Jerónimo Martins em risco de pagar multa à Concorrência na Polónia
Regulador polaco investiga queixas de clientes sobre desfasamento do preço entre a prateleira e a caixa, e sobre falta de informação, mas relação com os fornecedores também está sob análise. A concretizar-se, coima pode ultrapassar mil milhões de euros. Grupo diz que está ainda a analisar a informação recebida do regulador
O grupo Jerónimo Martins, que desde 1995 opera a cadeia de distribuição alimentar Biedronka no mercado polaco – líder do segmento naquele país – voltou esta sexta-feira a ser alvo de uma notificação do organismo regulador da Concorrência na Polónia (UOKiK na sigla polaca).
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O grupo Jerónimo Martins, que desde 1995 opera a cadeia de distribuição alimentar Biedronka no mercado polaco – líder do segmento naquele país – voltou esta sexta-feira a ser alvo de uma notificação do organismo regulador da Concorrência na Polónia (UOKiK na sigla polaca).
Em comunicado, emitido esta sexta-feira, 18 de Outubro, intitulado “UOKiK analisa com mais atenção os preços nas lojas Biedronka”, a entidade pública responsável pela Concorrência e Protecção dos Consumidores - que “responde directamente ao primeiro-ministro” polaco, conforme descrito no próprio site – admite três questões em aberto na investigação à Biedronka agora publicitada.
Primeiro, o UOKiK “iniciou um procedimento contra a companhia Jerónimo Martins Polska [subsidiária da Jerónimo Martins que gere os investimentos do grupo na Polónia e dona da Biedronka]. As acusações relacionam-se com a visibilidade de preços mais baixos perto do produto, acompanhada de cobrança de preços mais elevados na caixa nas lojas da cadeia Biedonka”.
Na versão inglesa do comunicado, o presidente do UOKiK, Marek Niechcial é citado: “temos muitos sinais de todo o país sobre as irregularidades no fornecimento de preços nas lojas da cadeia Biedronka. Foram comunicados por consumidores e inspectores locais da Inspecção do Comércio”, acrescenta. E sublinha: “não pode acontecer que o cliente veja um preço atractivo no produto e, depois de olhar para o recibo, repare que ele/ela pagou mais” pelo mesmo bem. E conclui: “Esta pode ser uma prática desleal de mercado”.
Entre “1 de Janeiro e 30 de Setembro de 2019”, continua a autoridade no comunicado, “a Inspecção do Comércio recebeu mais 230 queixas sobre preços incorrectos na Biedronka”. “A maioria está associada a diferenças entre o valor à vista na prateleira e o montante registado na caixa registadora e à falta de preços junto dos produtos”, situação que “também foi detectada durante a inspecção”, garante o regulador.
“Por exemplo, este ano”, no espaço de nove meses, “[os inspectores] descobriram que em 123 situações na Biedronka não havia preços e em 25 casos havia uma diferença entre o valor visível no produto na prateleira e o montante codificado na caixa registadora”.
O regulador dá três exemplos: “[o] ketchup deveria custar 2,79 zloty [0,65 euros ao câmbio actual] após desconto, mas a caixa registadora mostrou um preço de 3,49 zloty; “os preços de rolo de papel de cozinha no recibo foram de 5,99 zloty, e na prateleira eram de 4,49 zloty”; e “segundo o recibo, um quilo de tomates custou 3,99 zloty em vez dos 1,85 zloty prometidos por um letreiro na bancada”.
Num segundo plano do procedimento administrativo agora iniciado pelo UOKiK contra a Jerónimo Martins Polska está a acusação de alegada “falta de informação sobre o preço nos produtos ou perto deles”. “O preço é um dos principais critérios que os consumidores usam para fazer compras, especialmente em lojas “discount” [segmento em que a Biedronka se insere]” e, por isso, “o preço deve estar visível de forma destacada, para que os consumidores os possam ler facilmente e não sejam induzidos em erro”, alerta Tomasz Chróstny, vice-presidente do UOKiK, também citado no comunicado desta sexta-feira.
