Os interrogatórios, as mensagens e o papagaio-mor: o que revelou (até agora) a acusação de Tancos
A reunião da comissão permanente pedida pelo PSD para debater o caso de Tancos começa às 15h desta quarta-feira. As revelações da acusação marcaram a campanha eleitoral.
Três dias depois das eleições legislativas, o caso Tancos regressa ao Parlamento e será tema de debate na comissão permanente. A acusação do Ministério Público foi conhecida em plena campanha eleitoral e o facto de o ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, surgir como um dos 23 acusados, fez com que o caso voltasse a ganhar força por entre os opositores de António Costa que não largaram o assunto até às eleições de domingo passado.
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Três dias depois das eleições legislativas, o caso Tancos regressa ao Parlamento e será tema de debate na comissão permanente. A acusação do Ministério Público foi conhecida em plena campanha eleitoral e o facto de o ex-ministro da Defesa, Azeredo Lopes, surgir como um dos 23 acusados, fez com que o caso voltasse a ganhar força por entre os opositores de António Costa que não largaram o assunto até às eleições de domingo passado.
Desde esse dia 26 de Setembro, quando se conhece o despacho do Ministério Público e os 23 acusados, muitas outras revelações foram surgindo. Uma das que tiveram mais impacto foi a de que o director do DCIAP não autorizou que o Presidente da República e o primeiro-ministro fossem ouvidos como pretendiam os três procuradores que investigavam o caso Tancos.
Esta notícia surgiu uma semana depois da acusação, quando a conferência de líderes já tinha votado a favor da realização da comissão permanente para uma data posterior às eleições. Ao longo de duas semanas, outras revelações do processo foram sendo desvendadas.
Chefe da Casa Militar de Marcelo “sabia"
Ainda antes de a acusação de 23 arguidos ser deduzida pelo Ministério Público e tornada pública, a revista Sábado revela, a 25 de Setembro, que o ex-chefe da Casa Militar do Presidente da República, tenente-general João Cordeiro, “estava a par de tudo no caso de Tancos – nomeadamente, das negociações entre as chefias da Polícia Judiciária Militar (PJM) e os autores do assalto aos paióis, como também a encenação da recuperação e ‘achamento’ das armas três meses depois, na Chamusca”.
Embora sem acusar o ex-chefe da Casa Militar da Presidência da República, o Ministério Público (MP) coloca o tenente-general João Cordeiro muito próximo do esquema da recuperação do material de guerra: considera que “a prova existente” resultante dos mais de dois anos de investigação permite “suspeitar que João Cordeiro pudesse estar a acompanhar, de alguma forma, as diligências paralelas” da Polícia Judiciária Militar (PJM) “à margem do Ministério Público e da PJ e que tivesse conhecimento do acordo que foi efectuado com o autor da subtracção”.
Os magistrados não acusam o tenente-general João Cordeiro de abuso de poder porque, para tal, alegam, apenas dispõem de escutas telefónicas e estas só servem de prova para crimes com penas máximas acima dos três anos, o que não é o caso. Porém, valorizam os contactos próximos mantidos com o director da PJM Luís Vieira, o teor das intercepções telefónicas, as declarações de Vasco Brazão de que o general estava informado do plano e ainda a “postura processual, ao faltar com a verdade no seu depoimento”.
O MP extraiu certidão para o general ser investigado por entender que existem indícios da prática de um crime de falsidade de testemunho, no depoimento de João Cordeiro, que foi chefe da Casa Militar de Belém até Novembro de 2017.
As mensagens de Azeredo Lopes
Quando, a 18 de Outubro de 2017, a PJM anuncia ter encontrado o material de guerra desaparecido, Azeredo Lopes recebe uma mensagem de parabéns do deputado socialista Tiago Barbosa Ribeiro. A que responde desta forma: “Foi bom. Pela primeira vez se recuperou armamento furtado. Eu sabia, mas tive de aguentar calado a porrada que levei. Mas, como é claro, não sabia que ia ser hoje.”
Quando, segundo a acusação, o mesmo deputado lhe pergunta se vai à Assembleia da República explicar tudo, o ministro responde-lhe que tudo, tudo não pode revelar: “Venho, mas não poderei dizer o que te estou a contar. Ainda assim, foi uma bomba.” Esta é uma das revelações da acusação, no dia 26 de Setembro. Num comunicado enviado às redacções, Azeredo Lopes desmente alguma vez ter sido informado de um “alegado encobrimento” no caso de Tancos e considera a acusação “iminentemente política”, afirmando que ela não tem “provas e factos a sustentá-la”.
Quem é o “papagaio-mor do Reino"?
