Trump recusa ordens do Congresso e exige fim de “impeachment ridículo”

Casa Branca acusa a maioria do Partido Democrata na Câmara dos Representantes de querer “desfazer os resultados da eleição de 2016”. Líderes democratas ameaçam acusar Trump de obstrução e deixam um aviso: “Sr. Presidente, não está acima da lei.”

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Donald Trump nega troca de favores com o Presidente ucraniano Reuters/LEAH MILLIS

O Presidente dos EUA, Donald Trump, cortou qualquer hipótese de colaboração com as investigações da Câmara dos Representantes sobre as suspeitas de troca de favores com a Ucrânia, um processo que pode levar à sua impugnação. A decisão, anunciada na terça-feira, logo após o cancelamento da audição a uma testemunha importante e próxima de Trump, pode abrir uma crise constitucional com consequências imprevisíveis para o futuro das relações entre a Casa Branca e o Congresso.

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O Presidente dos EUA, Donald Trump, cortou qualquer hipótese de colaboração com as investigações da Câmara dos Representantes sobre as suspeitas de troca de favores com a Ucrânia, um processo que pode levar à sua impugnação. A decisão, anunciada na terça-feira, logo após o cancelamento da audição a uma testemunha importante e próxima de Trump, pode abrir uma crise constitucional com consequências imprevisíveis para o futuro das relações entre a Casa Branca e o Congresso.

Numa carta em que acusa os líderes do Partido Democrata na Câmara dos Representantes de tentarem “desfazer os resultados da eleição de 2016”, o conselheiro da Casa Branca para os assuntos jurídicos, Pat Cipollone, faz saber que o Presidente Trump “não pode participar” na investigação, que descreve como “partidária e inconstitucional”.

Segundo a Casa Branca, o Presidente norte-americano só é obrigado a colaborar com os pedidos e as ordens das comissões da Câmara dos Representantes (convites ou intimações para depoimentos, ou entrega de documentos, por exemplo) se houver uma votação formal em que a maioria dos 435 congressistas aprove a abertura de um processo de impugnação (impeachment). Neste caso, as investigações formais avançaram no dia 24 de Setembro com um anúncio nesse sentido da líder da Câmara dos Representantes, Nancy Pelosi.

Nos casos mais recentes, em 1974 e 1998, quando Richard Nixon e Bill Clinton enfrentaram processos de impugnação, os inquéritos foram previamente aprovados pela maioria dos congressistas. No primeiro caso, a Câmara dos Representantes autorizou as comissões a instaurarem um inquérito seis meses antes de Nixon resignar ao cargo; e no segundo caso, o processo foi autorizado numa votação global dois meses antes de Clinton ter sido acusado. Nem Nixon, nem Clinton foram condenados pelo Senado, um passo essencial para que um Presidente acusado pela Câmara dos Representantes seja afastado do cargo – Nixon resignou antes mesmo de ser formalmente acusado, e Clinton escapou à condenação no Senado, onde são necessários pelo menos 67 votos em 100 para que isso aconteça.

Apesar de a recusa da Casa Branca poder vir a ser considerada ilegal a longo prazo, se o caso chegar aos tribunais, também pode ter um efeito positivo para o Presidente Trump a curto prazo.

Ao travar a entrega de quaisquer documentos, e ao proibir responsáveis do Departamento de Estado, e outros, de testemunharem na Câmara dos Representantes sob juramento, a Casa Branca causa um enorme rombo na capacidade dos congressistas do Partido Democrata para formalizarem uma acusação forte e consistente contra o Presidente Trump.

Em resposta, a líder da Câmara dos Representantes acusou a Casa Branca de “encobrir a traição [do Presidente Trump] à democracia” e de “insistir na ideia de que o Presidente está acima da lei”.

“Avisamos a Casa Branca que os seus esforços continuados para esconder do povo americano a verdade sobre o abuso de poder pelo Presidente serão vistos como provas adicionais de obstrução”, disse Nancy Pelosi, que termina o seu comunicado com um aviso a Trump: “Sr. Presidente, você não está acima da lei. Você será responsabilizado.”

Congresso todo-poderoso

Se é verdade que nos casos de Nixon e Clinton houve votações na Câmara dos Representantes que autorizaram a abertura de inquéritos, também é verdade que a Constituição dos EUA nada diz sobre a forma como o processo deve ser conduzido – diz apenas que só a Câmara dos Representantes tem poder para lançar um processo de impugnação, ficando implícito que cada câmara pode escolher o seu caminho, com ou sem uma votação prévia.

“Na prática, a autoridade do Congresso tem sido limitada pela sua capacidade para convencer o povo americano de que um Presidente deve ser impugnado”, dizem G. Terry Madonna e Michael L. Young, do Centro de Análise Política da Universidade Franklin and Marshall, na sua newsletter Politically Uncorrected.