Multa pode atingir 10% das vendas: mil milhões de euros
“Se as acusações se confirmarem”, recorda na comunicação o organismo polaco que regula a Concorrência e Protecção dos Consumidores, “a companhia Jerónimo Martins Polska poderá pagar uma coima [equivalente] até 10% da facturação”.
Se se confirmar a acusação e a penalização do regulador for no patamar mais elevado sobre as vendas totais anuais da Biedonka (que ascenderam a 11.691 milhões de euros no ano passado), o valor em causa poderá ascender a 1,17 mil milhões de euros.
O Jerónimo Martins é o maior grupo de distribuição alimentar português mas tem a particularidade de não dominar o mercado doméstico – posição que cabe ao grupo Sonae (dono do PÚBLICO) – uma vez que faz 67,4% das suas vendas na Polónia. Só no retalho alimentar, a companhia liderada por Pedro Soares dos Santos tem ainda presença em Portugal (com a cadeia Pingo Doce) e na Colômbia (com a rede Ara). Mas conta com outras operações na área grossista (Recheio), no canal Horeca e na produção agro-alimentar e piscícola.
No mercado polaco, o regulador frisa na comunicação desta sexta-feira que “este não é o único procedimento que o UOKiK tem contra [sic] a empresa”. Há um terceiro tema em aberto. O organismo “também está a investigar se a Jerónimo Martins Polska não aplica práticas comerciais desleais aos fornecedores de frutas e vegetais”, cuja sanção pode elevar-se ao equivalente a 3% da facturação.
A notificação emitida em Setembro último levou a cotada JM a comunicar no mercado português que no “seguimento do comunicado publicado pelo UOKiK (Autoridade Polaca da Concorrência e Protecção do Consumidor), Jerónimo Martins SGPS, S.A. vem, por este meio, confirmar que a sua subsidiária Jerónimo Martins Polska S.A. foi notificada pela referida autoridade relativamente à abertura de um processo com vista a apurar se há abuso de poder negocial com fornecedores de frutas e legumes”.
Salientando que o grupo iria “responder e esclarecer qualquer questão no prazo devido”, a administração da JM afirmou há pouco menos de um mês na comunicação ao mercado: “estamos convictos que, nas relações que mantemos com os nossos fornecedores (comummente de longo prazo), cumprimos a lei e seguimos as boas práticas em vigor no mercado”.
Grupo analisa comunicação da Concorrência
Em resposta por escrito ao PÚBLICO, fonte oficial do grupo afirma: “Estamos a analisar de forma cabal a carta da UOKiK”, sem contudo adiantar qual o próximo passo processual.
Sublinha contudo que “tendo em conta a escala de operações da Biedronka – mais de 2900 lojas, mais de 67 000 colaboradores, que servem diariamente cerca de 4 milhões de clientes, num total de mais de 1,3 mil milhões de transacções anuais – há sempre a possibilidade de, por erro humano, faltarem alguns preços ou estarem mal colocados”.
Adianta fonte oficial da companhia na mesma resposta: “Temos uma preocupação grande com o rigor dos preços na gestão das operações e, ao mesmo tempo, asseguramos que os procedimentos da Biedronka estão definidos de acordo com a legislação, que determina que, em caso de diferença entre o preço na prateleira e o preço na caixa de check-out [registadora], os clientes têm sempre o direito de comprar o produto pelo preço mais baixo ou de serem reembolsados da diferença”.
Finalmente, o grupo reforça “o compromisso da Biedronka, há mais de duas décadas, de oferecer a melhor qualidade ao melhor preço. Os nossos clientes reconhecem-no, escolhendo comprar diariamente nas lojas da Biedronka”, conclui.
Actualizado às 18h00 com reacção do grupo Jerónimo Martins