Nobel da Química para a promessa de “um mundo recarregável” com lítio

Anúncio foi feito esta quarta-feira de manhã na Real Academia Sueca das Ciências, em Estocolmo. John Goodenough foi informado do prémio pela investigadora portuguesa Helena Braga.

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O Prémio Nobel da Química de 2019 foi atribuído a John B. Goodenough, M. Stanley Whittingham e Akira Yoshino “pelo desenvolvimento de baterias de lítio”, anunciou esta quarta-feira o Comité do Nobel na Real Academia Sueca das Ciências, em Estocolmo. O prémio tem um valor de nove milhões de coroas suecas (cerca de 871 mil euros). Os laureados deste ano contribuíram para a possibilidade de “um mundo recarregável”. 

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O Prémio Nobel da Química de 2019 foi atribuído a John B. Goodenough, M. Stanley Whittingham e Akira Yoshino “pelo desenvolvimento de baterias de lítio”, anunciou esta quarta-feira o Comité do Nobel na Real Academia Sueca das Ciências, em Estocolmo. O prémio tem um valor de nove milhões de coroas suecas (cerca de 871 mil euros). Os laureados deste ano contribuíram para a possibilidade de “um mundo recarregável”. 

John B. Goodenough, com 96 anos, é o cientista mais velho a receber o Nobel até agora e recebeu a notícia do prémio através de Helena Braga, investigadora da Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, que o acompanha numa viagem a Londres. “Quem o avisou fui eu. Eu é que lhe disse que ele tinha recebido o prémio Nobel. Ele estava a descansar e eu vim ao quarto dele avisar”.  “Estou muito feliz. E estou muito feliz por ter a Helena Braga aqui ao meu lado para me ajudar a celebrar a maravilhosa notícia que recebi hoje”, disse John B. Goodenough ao PÚBLICO, com um tom de voz bastante animado. Os festejos em volta não deram espaço para mais perguntas ou comentários. 

O PÚBLICO teve mais tempo para conversar com John Bannister Goodenough em Abril de 2018. No currículo, sobretudo, é um gigante, repetidas vezes considerado pela academia sueca quando chega a época do Nobel para a área da Química. É considerado o pai das baterias de iões de lítio, a invenção do início dos anos 90 que revolucionou o mundo da tecnologia, e o dia-a-dia de hoje, com gadgets e equipamentos electrónicos a funcionar sem fios, em todo o lado, através de baterias recarregáveis. E, por isso, já recebeu vários prémios e comendas internacionais. 

O Prémio Nobel de Química 2019 recompensa o desenvolvimento da bateria de iões de lítio. Esta bateria leve, recarregável e potente é altamente eficiente e actualmente usada em quase tudo, desde telemóveis, a computadores e veículos eléctricos. Estas baterias têm também a capacidade de armazenar quantidades de energia da energia solar e eólica, tornando possível uma sociedade livre de combustíveis fósseis. As baterias de iões de lítio são hoje usadas globalmente para alimentar aparelhos electrónicos portáteis que usamos no dia-a-dia, desde o trabalho ao lazer quando ouvimos música.

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John B. Goodenough esta manhã, em Londres REUTERS/Peter Nicholls

Quanto ao trabalho de cada um dos laureados no desenvolvimento de baterias de iões de lítio, Akira Yoshino – da Universidade Meijo (Japão) – conseguiu eliminar o lítio puro de baterias, baseando-as totalmente em iões de lítio, o que é mais seguro do que o lítio puro. “Isto tornou as baterias viáveis na prática”, refere-se na conta de Twitter do Prémio Nobel. Já John Goodenough ​– da Universidade do Texas em Austin (Estados Unidos) – conseguiu duplicar o potencial das baterias de lítio, criando as condições certas para baterias muito mais duradouras e potentes. Por sua vez, no início dos anos 70, Stanley Whittingham  – da Universidade de Binghamton (Estados Unidos) – ​começou por investigar supercondutores e descobriu um material extremamente rico em energia, que usou para criar um novo cátodo (o lado positivo da bateria) numa bateria de lítio, descreve-se num comunicado sobre o Prémio Nobel da Química. 

Na conferência de imprensa que se seguiu ao anúncio dos laureados, Akira Yoshino expressou a sua gratidão pela distinção e afirmou: “A curiosidade foi a minha principal força impulsionadora.”

Pelas 10h da manhã, surgiu na conta oficial do Twitter do Prémio Nobel a fotografia habitual do secretário-geral do Comité a fazer o tradicional telefonema, desta vez com a legenda: “O secretário-geral, Göran K. Hansson, no telefone do escritório está a fazer história novamente. Para quem está a ligar?” Havia três telefonemas a fazer. Na conferência de imprensa, Göran K. Hansson admitiu que ainda não tinham conseguido entrar em contacto com John B. Goodenough. 