“A falta de apoio à impugnação de Bill Clinton foi particularmente prejudicial para os republicanos nas eleições de 1998. De igual modo, em 2019, a força do apoio público à impugnação de Trump será determinada pelo curso que o processo tomar. Esta é uma das razões pelas quais as recentes sondagens a indicar um crescente apoio à impugnação de Trump são tão ameaçadoras para os seus apoiantes”, dizem os especialistas.

Recuo de Trump

Na quarta-feira da semana passada, numa conferência de imprensa conjunta com o Presidente finlandês, Sauli Niinistö, Trump disse que iria colaborar com as investigações da Câmara dos Representantes, apesar de repetir a acusação de que se trata de uma “caça às bruxas”.

“Isto é uma fraude contra o povo americano, mas vamos trabalhar em conjunto com o Schiff manhoso e com Pelosi, e com todos eles, e depois vamos ver o que acontece, porque a minha conversa telefónica com o Presidente da Ucrânia foi excelente”, disse Trump há uma semana, referindo-se aos democratas Adam Schiff, líder da Comissão de Serviços Secretos, e Nancy Pelosi, a presidente da Câmara dos Representantes.

Mas no dia seguinte, o antigo representante dos EUA nas negociações com a Ucrânia, Kurt Volker, foi ouvido pelas comissões que lideram as investigações. Numa audição à porta fechada, Volker entregou aos congressistas uma série de mensagens de texto que põem em causa a versão oficial da Casa Branca sobre a polémica conversa telefónica entre Donald Trump e o Presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, no dia 25 de Julho.

E depois disso, na manhã de terça-feira, a Casa Branca cancelou à última hora a audição a outro dos responsáveis envolvidos no caso, o embaixador dos EUA na União Europeia, Gordon Sondland, um magnata da hotelaria e um dos principais doadores financeiros da campanha eleitoral de Trump em 2016.

Sondland e Volker coordenaram, juntamente com o advogado pessoal de Trump, Rudolph Giuliani, e um representante do Presidente ucraniano, a conversa telefónica entre os dois líderes que acabou por levar ao mais recente impulso da Câmara dos Representantes a favor da impugnação.

Numa das mensagens que Kurt Volker entregou aos congressistas, na semana passada, o embaixador norte-americano em Kiev, William Taylor, mostra-se preocupado com o que diz ser uma troca de favores entre os EUA e a Ucrânia: segundo Taylor, para que a Casa Branca libertasse um pacote de quase 400 milhões de dólares de assistência em segurança ao país, o Presidente Zelensky teria de ordenar a abertura de investigações criminais contra Hunter Biden e o pai, Joe Biden, um dos mais fortes candidatos do Partido Democrata a enfrentar Trump nas eleições presidenciais de 2020.

Esta quarta-feira, Joe Biden acusou Trump de “trair a nação” e de se ter acusado a si próprio, ao deixar de colaborar com o Congresso. Pela primeira vez, o candidato do Partido Democrata pediu o impeachment do Presidente norte-americano. Em resposta, Trump disse que o apelo de Biden é “patético” e que só acontece por causa da campanha eleitoral.

Pressão política

As investigações que podem levar à impugnação do Presidente norte-americano estão em andamento desde o início do ano, quando o Partido Democrata regressou à Câmara dos Representantes com a maioria conquistada nas eleições de Novembro de 2018, e passou a liderar as várias comissões. Mas até à última semana de Setembro, Nancy Pelosi recusou sempre a ideia de abrir um processo formal com vista à impugnação de Trump, receando que isso desviasse as atenções dos eleitores à entrada para o ano das eleições presidenciais, e que a provável não-condenação do Presidente pelo Senado se virasse contra o Partido Democrata. Afinal, foi isso que aconteceu ao Partido Republicano nas eleições de 1998, quando os eleitores mostraram nas urnas que não concordavam com o famoso processo de impeachment do Presidente Bill Clinton.

A avaliação política da líder da Câmara dos Representantes mudou radicalmente no dia 24 de Setembro, quando foi noticiada uma conversa telefónica entre Trump e Zelensky, dois meses antes. Depois disso, foi conhecida a denúncia de um agente da CIA, segundo a qual o Presidente norte-americano teria mesmo pressionado o seu homólogo ucraniano a investigar os Biden, sugerindo que só esse compromisso levaria a Casa Branca a desbloquear o pacote de quase 400 milhões de dólares.

E nos dias seguintes a Casa Branca divulgou um texto com a reconstrução da conversa telefónica em causa, em que Trump pede “o favor” a Zelensky de investigar dois casos, entre os quais um que poderia prejudicar Joe Biden. Mas a reconstrução da conversa é visto de forma completamente diferente pelos dois lados – para Trump, é a prova de que não houve troca de favores; para o Partido Democrata, e para um cada vez maior número de norte-americanos, segundo as sondagens, mostra que o Presidente norte-americano deve mesmo ser investigado num processo que pode levar à sua impugnação.