Touradas só para maiores de 18 anos, diz a ONU

Vários especialistas têm-se pronunciado em relação aos impactos negativos da exposição das crianças à violência das touradas. No entanto, o Estado continua a permitir o funcionamento das “escolas de toureio” e eventos que incluem participação de crianças.

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Bruno Simoes Castanheira (colaborador)

Em Portugal existem “escolas de toureio” que formam crianças a ser “matadores de touros”, com aulas práticas, sem qualquer controlo do Estado e sem que ninguém se responsabilize por elas. Não existe nenhum registo destes estabelecimentos de ensino, constituídos como “associações culturais”, nem idade mínima para o ingresso nem regras que garantam a salvaguarda da saúde e segurança das crianças.

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Em Portugal existem “escolas de toureio” que formam crianças a ser “matadores de touros”, com aulas práticas, sem qualquer controlo do Estado e sem que ninguém se responsabilize por elas. Não existe nenhum registo destes estabelecimentos de ensino, constituídos como “associações culturais”, nem idade mínima para o ingresso nem regras que garantam a salvaguarda da saúde e segurança das crianças.

Além disso, algumas crianças participam em largadas de touros e esperas de gado infantil, correndo à frente de bezerros ou assistindo a acidentes com mortos e feridos, perante a indiferença das autoridades nacionais.

Há também crianças nas trincheiras (espaço entre a arena e a bancada) das praças de touros, apesar dos constantes acidentes, como o que ocorreu no passado mês de Setembro quando um touro saltou para a trincheira arrancando o couro cabeludo de um fotógrafo, com centenas de crianças a assistir ao violento episódio.

Há mortos e feridos muito graves e uma grande incoerência na forma como o Estado olha para o espectáculo tauromáquico. Por exemplo, o Regulamento do Espectáculo Tauromáquico obriga que os cartazes de publicidade às touradas incluam a advertência de que “o espectáculo pode ferir a susceptibilidade dos espectadores”, um reconhecimento de que esta actividade não é assim tão inofensiva, mas o recente “Regime de acesso e exercício da actividade de artista tauromáquico e de auxiliar de espectáculo tauromáquico” abre uma excepção para os artistas “amadores” e “forcados” (a categoria mais perigosa de todas), existindo a possibilidade das crianças actuarem nestas categorias, mediante uma autorização especial ou simples comunicação à Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens.

Vários especialistas têm-se pronunciado em relação aos impactos negativos da exposição das crianças à violência das touradas. No entanto, o Estado continua a permitir o funcionamento das “escolas de toureio” e eventos que incluem participação de crianças, como na Feira Nacional de Agricultura, onde miúdos de todas as idades se expõem ao perigo de uma colhida grave ou até mortal.

As touradas de praça estão classificadas para “maiores de 12 anos”, embora o Estado não assuma responsabilidade sobre este assunto, sendo a classificação um mero aconselhamento. Por isso, as crianças maiores de 3 anos podem entrar numa praça de touros acompanhadas por um adulto, testemunhando violência, sangue verdadeiro e acidentes de grande violência com mortos e feridos graves.

Perante este cenário, o Comité dos Direitos da Criança da ONU quer que as crianças e jovens com menos de 18 anos sejam afastados da violência das touradas em Portugal, sem excepções. A tauromaquia foi considerada como uma das piores formas de violência contra crianças em Portugal e incluída no relatório final de avaliação do cumprimento da Convenção dos Direitos da Criança no nosso país, ao lado dos castigos corporais, exploração sexual e abuso e práticas prejudiciais.

Os 18 peritos internacionais da ONU, que avaliam cada país subscritor da Convenção dos Direitos da Criança, foram bastante claros no pronunciamento dirigido ao Estado português: “O Comité recomenda que o Estado Parte estabeleça a idade mínima para participação e assistência em touradas e largadas de touros, inclusive em escolas de toureio, em 18 anos, sem excepção, e sensibilize os funcionários do Estado, a imprensa e a população em geral sobre efeitos negativos nas crianças, inclusive como espectadores, da violência associada às touradas e largadas”.

Este pronunciamento vem esclarecer as dúvidas que ainda podiam subsistir, depois de, na última avaliação do nosso país, em Fevereiro de 2014, o Comité ter referido que Portugal devia aumentar a idade mínima de 12 anos para a participação de crianças em touradas e a idade mínima de 6 anos para a assistência a este tipo de espectáculo, considerado violento.

Na verdade, nos últimos quatro anos, crianças de todas as idades continuaram a participar em eventos tauromáquicos, apesar de existir uma maior preocupação da indústria tauromáquica em ocultar acidentes de maior violência e aqueles que vitimam crianças que actuam em espectáculos tauromáquicos. É urgente clarificar e uniformizar a legislação, em sintonia com as recomendações do Comité dos Direitos da Criança. Não porque as touradas são erradas e/ou cruéis para os animais, mas pela defesa do superior interesse da criança que é verdadeiramente o que está em causa nesta discussão.