É numa conversa telefónica interceptada pela investigação que o major Vasco Brazão fala à irmã de uma personagem que designa de “papagaio-mor” e “papagaio-mor do Reino”. Na acusação está expresso que Vasco Brazão “reconheceu que ‘papagaio-mor do Reino” podiam ser “vários” e que não se recordava a qual deles estava a referir-se.
“Mais elucidou que, quando falou em papagaio-mor do Reino e Presidência, estava, de facto, a falar da Presidência da República e dos lobbies que existem na protecção da Presidência da República, quanto ao caso de Tancos. Esclareceu, ainda, que papagaio-mor do Reino não é necessariamente o Presidente da República. Referia-se ao Presidente da República e a quem fala por ele, o [José Miguel] Júdice, Marques Mendes e... a outra também do PSD. Quando a TVI volta a referir esta escuta já antes divulgada em Agosto pela revista Sábado, Marcelo Rebelo de Sousa reage dizendo: “É bom que fique claro que o Presidente não é criminoso.”
A recusa da audição de Costa e Marcelo
Em nome da “dignidade e o prestígio do cargo” de Presidente da República e do primeiro-ministro, e para que o “sr. Presidente da República seja ouvido e perturbado no exercício das suas Altas Funções”, o director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), Albano Morais Pinto proibiu os três procuradores do caso de Tancos de executarem as inquirições às testemunhas Marcelo e Costa, revela a revista Sábado uma semana depois de ser conhecida a acusação.
Marcelo Rebelo de Sousa e António Costa, como titulares de órgãos de soberania, têm a prerrogativa de depor por escrito como testemunhas. E ambos necessitavam da autorização do Conselho de Estado, órgão do qual são membros por inerência de funções, para depor por escrito. A demora em obter a autorização do Conselho de Estado teria sido uma das razões que levaram Albano Morais Pinto a recusar a autorização para a realização de tais diligências, pois receava que as mesmas colocassem em causa a conclusão do inquérito.
Por outro lado, existia ainda a possibilidade de ter de ser convocado o Conselho de Estado de emergência só para dar essa autorização, o que aumentaria o significado político desses testemunhos. O despacho de Albano Morais foi retirado do processo que a partir da data da acusação deixou de estar em segredo de justiça e começou a poder ser consultado.
Albano Pinto terá ainda alterado algumas das perguntas que os procuradores endereçaram por escrito a várias altas patentes militares. Para impedir as inquirições de António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa, o director do DCIAP argumentou que estavam em causa titulares de cargos de “elevada dignidade” e prestígio. Mas também pôs em causa a sua necessidade, tendo ainda acrescentado que, como seria necessário pedir autorização ao Conselho de Estado, se corria o risco de ultrapassar o prazo a partir do qual seria preciso libertar os arguidos detidos.
Defesa não apura responsabilidades
A Inspecção-Geral da Defesa Nacional não conseguiu responsabilizar nenhum militar pelo que se passou no chamado achamento das armas roubadas do quartel de Tancos. O ministro da Defesa, João Gomes Cravinho, deu aos inspectores apenas duas semanas para apurarem a legalidade da actuação da Polícia Judiciária Militar (PJM) neste caso: no despacho em que lhes encomendou o inquérito, a 1 de Abril passado, o governante fixou a data de 15 desse mesmo mês como data de entrega do documento.
Em causa não estavam os aspectos criminais da encenação do reaparecimento do material bélico, furtado na noite de 27 para 28 de Junho de 2017, mas sim a eventual infracção das suas próprias normas de funcionamento por parte daquele corpo policial, que integra militares dos três ramos das Forças Armadas.
“Terão ocorrido desvios ao padrão de actuação e procedimentos da Polícia Judiciária Militar, relacionados com a investigação criminal”, admitem os inspectores no seu relatório, que foi classificado como confidencial. Porém, acrescentam, “não foi possível identificar os responsáveis pelas acções e decisões tomadas naquele contexto”, a 18 de Outubro de 2017, madrugada do achamento, e que são passíveis de sancionamento disciplinar. Perante isto, a Inspecção Geral da Defesa passou a bola ao Exército e à Força Aérea, “para eventual procedimento disciplinar”.
O aviso do coronel no dia do achamento
No próprio dia do reaparecimento do material, um coronel da GNR alertou um responsável da Judiciária, o hoje director nacional desta polícia, Luís Neves, para a falta de credibilidade da versão oficial dos acontecimentos. É o que consta do seu interrogatório e da confirmação de fonte oficial da PJ.
Seja como for, o coronel Amândio Marques – que dirigia a investigação criminal da GNR – é um dos 23 arguidos no processo. A tese de que a investigação do Ministério Público ao achamento do material bélico roubado em Tancos teve origem numa carta anónima enviada à procuradora-geral da República menos de uma semana depois de a Policia Judiciária Militar ter ido buscar o armamento a um terreno na Chamusca fica assim comprometida.