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Akira Yoshino esta quarta-feira, em Tóquio EPA/KIMIMASA MAYAMA

As baterias de iões de lítio que ainda hoje são usadas, e que John Goodenough ajudou a inventar já nos anos 80 do século passado, usam electrólitos líquidos para transportar os iões de lítio entre o ânodo (o lado negativo da bateria) e o cátodo (o lado positivo da bateria). Este prémio valoriza um avanço que só foi possível com uma ligação da química, à física e engenharia, entre outras áreas. “É um bom exemplo do resultado que podemos ter quando várias disciplinas se encontram”, sublinhou o comité. Sara Snogerup Linse, cientista que também integrou o comité do Nobel da Química, acrescentou: “Muitas das descobertas que aí vêm serão feitas assim, com muitas disciplinas a trabalhar juntas.”

“As baterias de lítio também permitiram o desenvolvimento de carros eléctricos de longo alcance e o armazenamento de energia de fontes renováveis, como energia solar e eólica”, refere o comunicado de imprensa sobre o prémio, acrescentando que “a base da bateria de iões de lítio foi lançada durante a crise do petróleo na década de 1970”.

Vamos recuar no tempo. Stanley Whittingham queria trabalhar no desenvolvimento de soluções que nos pudessem levar a tecnologias que não dependessem de combustíveis fósseis. Começou a pesquisar supercondutores e descobriu um material extremamente rico em energia, que ele usou para criar um cátodo inovador numa bateria de lítio. Isso foi feito a partir de dissulfeto de titânio que, a um nível molecular, possui espaços que podem abrigar -intercalar - iões de lítio.

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Adriano Miranda

O ânodo da bateria era parcialmente feito de lítio metálico, que tem bastante força para libertar electrões. Este projecto resultou numa “bateria que literalmente tinha um grande potencial, pouco mais de dois volts”, lê-se ainda no comunicado. No entanto, o lítio usado é reactivo e a bateria era demasiado explosiva para ser viável.

Eis que num outro laboratório encontramos John Goodenough. O cientista acreditava que o cátodo teria um potencial ainda maior se fosse fabricado com óxido de metal em vez de um sulfureto de metal. Assim, depois de um trabalho de investigação intenso, em 1980, ele conseguiu demonstrar que o óxido de cobalto com iões de lítio podem produzir até quatro volts. “Isso foi um avanço importante e levaria a baterias muito mais potentes.”

Com o cátodo de Goodenough como base, Akira Yoshino criou a primeira bateria de iões de lítio comercialmente viável em 1985. Em vez de usar lítio reactivo no ânodo, usou um outro material de carbono que também permitia que pudesse intercalar com os iões de lítio. “O resultado foi uma bateria leve e resistente que pode ser (re)carregada centenas de vezes antes que o seu desempenho se deteriore”.

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EPA/KIMIMASA MAYAMA

 A vantagem destas baterias de iões de lítio, resume o comité do Nobel, é que não são baseadas em reacções químicas que se quebram nos eléctrodos, mas em iões de lítio que andam para trás e para a frente entre o ânodo e o cátodo. “As baterias de iões de lítio revolucionaram as nossas vidas desde que entraram no mercado em 1991. Estabeleceram a fundação de uma sociedade sem fios, livre de combustíveis fósseis, e são um dos maiores benefícios para a humanidade.”

Como se vê pela história, os três premiados não trabalharam juntos no mesmo sítio, no mesmo projecto. Mas, todos juntos, em diferentes frentes, fizeram importantes descobertas na mesma área e aplicaram-nas em algo com uma incrível utilidade para as nossas vidas. Estas baterias permitiram um “revolução na mobilidade” ou, nas palavras do comité, são a promessa de um “mundo recarregável”.

Prémio Nobel da Química de 2018 foi atribuído à norte-americana Frances H. Arnold e, a outra metade, ao norte-americano George P. Smith e ao britânico Gregory P. Winter.

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Stanley Whittington EPA/BINGHAMPTON UNIVERSITY

Este ano, o comité já atribuiu o prémio Nobel da Medicina ou Fisiologia, na segunda-feira, e o Prémio Nobel da Física, na terça-feira. No total, foram distinguidos seis cientistas, todos homens. 

Quando Marie Curie recebeu o Prémio Nobel de Química, em 1911, já tinha sido reconhecida com o Prémio Nobel da Física pelo seu trabalho em radioactividade e, assim, tornou-se a primeira pessoa a receber dois prémios Nobel. Frederick Sanger recebeu o Prémio de Química duas vezes, em 1958 e em 1980. Até agora, cinco mulheres receberam o Nobel de Química. Entre 1901 e 2018 foram atribuídos 110 prémios Nobel de Química, 63 dos quais apenas a um cientista. 

Os Prémios Nobel são atribuídos anualmente pela Academia Real das Ciências da Suécia, pelo Comité do Nobel e o Instituto Karolinska a pessoas ou organizações que contribuíram de forma excepcional nos campos da Química, Física, Literatura, Paz e Fisiologia ou Medicina. Os prémios foram criados em 1895 por Alfred Nobel e, entre 1901 e 2018, o prémio Nobel foi concedido 540 vezes a mais de 800 laureados. Entre os vencedores nas várias categorias contam-se 52 mulheres. Com Teresa Sofia Serafim