Ofensiva turca já reanimou o Daesh, dizem os curdos
Quatro dias de ofensiva turca foram suficientes para o Daesh levar a cabo dois atentados contra prisões para libertar jihadistas. Abandonados pelos EUA, curdos dizem que continuam a combater os islamistas.
A invasão turca no Nordeste da Síria contra os curdos reanimou as hostes do Daesh, disseram este sábado as Forças Democráticas da Síria (SDF). Houve dois atentados bombistas dos jihadistas em Qamishli e Hasaka, com cinco jihadistas a conseguirem fugir de uma prisão, e os curdos garantiram que continuam a combater o Daesh.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
A invasão turca no Nordeste da Síria contra os curdos reanimou as hostes do Daesh, disseram este sábado as Forças Democráticas da Síria (SDF). Houve dois atentados bombistas dos jihadistas em Qamishli e Hasaka, com cinco jihadistas a conseguirem fugir de uma prisão, e os curdos garantiram que continuam a combater o Daesh.
“A invasão turca já não ameaça reanimar o Daesh, já o reanimou e às suas células em Qamishli, Hasaka e noutras zonas”, disse Redur Xelil, comandante das SDF num comunicado transmitido pela televisão. E, garantiu, o esforço de guerra curdo contra o Daesh mantém-se, apesar de terem sido abandonados pelos Estados Unidos: “Ainda estamos a cooperar com a coligação internacional contra o Daesh. Estamos agora a combater em duas frentes: uma contra a invasão turca e outra contra o Daesh”.
Não foram poucas as vozes a avisarem que uma eventual ofensiva turca iria criar a oportunidade para o Daesh renascer no Nordeste da Síria. O Presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, ignorou-as ao dizer que a organização não teria uma presença na região depois das operações militares. Mas quatro dias de ofensiva bastaram para dar margem de manobra à organização.
O Daesh fez na noite de sexta-feira para sábado dois atentados contra prisões em Qamishli e Hasaka. Cinco jihadistas conseguiram fugir desta última, diz a Reuters. Ao mesmo tempo, os motins em campos de refugiados e de detenção, onde estão 12 mil jihadistas, têm-se sucedido e ganho intensidade, com os guardas curdos a verem-se em dificuldades para os controlar, à medida que as tropas turcas conquistam terreno.
Os jihadistas detidos e suas famílias comunicam com os militantes do Daesh pelas aplicações de mensagens WhatsApp e Telegram e, diz o Business Insider, coordenam ao pormenor as suas acções para eventuais fugas em massa. “O Daesh estará organizado dentro das prisões e pronto a atacar os guardas para escapar”, disse Abu Ahmed, antigo elemento do Daesh que desertou e hoje combate nas fileiras de uma milícia não-jihadista em Idlib. “De fora das prisões, o Daesh estará a observar os guardas e as suas defesas e a planear um ataque, pois sabem que em qualquer uma destas prisões podem obter um batalhão de combatentes se forem bem-sucedidos”.
“Sabemos que estão a conspirar alguma coisa, mas os recursos para os impedir simplesmente não estão disponíveis”, disse ao Business Insider um elemento das forças especiais de um Estado-membro da NATO que serviu na Síria. Os jihadistas esperam pela melhor oportunidade para pôr os planos em prática - que pode ser a ofensiva turca.
E, enquanto o fazem, reforçam-se. “O Daesh está a ganhar depressa força no Iraque e na Síria, a levar a cabo mortíferos ataques contra civis e alvos militares”, escreveu a jornalista libanesa Baria Alamuddin no Arab News pouco antes de a ofensiva ter começado. No início de Outubro, o Daesh emboscou uma unidade curda em Raqqa, atacou forças especiais russas, aliadas do regime de Assad, em Palmira, e reconquistou a cidade de Al-Sukhna, a Leste de Homs, acções que estão a ser vistas como sinais de renovada vitalidade.
A ainda maior fragmentação territorial que resultar da invasão, enfraquecendo os curdos, vai beneficiar o Daesh, diz o jornalista Patrick Cockburn no Independent. “Esta fragmentação vai criar um terreno ideal para um renovado Daesh e o ataque em Raqqa é a prova de que já se está a renovar”, escreveu. “Inevitavelmente, partes do velho califado vão cair novamente nas mãos” da organização, acrescentou.
Entretanto, as tropas turcas não param de ganhar terreno e este sábado entraram na cidade curda de Ras al-Ayn, no Nordeste da Síria, um dos principais alvos da ofensiva. Ancara anunciou que a tinha capturado, mas as SDF depressa o contestaram, dizendo que há intensos combates na zona industrial da cidade, sob fortes ataques da artilharia turca. Pelo menos 30 civis e mais de 100 combatentes curdos foram mortos pelos turcos desde o início da ofensiva.
As tropas curdas, sem apoio aéreo, desdobradas por centenas de quilómetros e a combater em duas frentes, não conseguiram impedir que os turcos conquistassem 14 vilas. À frente das colunas turcas estão milícias jihadistas, algumas das quais defendem a criação de um califado islâmico, do Exército Livre da Síria. Treinados e armados pela Turquia, são a testa-de-ferro terrestre da ofensiva.
Foram as mesmas que tomaram há um ano Afrin aos curdos e são acusadas de violarem os direitos humanos. “As forças turcas estão a dar liberdade aos grupos armados sírios para cometerem graves violações de direitos humanos em Afrin”, acusou a Amnistia Internacional no ano passado. “Ouvimos histórias assustadoras de pessoas detidas, torturadas e que desapareceram às mãos dos grupos sírios armados, que continuam a causar danos a civis sem controlo por parte da tutela turca”.
Estas milícias foram ainda acusadas pelas Nações Unidas e pela Amnistia Internacional de cometerem crimes de guerra e contra a Humanidade na guerra civil na Síria, dos quais alguns em Alepo. Temendo-as, mais de 100 mil curdos já abandonaram as suas casas nas cidades fronteiriças com a Turquia em direcção ao interior da Síria. Uma deslocação em massa que favorece os intentos de Erdogan em arabizar o Nordeste da Síria para, assim, dirimir a ameaça que vê numa região curda autónoma e salvar a indústria da construção civil turca, em profunda crise, com a construção de vilas e cidades.