica na extremidade norte da distribuição dos neandertais, onde as condições do tempo frio levariam a “um alto risco ecológico”, argumentam os autores. “Isso sugere um grau de especialização da tarefa e apoia a hipótese de que o risco ecológico impulsiona o desenvolvimento de tecnologia complexa.”