As boleias da Marta fazem-nos ligar o “descomplicómetro”
Marta Durán, 24 anos, está a preparar-se para pegar na bicicleta e arrancar até à Guiné-Bissau, onde já fez voluntariado e voltou para um estágio em comunicação na UNICEF. Há um mês, os planos de viagem apontavam para outros destinos. “Mas andar à boleia também é isso.”
Quando falámos pela primeira vez, Marta Durán andava a pensar no Irão. Um mês depois a mochila já está feita, actualiza-nos numa mensagem de voz pelo WhatsApp. Mas o Irão terá de ficar para o ano, talvez. Vai pegar na bicicleta e voltar à Guiné-Bissau, por terra. “Foi o primeiro país a que fui, assim, a viajar ‘a sério’. Fiquei sempre a querer voltar.” Arranca na segunda-feira, 14 de Outubro, o plano é voltar dias antes do Natal. Algo nos diz que, se a conhecêssemos há mais tempo, não teríamos ficado surpreendidos.
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Quando falámos pela primeira vez, Marta Durán andava a pensar no Irão. Um mês depois a mochila já está feita, actualiza-nos numa mensagem de voz pelo WhatsApp. Mas o Irão terá de ficar para o ano, talvez. Vai pegar na bicicleta e voltar à Guiné-Bissau, por terra. “Foi o primeiro país a que fui, assim, a viajar ‘a sério’. Fiquei sempre a querer voltar.” Arranca na segunda-feira, 14 de Outubro, o plano é voltar dias antes do Natal. Algo nos diz que, se a conhecêssemos há mais tempo, não teríamos ficado surpreendidos.
Em 2018, Marta, 24 anos, passou o Natal em Empada, na Guiné-Bissau, e o Ano Novo na Gâmbia. Tinha juntado alguns dias livres para viajar durante o estágio de seis meses no Gabinete de Comunicação da UNICEF, em Bissau. Antes, já tinha passado dois meses num projecto de voluntariado em Buba, a sul de Bissau, onde dava explicações a crianças. Pelo meio, ganhou “uma grande comunidade de fãs guineenses”. (Às vezes é difícil perceber se está mesmo a falar a sério.) “Houve um vídeo que ficou viral na Guiné-Bissau. Sou eu, em Bafatá, a comer uma panguet [um doce frito] e a falar crioulo com a senhora que o fez. Eu publiquei no Instagram e todas as redes sociais da Guiné, que não são muitas, partilharam isto. O vídeo ficou com 30 mil visualizações. Saí à rua em Bissau e as pessoas chamava-me: ‘menina da panguet’. E aqui, em Portugal, temos muitos imigrantes que me reconhecem.”
“Começou tudo com o voluntariado”, reconhece. Primeiro em Mocumbi, Moçambique, tinha 19 anos, em 2014. Dois anos depois em Cabo Verde. Em Katmandu, no Nepal, deu aulas de português a futuros emigrantes com quem já se voltou a reencontrar por Lisboa, onde vive. Passou o último mês do visto a fazer um trekking nos Himalaias, sozinha, pelo circuito de Annapurna, depois por Langtang e pelos lagos de Gosaikunda, uma das áreas mais afectadas pelo grande terramoto de 2015 e que estava ainda em reconstrução em 2017, quando por lá passou. Dali seguiu para mais três meses de viagem pelo Sri Lanka e pela Índia.“É mais um aonde hei-de voltar”, aponta.
(É aqui que paramos para fazer uma ressalva rápida: os pais de Marta "nunca financiaram viagens”. A licenciada em Ciências da Comunicação conduz tuk tuks no Verão e guia turistas com estilos de viagem que ela não almeja ter com os orçamentos com que parte. Ainda vive em casa dos pais — “um privilégio e uma escolha” — e liga à mãe todos os dias, só para lhe garantir que está viva. Ainda não a conseguiu convencer a juntar-se a ela numa viagem. Mas já levou o recado: “Marta, se eu vou viajar contigo tem de ser com o mínimo das condições!”, imita.)
Parte quase sempre sozinha, normalmente à boleia. Foi assim que ligou 11 países da Europa, no Inverno de 2016, com um orçamento de três euros por dia. E foi assim que percorreu a A1 até chegar ao Porto, onde a ouvimos falar no Festival de Cinema e Viagens de Aventura, organizado pela Nomad e pela Câmara Municipal de Matosinhos. O tema era “mulheres em viagem”. “Eu não gosto de dizer isto, mas a verdade é que é diferente. A abordagem das pessoas é diferente. É raro ouvir perguntar a um homem se está ali sozinho. A uma mulher perguntam”, dizia-nos, depois.
Lembra-se das boleias que negou por não se sentir confortável com quem parou o carro e das que saiu a meio do caminho. Recusa-se a deixar que sejam (mais) uma razão para não ir. “Viajar sozinha não me assusta, tenho é medo de viajar com outras pessoas”, ri-se. É uma meia verdade, recua: “Partilhar os momentos em viagem é muito agradável. Mas se eu estiver a viajar com alguém tem de ser ponte assente: se não nos estivermos a dar bem, vamo-nos separar.”
Em 2018, viajou numa carrinha para contar estas histórias de viagens e mapear caminhos alternativos para quem está prestes a terminar os exames do secundário. “Estar a falar para uma plateia de 100 miúdos e eles estarem a olhar para mim de olhos a brilhar e de boca aberta... foi incrível. Porque eu sei que eles provavelmente nunca ouviram falar de alguém que viajasse pelo mundo. Estão formatados para os exames e nem pensam em mais nada.” Queria “inspirar outros a viajar”. Depois de uma das palestras em 60 escolas, organizadas por uma associação que encoraja anos sabáticos, teve pais a ligaram para a direcção: “Mas que história é essa?”
Ela tem muitas. “Gostava de ter várias vidas para fazer várias coisas.” Imagina-se a liderar viagens e essa possibilidade não deve estar assim tão longe. Também quer guiar caminhadas por Portugal. Sempre gostou de escrever e viaja com diários que gostaria de transformar num livro. Já desistiu da “luta interior” sobre o que “deveria antes estar a fazer”. “Eu tenho aqui na cabeça um ‘descomplicómetro'”, aponta, com o dedo a pressionar a têmpora (é ali que ela o guarda). “Às vezes ele está esquecido, mas basta ligá-lo e descomplico as coisas”, ri-se. De resto, o que os “adultos mais adultos” lhe dizem é: “Quem me dera ter feito isto com a tua idade.” Às vezes, vem acompanhado de um suspiro.