O Presidente que não mereceu o prémio Nobel por violar os direitos humanos

O chefe de Estado eritreu, Isaias Afwerki, governa o país com punho de ferro desde 1991. As prisões arbitrárias, perseguições a minorias religiosas e a jornalistas, recrutamento militar e trabalhos forçados são o dia-a-dia dos mais de quatro milhões de eritreus.

Foto
O primeiro-ministro etíope com o Presidente eritreu, Isaias Afwerki Reuters/Tiksa Negeri

O acordo de paz de 2018 entre a Etiópia e a Eritreia foi um marco histórico mas, ao contrário do que muitos esperavam, o Presidente eritreu, Isaias Afwerki, não abdicou do punho de ferro com que governa o país desde 1991. Prisões arbitrárias, recrutamento militar e trabalhos forçados, perseguição a minorias religiosas e a jornalistas continuam a fazer parte do dia-a-dia de mais de quatro milhões de eritreus. E a fuga do país é a única alternativa para quem tem a coragem de dar esse salto para o desconhecido.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O acordo de paz de 2018 entre a Etiópia e a Eritreia foi um marco histórico mas, ao contrário do que muitos esperavam, o Presidente eritreu, Isaias Afwerki, não abdicou do punho de ferro com que governa o país desde 1991. Prisões arbitrárias, recrutamento militar e trabalhos forçados, perseguição a minorias religiosas e a jornalistas continuam a fazer parte do dia-a-dia de mais de quatro milhões de eritreus. E a fuga do país é a única alternativa para quem tem a coragem de dar esse salto para o desconhecido.

“Os dividendos da paz não estão a beneficiar os eritreus, nem há sinais de que irão beneficiar”, disse em Julho à Al-Jazira Daniela Kravetz, relatora das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Eritreia. “As autoridades eritreias continuam indisponíveis para tolerar qualquer expressão de dissidência”.

Acreditava-se que a Eritreia podia romper o isolamento de décadas com o acordo de paz, mas assim não foi. O serviço militar indefinido não foi reduzido para os 18 meses de 1994 e a abertura da fronteira permitiu a entrada de novos produtos, principalmente alimentares, mas os eritreus estão proibidos de levantar mais de cinco mil nakfas (272 euros) das suas contas todos os meses. Falta moeda em circulação, as colheitas são insuficientes e os negócios da exportação e importação e de construção civil foram proibidos, para benefício da elite militar.

A melhoria ainda é mais parca quando se tem em conta que partidos e organizações não-governamentais continuam proibidos no país, que não existe um sistema judicial independente e que os grupos religiosos são perseguidos. A liberdade de imprensa é algo que os eritreus não conhecem há décadas e o Comité de Protecção de Jornalistas, sediado nos Estados Unidos, põe o país no topo do pódio da censura à imprensa, seguido da Coreia do Norte e do Turquemenistão. E a Constituição de 1997 nunca entrou em vigor. 

No ranking da Freedom House de 2018, a Eritreia recebe três pontos numa escala de 100 – é considerado um país “não livre” –​ e as denúncias de violações de direitos humanos são uma constante, apesar de ser um dos países com assento no Conselho dos Direitos Humanos das Nações Unidas. 

A guerra com o país vizinho foi a desculpa que Afwerki precisava para impor e manter um Estado cada vez mais autoritário. Quem critica o único residente que a Eritreia conheceu é acusado de enfraquecer a capacidade de defesa do país e detido há acusações de tortura e humilhações nas prisões, diz a Human Rights Watch. 

A fuga é a única escapatória para muitos eritreus, muitos menores de idade, seja para a Etiópia, Sudão, Israel ou para a Europa, via Mediterrâneo – quase 15% da população fugiu da Eritreia desde 1998. Em 2015, no pico da crise migratória na Europa, os eritreus ficaram atrás dos sírios e dos afegãos na lista de quem fugia da guerra e da miséria. E centenas continuam todos os meses a tentar, correndo riscos. 

Para as crianças e adolescentes que não conseguem ou querem fugir, o recrutamento militar obrigatório, que pode durar até 18 anos, é o pior pesadelo, e o que recebem de salário nem chega para se viver – 27 euros no máximo. São chamados a servir nas Forças Armadas mas um quinto deles não realiza qualquer função militar, diz a Human Rights Watch, sendo levados para trabalhos em regime forçado em quintas, na construção civil, na administração pública e em minas detidas por empresas estrangeiras – a principal receita do chamado “Estado quartel”. Quem desobedece pode enfrentar o pelotão de fuzilamento ou uma pena de prisão por tempo indeterminado.

O medo é a principal arma de Afwerki e o serviço militar obrigatório a sua mais preciosa ferramenta: destrói o núcleo familiar ao destacar os jovens para outras zonas do país e elimina o sentido de comunidade. E com ela qualquer hipótese de protesto colectivo. Por tudo isto, e apesar da paz com a Eritreia ter sido fundamento para o Prémio Nobel da Paz deste ano, Afwerki ficou de fora.