John Goodenough: Para Além do Nobel em Química
Um olhar para o nono andar do departamento de Engenharia Mecânica, da Universidade do Texas em Austin. O investigador Paulo Ferreira foi “vizinho” do cientista que hoje foi premiado com o Nobel da Química, juntamente com outros dois investigadores, e fala do cientista, desde o seu trabalho à sua inconfundível gargalhada
Desde 2001 sempre ocupei um gabinete localizado a uns meros cinco metros do Professor John Goodnenough, no nono andar do departamento de Engenharia Mecânica, da Universidade do Texas em Austin. Diariamente ouvia com agrado a sua gargalhada inconfundível. Esta alegria contagiante é um dos vários atributos que faz do John um modelo para todos sobre como se deve viver a vida. De facto, durante um almoço com ele, perguntei-lhe o que é que gostaria que lhe tivessem dito quando tinha 17 anos. Ele respondeu: “You can change things”. Nunca me esqueci desta frase.
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Desde 2001 sempre ocupei um gabinete localizado a uns meros cinco metros do Professor John Goodnenough, no nono andar do departamento de Engenharia Mecânica, da Universidade do Texas em Austin. Diariamente ouvia com agrado a sua gargalhada inconfundível. Esta alegria contagiante é um dos vários atributos que faz do John um modelo para todos sobre como se deve viver a vida. De facto, durante um almoço com ele, perguntei-lhe o que é que gostaria que lhe tivessem dito quando tinha 17 anos. Ele respondeu: “You can change things”. Nunca me esqueci desta frase.
Passados quase 50 anos após a publicação do seu artigo em 1980 onde reportava pela primeira vez o uso de um óxido à base de lítio e cobalto (LiCoO2) para baterias recarregáveis, e depois de várias nomeações para o prémio Nobel, eis que lhe é finalmente atribuído o prémio Nobel da Química, juntamente com Stanley Whittingham, da State University of New York at Binghamton, e Akira Yoshino, da Meijo University. Quando nessa altura, se falava de baterias recarregáveis, poucas pessoas demonstravam interesse. As baterias da época vendiam-se carregadas e após utilização eram simplesmente descartadas. Parecia não fazer sentido comprar uma bateria descarregada, para depois a carregar. De facto, antes da Sony Corporation comercializar a primeira bateria à base de lítio, várias outras empresas, americanas e europeias, negligenciaram a inovação. Hoje em dia, há outros materiais também descobertos por John Goodenough como por exemplo óxidos à base de Lítio, Manganês e Níquel e óxidos à base de Lítio, Ferro e Fósforo.
Este prémio Nobel em Química é uma grande notícia para a comunidade científica, assim como para a sociedade em geral por três razões.
Em primeiro lugar, devido à importância dada às baterias recarregáveis de Lítio como energia alternativa aos combustíveis fósseis. É uma declaração clara de que é necessária uma especial atenção ao ambiente e ao clima. De facto, se no futuro, utilizarmos energia solar como principal fonte de energia, teremos sempre que a transportar e subsequentemente armazenar essa mesma energia. Para isso são necessárias baterias. Por outro lado, este tipo de baterias vai ser essencial para o desenvolvimento de sensores, os quais estarão em utilização no corpo humano, edifícios, automóveis, e em muitas outras aplicações. Chamamos a isto “A Internet das Coisas”. Adicionalmente, as baterias vão ter um impacto significativo na nanotecnologia, onde nanomáquinas capazes de entrar as centenas nos vasos sanguíneos para exterminar vírus, bactérias ou células cancerígenas vão ser alimentadas por baterias portáteis.
Em segundo lugar, assenta num trabalho de interdisciplinaridade. O John é um físico de formação a trabalhar em Química. Até constava que uma das barreiras para não lhe ser atribuído o prémio Nobel tinha a ver com o facto de não ser um físico a trabalhar em Física ou um químico a trabalhar em Química. Celebra-se portanto neste prémio a interdisciplinaridade. Esta questão, juntamente com a chamada inteligência contextual, falada agora no âmbito da 4ª Revolucão Industrial é muito importante. Isto porque os problemas do futuro vão necessitar de uma abordagem holística, abrangente e sem fronteiras entre as várias áreas do conhecimento. Trabalhar em silos, isolados e fechados, vai tornar-se obsoleto.
Em último lugar, este prémio é a celebração do humanismo. O professor John Goodenough é sem dúvida um cientista brilhante. As reuniões que tive com ele quando co-orientamos um aluno de doutoramento, ou ainda quando discutimos um projecto, revelam sempre uma intuição fascinante, uma curiosidade e uma disposição incomum para resolver problemas. Para além desta faceta científica, o John caracteriza-se por uma ética, dedicação, alegria, e filantropia, que é de facto inspiradora.
Neste momento, quando penso no prémio e no John, a imagem que me vem à mente é o seu riso contagiante e a consequente forma de estar na ciência e na vida. Essa postura em qualquer altura do dia sempre me fazia parar e reflectir sobre como é importante ser construtivo e otimista.
(O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico)