A guerra das drogas à moda do Porto
A Câmara do Porto propõe a criminalização de quem consome droga no espaço público. Rui Moreira responde ao pânico moral do seu eleitorado, empurrando ainda mais para as margens aqueles que exclui.
O que aconteceu a Rui Moreira desde Abril de 2019, quando, na abertura da 26.ª Conferência Internacional de Redução de Riscos, se mostrou favorável à criação de uma sala de consumo assistido no Porto? A intenção da Câmara Municipal do Porto de criminalizar quem consome drogas em público não é uma política de redução de riscos, estigmatiza ainda mais os bairros municipais da cidade e representa um surpreendente retrocesso. A lei que descriminalizou o consumo de droga permitiu passar a questão da Justiça para a Saúde, distinguindo os consumidores dos traficantes, libertou as prisões de reclusos detidos pelo tráfico para consumo, diminuiu as taxas de infecção por VIH ou hepatite e uma alteração legislativa, que era então encarada como uma catástrofe garantida, acabou por dar origem a um “modelo português” elogiado em todo o mundo.
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O que aconteceu a Rui Moreira desde Abril de 2019, quando, na abertura da 26.ª Conferência Internacional de Redução de Riscos, se mostrou favorável à criação de uma sala de consumo assistido no Porto? A intenção da Câmara Municipal do Porto de criminalizar quem consome drogas em público não é uma política de redução de riscos, estigmatiza ainda mais os bairros municipais da cidade e representa um surpreendente retrocesso. A lei que descriminalizou o consumo de droga permitiu passar a questão da Justiça para a Saúde, distinguindo os consumidores dos traficantes, libertou as prisões de reclusos detidos pelo tráfico para consumo, diminuiu as taxas de infecção por VIH ou hepatite e uma alteração legislativa, que era então encarada como uma catástrofe garantida, acabou por dar origem a um “modelo português” elogiado em todo o mundo.
As chamadas “salas de chuto” existem há décadas em toda a Europa, já existem até em Lisboa, e só ainda não existem no Porto por falta de vontade política, pese embora o consenso obtido na assembleia municipal. Há suficiente literatura disponível para que um leigo perceba que equipamentos como estes podem oferecer condições de saúde e higiene a toxicodependentes, sob supervisão qualificada, evitar sobredosagens, melhorar a saúde pública e aproximar esta população de uma resposta bio-psicossocial, do sistema nacional de saúde e de uma eventual reintegração social. Um consumidor não é um criminoso e medidas como estas são humanizantes.
O que parece estar em causa no Porto não é um recrudescimento do consumo e tráfico. Ele manteve-se constante, com um ligeiro aumento do consumo de heroína nos anos da troika, mas invisível, escondido em determinados locais. O desmantelamento ad hoc do Bairro do Aleixo, um dois locais de maior tráfico e de concentração de consumo, sem um plano estruturado de realojamento, desocultou o consumo e pulverizou-o por outros bairros na vizinhança. É nesses bairros que o presidente da Câmara do Porto, na sua versão Rudy Giuliani, quer instalar câmaras de vigilância para que a polícia puna quem consome, abrindo um precedente perigoso em matéria de privacidade. Voltamos ao velho Foucault: vigiar e punir. A descriminalização do consumo de droga é compatível com mais eficácia no combate ao tráfico, com políticas reais de redução de riscos e até com a especulação imobiliária. Rui Moreira quer responder ao pânico moral do seu eleitorado, empurrando ainda mais para as margens aqueles que exclui.