Água de Beber, o “novo” boteco de Lisboa tão brasileiro quanto português
Novo, sim, porque depois de seis anos de festa no Cais do Sodré, o pequenino Água de Beber cresceu e mudou-se para a zona de São Bento. Mais calmo, mais restaurante e com muito mais delícias para provar.
Durante os últimos anos, era certo e sabido: para cruzar a noite de Lisboa e desaguar num certo Brasil, nada como encaminhar os passos para o Água de Beber, o mais pequeno grande bar do Cais do Sodré, que se tornava imenso, dentro e fora, muito graças à música, às rodas de samba e a outras maravilhas lusas e brasileiras. Isso, ali, acabou. O desenvolvimento hoteleiro e a revolução turística do Cais faz as suas vítimas e este vizinho da Casa Cid teve o mesmo destino que parece pairar sobre aquela taberna histórica ao Mercado da Ribeira: fechar portas.
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Durante os últimos anos, era certo e sabido: para cruzar a noite de Lisboa e desaguar num certo Brasil, nada como encaminhar os passos para o Água de Beber, o mais pequeno grande bar do Cais do Sodré, que se tornava imenso, dentro e fora, muito graças à música, às rodas de samba e a outras maravilhas lusas e brasileiras. Isso, ali, acabou. O desenvolvimento hoteleiro e a revolução turística do Cais faz as suas vítimas e este vizinho da Casa Cid teve o mesmo destino que parece pairar sobre aquela taberna histórica ao Mercado da Ribeira: fechar portas.
Mas Marco Silva, que veio do Brasil para Portugal há 17 anos, um professor de História que se foi dedicando a bares e restaurantes do Bairro Alto a Alfama, não quis dizer adeus assim à casa que é o seu “reflexo”, “uma coisa com amor e carinho”. Vai daí, pegou na “alma” do seu Água de Beber e mudou-se de armas e bagagens para a zona de São Bento – vizinho de clássicos da rua dos Poiais como a discoteca Incógnito e restaurante Cantinho da Paz – como para o espaço de uma antiga farmácia, totalmente transformado e repartido por três salas para os fregueses. Agora, desde Setembro, numa área mais residencial, o conceito muda um pouco. Continuam os petiscos, aumenta a carta de comidas e bebidas (“finalmente tenho uma cozinha”, diz-nos Marco), acalma-se o ambiente festeiro: “Aqui, pode até haver alguma música ao vivo, mas nada de grande festa pela noite dentro que possa incomodar os vizinhos.”
Ainda assim, Marco garante que no novo Água de Beber vamos ter “o melhor de três mundos: café, bar e restaurante”, tudo sob o espírito de um boteco brasileiro muito português e local. “Não é dirigido especialmente aos brasileiros que vivem aqui, muito menos aos turistas, antes de tudo é para as pessoas do bairro, gosto de receber os vizinhos”, diz Marco. Não quer stresses turísticos, muito menos, garante, preços para turista ou com “sabor gourmet”. “Alguns clientes do bar antigo vêm aqui e gostam, outros sentem falta do ambiente com música ao vivo e mais energia. Já me disseram que o Água de Beber virou ‘gourmet’”, ri-se Marco. “Gourmet? Com cerveja a 1 euro e pouco? Aqui será sempre tudo informal.”
Assim que entramos, ficamos certos de que um espírito Cais do Sodré acompanhou a mudança: a sala de entrada é decorada a elementos náuticos, o balcão de bar corrido a cordas, há mapas e lemes, sinais vários para os marinheiros do dia e da noite. A casa da velha farmácia, “fechada há muitos anos”, foi toda refeita, mas também deixou recordações, entre armários e as gavetas de um velho móvel que servem agora de vasos nas paredes para plantas. À vista, ficaram as paredes descarnadas ou as gaiolas pombalinas, que arejam o espaço. “Foi um designer meu amigo que criou os espaços, Jorge Franco, que já fez trabalhos em vários países. A primeira sala é o porto de chegada, a segunda [mais intimista] é como a sala da casa da avó, a terceira [um corredor arejado com plantas] é o quintal, o jardim”.
Da cozinha, que nos surge como um “laboratório” cercado de decoração florestal, saem as estrelas da casa: pão de queijo e pastéis de vento (ou de bacalhau), espetinhos (espetadas, entre elas, de carne de vaca ou frango com bacon), coxinhas (frango e jaca), ovos de codorniz com tártaro, quibe, caldo de feijão, mandioca ou mocotó, mas também frango à passarinho, torresmos ou moelas. E nas doçuras vai da mousse de frutas ao pudim de leite condensado e ao afamado curau de milho (um creme). Para acompanhar, enquanto não chega uma carta de vinhos mais abastecida e uma selecção de cervejas internacionais, que Marco está preparando, pode escolher à segurança, por exemplo, a caipirinha, o mojito ou variações vodka, da caipirosca à morangosca, tudo feito como manda a tradição, “nada de preparados ou concentrados”.
A banda sonora também é sempre garantida entre “MPB [ Música Popular Brasileira], a bossa nova, o samba de raiz”, resume-nos entre as canções de Gal e Elis que nos acompanham a conversa. Depois virão os concertos intimistas, quase secretos. Já diz a canção que baptiza o bar, escrita por Jobim e Vinicius, “o amor sabe um segredo / o medo pode matar o seu coração”. Neste coração luso-brasileiro, o convite é para entrar sempre sem medos. “Uma pessoa sozinha que entra aqui, já não está sozinha”, diz Marco. Água de beber, camará.