Ex-dirigente do Benfica acusado de burla confessa parte dos crimes em tribunal
Antigo director de futsal do clube da Luz é acusado de se ter apropriado de 5,8 milhões de euros em terrenos. Em tribunal, disse que quer ressarcir os lesados.
Um ex-dirigente do Benfica acusado de se apropriar de 5,8 milhões de euros e que andou fugido à Justiça durante nove anos confessou parte dos crimes em tribunal, onde está a ser julgado por dez crimes de falsificação de documento e 11 de burla qualificada.
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Um ex-dirigente do Benfica acusado de se apropriar de 5,8 milhões de euros e que andou fugido à Justiça durante nove anos confessou parte dos crimes em tribunal, onde está a ser julgado por dez crimes de falsificação de documento e 11 de burla qualificada.
Luís Jorge Lopes Moreira, 57 anos, ex-responsável da equipa de futsal do Benfica — abandonou o clube em 2007 —, começou a ser julgado a 3 de Outubro e logo na primeira sessão do julgamento quis prestar declarações, sublinhado que tencionava assumir as suas responsabilidades pelos crimes e tentar ressarcir os lesados, uma vez que terá bens, nomeadamente um terreno, que valerá actualmente três milhões de euros.
Luís Moreira foi detido pela PSP a 27 de Junho deste ano em Marinhais, no concelho de Salvaterra de Magos (Santarém), depois de ter andado quase nove anos fugido à Justiça. Segundo a acusação, ter-se-á apropriado de mais de 5,8 milhões de euros ao ficar com o dinheiro de sinais de contratos de promessa de compra e venda de terrenos que não eram seus, mas para os quais apresentava procurações falsas dos verdadeiros donos. Ao todo são 13 os lesados neste processo, entre empresas e pessoas a título individual. São construtores civis que na altura perderam não só os terrenos, como o dinheiro que deram como sinal para a compra dos mesmos.
Perante os juízes, Luís Moreira disse que foi “instrumentalizado” e que agiu sob coacção de outra pessoa que teria na sua posse informações comprometedoras do seu bom nome. O arguido contou que o mentor desta mega burla, ao contrário do que refere a acusação do Ministério Público, foi Carlos Lage, um empresário que lhe foi apresentado em 2006 pelo seu genro à época.
Luís Moreira contou que Carlos Lage chegou a ter a sua mulher e filha sequestradas no Brasil de forma a obrigá-lo a consumar a burla. O arguido disse mesmo que deixou de ter vida desde 2007 e que nem documentos tinha na sua posse para se poder identificar.
Carlos Lage chegou a ser arguido no mesmo processo e, segundo a acusação, seria o testa-de-ferro de Luís Moreira. O problema é que já morreu. Carlos Lage e Luís Moreira andaram em fuga e só mais tarde foram localizados no Brasil, tendo sido detidos no âmbito de mandados de detenção internacionais, em finais de 2010.
No âmbito deste processo, que resultou da anexação de várias queixas, foram constituídos e acusados outros dois arguidos, António Baldo e António Aragão, que acabariam por ser julgados em separado. António Baldo, que era na altura dos factos chefe de gabinete do presidente da Câmara de Loures, foi absolvido porque não ficou provado que sabia que estava envolvido num esquema de burla. Já António Aragão, que seria um intermediário no ramo do imobiliário, foi condenado a três anos de prisão com pena suspensa.
Quanto aos outros dois arguidos, Carlos Lage acabou por ser extraditado do Brasil e ficou em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Lisboa. Um mês depois de ter sido detido foi assassinado por um outro recluso, que estava a cumprir uma pena de mais de 20 anos pelo homicídio de um médico cubano.
A morte de Carlos Lage, que foi de extrema violência, foi investigada pela Policia Judiciária, que tentou apurar se o seu homicídio estaria de alguma forma ligado ao caso pelo qual estava detido. Foram ouvidas varias testemunhas, entre presos e guardas prisionais. Todos foram unânimes em dizer que Carlos Lage não tinha problemas com ninguém na cadeia e que o recluso que o matou era conhecido por ser violento e ter surtos psicóticos.
Já Luís Moreira, que fugiu da prisão no Brasil, em Outubro de 2010, evitando assim a extradição para Portugal, andou desaparecido quase nove anos com mandados de detenção pendentes porque as autoridades não sabiam do seu paradeiro.
Foi apanhado pela PSP em Portugal no passado dia 27 de Junho, no âmbito de uma investigação a outro caso de crime de falsificação de documentos e burla qualificada que envolvia a usurpação de várias identidades e do qual era o principal suspeito.
De acordo com o auto elaborado pela PSP no dia da detenção, foi possível identificar o paradeiro de Luís Moreira, que “se identificava com vários nomes”. Chegou, de acordo com o documento, a usar a identidade de um cidadão brasileiro e a constituir em nome deste uma empresa, com sede em Azeitão, cuja actividade é construção civil e serviços de terraplenagens e demolições. Também terá aberto uma conta bancária em nome dessa sociedade e outra em nome individual.
Segundo o mesmo documento, também terá usado a identidade de um português que faleceu em 2015 e de outra pessoa da qual “não só assumiu a sua identidade, como ainda a sua profissão de engenheiro civil”. Além disso, tinha na sua posse o cartão de cidadão e a carta de condução de uma outra pessoa, que a polícia suspeita que tenha “furtado ao legítimo titular”, em Dezembro de 2018, e que ultimamente vinha a utilizar, identificando-se com esse nome não só em Portugal, mas em França.
Desde o dia 27 de Junho que Luís Moreira está detido no estabelecimento prisional da Polícia Judiciária (PJ). E já tentou dois habeas corpus junto do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) para ser libertado. No primeiro, tentou alegar que não foi ouvido dentro do período de 48 horas que a lei determina, mas o STJ concluiu que tinha sido interrogado dentro da janela de tempo a que a lei obriga e indeferiu o pedido. No segundo, Luís Moreira alegou que, por erro do tribunal, nunca foi notificado na morada certa, o que, argumenta, anula o mandado de detenção. Também este segundo pedido de habeas corpus acabaria por ser-lhe negado.
Na segunda sessão do julgamento de Luís Moreira foi ouvido o inspector da Polícia Judiciária que na altura coordenou a investigação ao caso da mega burla de 5,8 milhões de euros. Apesar de já terem passado vários anos desde essa investigação, o inspector disse que, de facto, não descartava a hipótese de Luís Moreira ter sido instrumentalizado por terceiros, mas que os indícios reunidos na investigação demonstravam o contrário, e que seria ele o mentor dos crimes.
O inspector realçou o facto de Carlos Lage ser uma pessoa simples e de não ser conhecido sequer no meio imobiliário, enquanto Luís Moreira era conhecido não só nesse meio, por ter empresas de construção, como era também uma figura de destaque no desporto por ser dirigente da equipa de futsal do Benfica.