“A bossa nova faz 60 anos e ainda vai ficar aí por muitos mais”

Roberto Menescal, Wanda Sá e Quarteto do Rio, com João Cavalcanti e Marcelo Caldi, celebram seis décadas do movimento que mudou a relação da música brasileira com o mundo. Esta sexta-feira no Centro Cultural de Belém, em Lisboa, e dia 22 na Casa da Música, no Porto.

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Roberto Menescal, Wanda Sá, Quarteto do Rio e os restantes músicos numa colagem para divulgar este espectáculo DR

Se há nomes que não podem ser dissociados dos alvores da bossa nova, os de Roberto Menescal, Wanda Sá e Os Cariocas estão na primeira linha. Um espectáculo pensado para celebrar os 60 anos daquele movimento, que mudou a relação da música do Brasil com o mundo, junta-os em palco, com Os Cariocas rebaptizados de Quarteto do Rio e com músicos mais jovens também no cartaz, como João Cavalcanti, Marcelo Caldi e Rodolfo de Carvalho. Em Lisboa, actuarão esta sexta-feira no Centro Cultural de Belém, às 21h. E no Porto passarão no dia 22 pela Casa da Música, às 21h, com João Cavalcanti e Marcelo Caldi na primeira parte.

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Se há nomes que não podem ser dissociados dos alvores da bossa nova, os de Roberto Menescal, Wanda Sá e Os Cariocas estão na primeira linha. Um espectáculo pensado para celebrar os 60 anos daquele movimento, que mudou a relação da música do Brasil com o mundo, junta-os em palco, com Os Cariocas rebaptizados de Quarteto do Rio e com músicos mais jovens também no cartaz, como João Cavalcanti, Marcelo Caldi e Rodolfo de Carvalho. Em Lisboa, actuarão esta sexta-feira no Centro Cultural de Belém, às 21h. E no Porto passarão no dia 22 pela Casa da Música, às 21h, com João Cavalcanti e Marcelo Caldi na primeira parte.

“A gente não sabia nem que estava fazendo um movimento musical”, diz ao PÚBLICO Roberto Menescal, que mantém uma constante actividade e um espírito juvenil aos 81 anos. Na verdade, ele e Carlos Lyra deram, sem o saber, um passo fundamental para o futuro da bossa nova, quando fundaram uma academia de violão que viria a ter, entre a sua primeira meia centena de alunos, nomes como Nara Leão e Wanda Sá. Mas, diz ele, “João Gilberto é que trouxe a batida, o swing do violão” que procuravam. “Aquilo definiu a nossa música.” E foi Menescal que João procurou, ao regressar de um atribulado processo de recuperação que passou por retiros em Porto Alegre e Diamantina e um internamento em Salvador. “Era a festa da gala dos 30 anos de casamento dos meus pais e estava todo o mundo de terno e gravata”, recorda Menescal. “Então João apareceu lá, em camisa, olhou p’ra mim e perguntou: ‘Tem um violão aí?’ Eu disse para ele entrar, mas sem saber quem era. Aí, quando ele tocou e ouvi o Hô-bá-lá-lá (que eu já conhecia), eu falei: ‘Você é o João Gilberto?’ E ele: ‘Sou. Como é que você sabe?’ ‘Porque essa música eu conheço’. Aí, larguei a festa dos meus pais e saí pela noite com ele!”

Wanda e Os Cariocas

Depois, foi uma bola de neve: Menescal apresentou João a Nara Leão (foi na casa dos pais dela, na Avenida Atlântica, que viriam a realizar-se muitas das reuniões musicais que levaram à definição do movimento), Carlos Lyra, Ronaldo Bôscoli e Chico Pereira, fotógrafo da Odeon que sugeriu que João gravasse na sua editora. E quem lá estava, como maestro? António Carlos Jobim, já parceiro de Vinicius. Juntava-se o puzzle.

Wanda Sá, aluna de Menescal, rapidamente chegou a professora de violão. Ainda se lembra bem desses tempos: “Ele me convidou para ser professora dessa academia, e o João Gilberto passou a ir lá todas as noites. E foi assim que o conheci.” Nessa altura, era vulgar os músicos irem assistir aos espectáculos uns dos outros. “Andava todo o mundo junto. Era um tempo muito rico, em todos os sentidos. Agora não é mais assim.” Nas lembranças de Wanda, que continua activa na música, no canto e no violão, sobressai um trabalho: “Eu tenho um carinho muito especial pelo meu primeiro disco com o Menescal, que ele produziu, o Wanda Vagamente [1964]. Depois gravei alguns discos nos EUA, e há um, muito precioso, que se chama Softly, com orquestra, arranjado pelo Jack Marshall. E fiz vários discos para o Japão: com o João Donato, com o Bossa Três.”

Eloi Vicente, integrante do grupo vocal Os Cariocas nos alvores da bossa nova, é agora membro do Quarteto do Rio. “Nessa formação, o instrumental deu uma subida, ganhou com a entrada do Leandro Freixo (voz e teclados), que é um músico muito bom. Até cometemos o ‘pecado’ de, nos nossos últimos shows, termos números instrumentais!”

No terreno da bossa, diz Eloi, “de vez em quando aparece alguma coisa nova, até grupos que fazem a bossa nova com alguma modernidade no som, usando os meios actuais”. Já o Quarteto do Rio manteve a herança vocal de os Cariocas. “As pessoas ouvem e comentam que não mudou nada, mas ao mesmo tempo dizem que está mais moderno, mais actual.”

Cavalcanti e outras vozes

João Cavalcanti, filho do cantor e compositor Lenine, tocará com o grupo bossa-novista, juntamente com outros dois músicos da sua geração, Marcelo Caldi e Rodolfo de Carvalho. Mas, no Porto, ele e Caldi farão a primeira parte, com um projecto próprio, Garimpo. “É uma espécie de compilação de músicas minhas que andavam por aí espalhadas e que eu nunca tinha gravado. Tem parcerias com a Joyce, o Mário Adnet, a Tiê, com o meu pai, com o Zé Renato, há também uma música minha que a Roberta Sá gravou. E chamei Marcelo, que é meu parceiro musical de há muitos anos, para fazer os arranjos.”

Voltando a Menescal, tem vários projectos em curso, entre eles um disco sobre Cazuza com Leila Pinheiro, e outro, recém-lançado, com os Bossacucanova, do seu filho Márcio Menescal. “A música não pára e me deixa ocupado o dia inteiro”, diz. Quanto à bossa nova, não duvida: “Foi a primeira música brasileira internacional e já vem com algumas influências do jazz. Antes, a música brasileira era maravilhosa, mas difícil de as pessoas entenderem e tocarem fora do Brasil. E a bossa trazia um sabor que vinha da música francesa, da música italiana e principalmente do jazz americano. Por isso ela está aí até hoje, faz 60 anos, como o jazz faz 100 anos, e ainda vai ficar aí por muitos mais.” Eloi Vicente partilha da mesma opinião: “Foi um género que surgiu e teve um auge na década de 1960 mas depois se consolidou e vai ficar para sempre. A bossa nova é eterna.”