General D de regresso à música, num Portugal “que não mudou muito desde os anos 90”
Aquele que muitos apelidam de “pai” do hip-hop em Portugal volta agora aos discos, depois de uma vida de errâncias e de um longo interregno artístico. O novo single, Zombie, chega no dia 28.
De todos os pioneiros do hip-hop em Portugal, foi ele o primeiro a adquirir visibilidade, impondo um discurso de consciência sociopolítica. É considerado por muitos como o “pai” do género, tendo editado dois álbuns nos anos 1990 (Pé Na Tchôn, Karapinha No Céu, de 1995, e Kanimambo, de 1997) que congregavam influências africanizadas e do rap. Quando preparava o terceiro álbum, no final dos anos 90, desapareceu sem deixar rasto; em 2014, o PÚBLICO localizou-o em Londres, com uma longa história de errâncias e itinerâncias atrás de si.
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De todos os pioneiros do hip-hop em Portugal, foi ele o primeiro a adquirir visibilidade, impondo um discurso de consciência sociopolítica. É considerado por muitos como o “pai” do género, tendo editado dois álbuns nos anos 1990 (Pé Na Tchôn, Karapinha No Céu, de 1995, e Kanimambo, de 1997) que congregavam influências africanizadas e do rap. Quando preparava o terceiro álbum, no final dos anos 90, desapareceu sem deixar rasto; em 2014, o PÚBLICO localizou-o em Londres, com uma longa história de errâncias e itinerâncias atrás de si.
Entretanto, deu-se o seu retorno a Portugal. Sérgio Matsinhe, mais conhecido por General D, 47 anos, não entrava num estúdio de gravação há muito, mas ei-lo agora de regresso com o single Zombie, que será lançado a 28 de Outubro, antecedendo um outro single a editar daqui a meses e um álbum que deverá chegar na segunda metade do próximo ano. “Isto não foi repentino, foi um processo contínuo, com muita pré-produção”, conta-nos. “Não fui directamente para um estúdio. Andei a preparar o trabalho e a fazer maquetas. Foi algo que foi amadurecendo dentro de mim.”
O tema tem influências de várias linguagens – reaggae, dancehall, hip-hop, afrobeat – e não é por acaso. “Do ponto de vista musical, tentei encapsular 700 anos de história em três minutos. Indo lá atrás, à África Antiga, e à tradição dos griots, os contadores de histórias, que mantiveram viva a tradição oral, passando-a para as Caraíbas, a Jamaica, e daí para os EUA e o mundo. No meu entender, essa é a história da técnica vocal a que chamamos de rap. O tema reflecte essa viagem. Daí o reggae surgir como parte fundamental. É o elo de ligação entre a música mais tradicional africana e aquilo que chamamos hoje de musica urbana.”
O tema tem participações vocais do britânico Enlery e de Sam Ora (que participava em Black magic woman, talvez a canção mais conhecida de General D) e tem produção sua e do londrino Mo Moroka, que, curiosamente, conheceu em Lisboa. “Cruzámo-nos há quatro anos, quando ele veio cá no contexto de um festival de musica electrónica”, lembra, adiantando que o facto de se tratar de um dos produtores do belga de origem congolesa Baloji, um dos artistas que mais aprecia no momento, se revelou determinante. “A forma como trabalha o som é muito especial.”
Depois de ter regressado aos palcos em 2014, com uma actuação no festival Lisboa Mistura, houve quem tivesse insistido com ele para gravar de imediato, mas General D optou por conceder algum tempo a si próprio. “As coisas têm o seu tempo e são esses processos que me fazem crescer. Quando regressei a Portugal, continuei a fazer coisas que já fazia em Inglaterra, como a cozinha, e tive tempo para trabalhar noutras relacionadas com a música, como as letras ou a prestação vocal. Tomei o meu tempo para me preparar e perceber o que queria lançar. Só me fazia sentido assim. Lançar algo porque sentia que era realmente relevante para os dias de hoje.”
Diz que não está arrependido por ter regressado, mas também não tem duvidas em reflectir que a realidade portuguesa, do ponto vista sociocultural, não mudou assim tanto. “Existe uma pseudo-explosão da cultura negra, mas, tal como nos anos 90, sente-se que é algo que parece que está quase a acontecer sem que ocorra verdadeiramente, porque há uma série de estruturas de raiz que não estão lá. Dessa forma, essas oportunidades para que os negros se sintam efectivamente como fazendo parte de algo vão-se diluindo. Há apenas uma fachada. É tudo um pouco superficial. A realidade continua a mesma, apenas pintalgada de outras cores. Portugal não mudou muito desde os anos 90.”