A extensão da Plataforma Continental: perspetivas e realidades
O conhecimento será a primeira e talvez a mais importante valia de todo este projeto, pois só ele poderá promover o reconhecimento internacional dos nossos direitos.
Quando, em agosto de 2017, se iniciou a análise do projeto português de extensão da plataforma continental nas Nações Unidas, as notícias referiram, invariavelmente, a possibilidade de o nosso país alargar os direitos de soberania a uma área no Atlântico Norte superior a quatro milhões de km2.
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Quando, em agosto de 2017, se iniciou a análise do projeto português de extensão da plataforma continental nas Nações Unidas, as notícias referiram, invariavelmente, a possibilidade de o nosso país alargar os direitos de soberania a uma área no Atlântico Norte superior a quatro milhões de km2.
A opinião pública considerava como tema determinante o potencial económico das riquezas eventualmente existentes no solo e subsolo marinhos desta área e, no entanto, poucos deram a devida importância ao conhecimento científico gerado desde o início deste projeto e aos primeiros passos percorridos na área da proteção ambiental, com a criação de Áreas Marinhas Protegidas no fundo marinho para além das 200 milhas marítimas, ou seja, já na área da extensão da plataforma continental.
O conhecimento será, de facto, a primeira e talvez a mais importante valia de todo este projeto pois só ele poderá alavancar, como tem acontecido, os interesses de Portugal na interação com a Comissão de Limites da Plataforma Continental (CLPC) das Nações Unidas e promover o reconhecimento internacional dos nossos direitos.
Atualmente, o projeto português de extensão da plataforma continental está em avaliação por uma subcomissão composta por sete peritos internacionais, nomeada no seio da CLPC das Nações Unidas, sendo esta fase apenas mais um passo – um importante passo – numa navegação que começou há mais de dez anos.
Sendo este projeto de inquestionável interesse estratégico, vem merecendo, como não poderia deixar de ser, o mais amplo consenso nacional. De facto, desde essa altura, os órgãos de soberania, os vários Governos, a comunidade científica, as Universidades, a Marinha e o setor privado têm contribuído de forma decisiva, discreta e eficaz para que as nossas posições estejam bem alicerçadas por um vasto conjunto de dados que nos têm vindo a permitir apresentar sólida argumentação técnica amplamente reconhecida.
Embora a avaliação que decorre nas Nações Unidas tenha um carácter reservado, sempre poderemos, sem receio, afirmar que a solidez científica do projeto português vem merecendo acolhimento, sendo importante, no entanto, sublinhar que muito ainda há a fazer num processo que se antevê longo quer pela sua complexidade, quer pelo que tem sido a regra em anteriores casos.
Trata-se, portanto, de um trabalho a longo prazo que requer foco estratégico, conhecimento, capacidade técnica, persistência e um investimento significativo, nomeadamente ao nível da recolha de dados em mar profundo (sendo aqui decisiva a equipa técnica altamente qualificada de operação e de manutenção do ROV [1]) e que, como já afirmámos, tem beneficiado, como é exigível, do mais amplo consenso nacional e do apoio de todos os governos que tutelaram este projeto.
Neste contexto, e para além do trabalho científico e técnico que tem vindo a ser desenvolvido pela Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC), a quem compete interagir com a subcomissão da CLPC, é importante referir, também, o apoio do Grupo de Acompanhamento do Projeto de Extensão, criado por iniciativa da ministra do Mar. A sua composição interdisciplinar e interinstitucional garante uma vasta área de conhecimento científico e técnico apoiando e aconselhando, de forma eficaz e constante, a equipa do projeto de extensão. Por outro lado, assegura que a informação atualizada sobre o processo é transmitida periodicamente às instituições aí representadas e que têm particular interesse no seu resultado final.
Em todo este processo, como aliás acontece em toda a relação internacional, será fundamental sublinhar que é necessária muita prudência e que qualquer dissonância, ou passo mal medido, poderá prejudicar seriamente as pretensões nacionais. Quando as primeiras recomendações da CLPC forem emitidas, caberá exclusivamente a Portugal definir a sua estratégia, que poderá passar pela decisão de as aceitar ou, como já sucedeu com outros Estados, de apresentar uma proposta revista, com novos dados científicos, continuando-se assim com o procedimento de avaliação.
O processo técnico-científico, legal e político apenas estará terminado quando Portugal, enquanto Estado soberano, delimitar a sua plataforma continental; nessa altura teremos o reconhecimento internacional de “fronteiras” finais e definitivas e de direitos de soberania sobre o solo e subsolo de uma vasta área no Atlântico Norte para além das 200 milhas marítimas.
Este desígnio nacional tem sido, por diversas vezes, associado a “novos descobrimentos”. Embora essa seja uma ideia romântica que associa a ideia de grandeza à dimensão territorial, preferimos apostar num novo paradigma onde a ideia de “descobrimento” é sinónimo de conhecimento e investigação científica, cooperação institucional, desenvolvimento sustentável e responsabilidade ambiental. Será este paradigma, mais do que a dimensão territorial, o verdadeiro legado do projeto português de extensão da plataforma continental.
[1] Sigla Inglesa para Remotely Operated Vehicle
Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico