Empresas conseguiram transformar os incêndios numa oportunidade para melhorar
Foram aprovados 381 projectos para segurarem 4387 postos de trabalho. Quem não dependeu do Estado para fazer as intervenções, como a Sonae Arauco, pôde reerguer-se mais rapidamente.
“Este calor está a incomodar-me. Também estava muito calor há dois anos, e isto anda a incomodar-me.” São as primeiras palavras de Alberto Alcântara, operador de fábrica na Sonae Arauco, em Oliveira do Hospital. Na noite de 15 de Outubro de 2017 perdeu a casa, quase perdia o carro. Não perdeu a família (e nem todos na fábrica de derivados de Madeira onde trabalha há 12 anos podem dizer o mesmo) nem perdeu o emprego. Sabe que é difícil voltar a acontecer a mesma situação (porque a floresta à volta demora a crescer) e porque hoje em dia eles sentem-se ainda mais preparados para defender a fábrica – porque a conhecem melhor, ajudaram a reconstruí-la, fizeram o milagre de “concluir em seis meses um projecto que demoraria um ano”, como concorda Bernardo Lobo, director de engenharia e gestão mecânica da fábrica. O sentimento de equipa ganhou ainda mais corpo, a satisfação de trabalharem numa fábrica que bateu, em apenas um ano, todos os recordes de produção orgulha-os. Mas ainda ninguém se esqueceu daquela noite de Outubro.
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“Este calor está a incomodar-me. Também estava muito calor há dois anos, e isto anda a incomodar-me.” São as primeiras palavras de Alberto Alcântara, operador de fábrica na Sonae Arauco, em Oliveira do Hospital. Na noite de 15 de Outubro de 2017 perdeu a casa, quase perdia o carro. Não perdeu a família (e nem todos na fábrica de derivados de Madeira onde trabalha há 12 anos podem dizer o mesmo) nem perdeu o emprego. Sabe que é difícil voltar a acontecer a mesma situação (porque a floresta à volta demora a crescer) e porque hoje em dia eles sentem-se ainda mais preparados para defender a fábrica – porque a conhecem melhor, ajudaram a reconstruí-la, fizeram o milagre de “concluir em seis meses um projecto que demoraria um ano”, como concorda Bernardo Lobo, director de engenharia e gestão mecânica da fábrica. O sentimento de equipa ganhou ainda mais corpo, a satisfação de trabalharem numa fábrica que bateu, em apenas um ano, todos os recordes de produção orgulha-os. Mas ainda ninguém se esqueceu daquela noite de Outubro.
Jorge Trigo, um dos mais antigos funcionários da empresa, responsável pela gestão do parque de madeiras, acaba de se reformar, mas a sua cabeça não consegue sair dali. Daquela fábrica, e daquela noite. Chegou a Oliveira do Hospital há 30 anos, depois de uma experiência na indústria petroquímica onde lhe ensinaram a não ter medo do fogo. Mas o que se passou naquele caso, e na rapidez com que o fogo chegou ao parque de madeiras e parecia estar a entrar por todas as direcções, não foi igual a nada. “Não consigo descrever a sensação de impotência que ali vivemos”, resume.
O que aconteceu na Sonae Arauco, uma multinacional com quatro fábricas em Portugal e que nessa noite de 15 de Outubro viu duas delas arderem, em Oliveira do Hospital e Mangualde, apesar de estarem separadas por 59 quilómetros, foi avassalador. As chamas foram combatidas pelos funcionários que lá estavam, a terminar o turno ou que ainda conseguiram chegar – 11 na primeira fábrica, 37 na segunda. No caso de Oliveira do Hospital, as chamas destruíram 70% do que estava ao ar livre e a prioridade foi salvar a nave industrial, onde botijas de gás voadoras lhes entravam pelo telhado dentro. Nos dois meses seguintes arregaçaram as mangas, todos colaboraram na construção. Alberto Alcântara foi pintor, aproveitando a experiência que tinha nas caixilharias de alumínios. “Toda a gente foi importante, toda a gente trabalhou, toda a gente se segurou a isto.” No início de Dezembro conseguiram arrancar com a linha de produção de melamina, com placas de aglomerados vindas de outras fábricas do grupo. Em Abril repuseram a linha de produção da placas de aglomerados. Hoje em dia, com quatros linhas de produção, fazem a expedição de 26 camiões TIR por dia.
A Sonae Arauco foi apenas uma das cerca de 500 empresas que foram afectadas pelos incêndios. O grupo investiu 49 milhões de euros na recuperação das suas fábricas sem recorrer a fundos públicos e a incentivos governamentais. Eles foram criados, e chegaram ao terreno, mas de uma forma bem mais lenta. Numa grande parte dos casos, as obras ainda vão a meio, ou nem chegaram a arrancar.
Com o alarme público de estarem em causa mais de quatro mil postos de trabalho, e depois de terem sido declarados prejuízos de 269 milhões de euros, o Governo montou um sistema de incentivos disponibilizando 100 milhões de euros para as empresas que pretendessem repor a sua capacidade produtiva, criando a linha Repor no seio da máquina burocrática já instalada para aplicar os incentivos do Portugal 2020. A boa noticia é que, dois anos depois, conseguiu segurar os postos de trabalho, e as empresas que conseguiram aceder aos incentivos também poderão tentar transformar a crise na oportunidade de fazer melhorias. No total, já foram aprovados 381 projectos e investimentos de 106,2 milhões de euros – e, destes, 59,74 milhões já foram pagos.
Num universo de meio milhar de empresas há muitas histórias e diferentes dimensões. Há recuperações empresariais que se trataram de puro investimento – como no caso da empresa de calçado de Castelo de Paiva, em que 91 funcionários perderam o emprego no dia seguinte ao incêndio. Reinaldo Teixeira, dono da Carité, um grupo de calçado com sede em Felgueiras, candidatou-se aos financiamentos do Repor, fez um projecto de investimento de 594 mil euros e teve um apoio aprovado de 505,7 mil euros. A prioridade do empresário, disse desde o início, era segurar a mão-de-obra qualificada que existia em Castelo de Paiva.
Já António Óscar só agora conseguiu a aprovação do seu projecto de recuperação da fábrica de componentes de calçado onde manteve seis postos de trabalho. Os apoios pagam a fundo perdido 85% do que conseguir provar que perdeu, mas está dispensado das métricas que são exigidas nos financiamentos do Portugal 2020, como níveis de exportação ou postos de trabalho. António Óscar tem um projecto de investimento de um milhão de euros e um apoio aprovado de 856 mil euros. Ainda não recebeu nada. Aliás, confessa, ainda está a tentar convencer a banca a abrir uma linha de apoio à tesouraria para ter liquidez para avançar com as obras. Mas hoje sente-se "grato por ter tido a coragem de assumir o risco de entrar dentro de um edifício em chamas e fechar as portas corta-fogo”. E está também grato por “ter arriscado gastar os escassos recursos próprios para viabilizar até hoje a recuperação da empresa”.
“Os projectos avançam, mas com prazos a derrapar e sempre com dificuldade”, sintetiza Paulo Guerra, da empresa do sector têxtil J. Guerra, de Oliveira do Hospital, que recebeu o PÚBLICO no meio de uma reunião com o empreiteiro que lhe está a executar as obras. Os irmãos Guerra vão investir 5,8 milhões de euros para fazer regressar a fábrica de passamanarias ao mesmo local onde o pai a fundou. Cláudio Guerra não acredita que já estejam instalados antes do Natal do próximo ano.
No total foram apoiados 381 projectos, cuja soma de investimentos elegíveis atinge os 134 milhões de euros. A garantia é que todos estes investimentos permitam segurar 4387 postos de trabalho. Manuel Luís, dono de uma pequena carpintaria (a Alveda Gold) em Castelo de Paiva, manteve também seis trabalhadores, e conseguiu muito recentemente ver aprovado o seu projecto de investimento: vai investir 446 mil euros (e receber 370 mil euros de incentivo) e vai aproveitar para fazer mais do que uma reconstrução industrial, mas um projecto que possa ser “inspirador para toda a comunidade”. Manuel Luís quer pôr toda a gente a pensar no ordenamento do território e criar percursos para funcionários e visitantes que obriguem as pessoas a pensar na floresta.