Advogado pagou 10 mil euros a juíza que ofendeu ciganos. Agora o Estado vai devolver-lhe o dinheiro
Interferência da Justiça portuguesa foi “desproporcionada e desnecessária numa sociedade democrática”, considerou o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Os tribunais portugueses deram razão a juíza em acção contra advogado que defendeu arguidos da comunidade cigana.
Portugal foi de novo condenado por violar a liberdade de expressão, depois de uma queixa apresentada no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) em 2015. O caso diz respeito a um advogado português condenado nesse ano por difamação a pagar dez mil euros a uma juíza do Tribunal de Felgueiras. Agora, o TEDH condenou o Estado a pagar 10.793 euros de indemnização ao jurista, e ainda 9.100 pelas custas do processo.
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Portugal foi de novo condenado por violar a liberdade de expressão, depois de uma queixa apresentada no Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) em 2015. O caso diz respeito a um advogado português condenado nesse ano por difamação a pagar dez mil euros a uma juíza do Tribunal de Felgueiras. Agora, o TEDH condenou o Estado a pagar 10.793 euros de indemnização ao jurista, e ainda 9.100 pelas custas do processo.
“Vou ser reembolsado da indemnização que paguei à juíza”, diz o próprio, Pedro Miguel Carvalho. “E será o Estado a pagar isso, mais as custas judiciais e ainda os honorários do advogado que levou o meu caso ao tribunal europeu.”
Na decisão, publicada esta terça-feira, o tribunal de Estrasburgo considerou que a Justiça “interferiu” de forma “desproporcionada e desnecessária numa sociedade democrática” ao condenar Pedro Miguel Carvalho por exceder os seus deveres quando este apenas continuou “a defender os interesses dos seus clientes”.
A queixa que resultou na condenação do advogado tinha sido interposta pela própria magistrada Ana Gabriela Fonseca Freitas que pedia 500 mil euros a título de indemnização.
Tudo começou com um episódio na noite de 7 de Janeiro de 2006, quando a GNR foi chamada a um bairro social, que a juíza disse ser como uma “Cova da Moura cigana”, para justificar a necessidade da presença da polícia. Os moradores e os agentes da autoridade ter-se-ão envolvido em agressões físicas e verbais quando a GNR quis pôr fim a uma festa que juntava cerca de 40 pessoas.
A sentença, de 29 de Julho de 2008, condenou cinco arguidos, quatro dos quais da comunidade cigana, por resistência e coacção a funcionário e detenção ilegal de arma. Mas foram os termos usados na decisão judicial que tiveram eco na imprensa. A juíza falou em “pessoas mal vistas socialmente, marginais, traiçoeiras, integralmente subsídio-dependentes” referindo-se a quatro dos cinco arguidos, como se lê na sentença.
Nessa altura, em declarações públicas, Pedro Miguel Carvalho, advogado de defesa dos arguidos condenados, reagiu lamentando as “expressões desajustadas, que se referiam não só aos arguidos, que eram maioritariamente ciganos, mas também à própria etnia”. Considerou ainda que tinham sido tecidos comentários a merecer “o repúdio" por serem “desadequados e desnecessários”.
Contactado esta terça-feira, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP), Manuel Ramos Soares, reitera a posição manifestada pela ASJP na altura em como as expressões na apreciação da juíza “não são sobre a comunidade cigana em geral mas sobre as pessoas que estava a julgar e cujo comportamento, gravíssimo, como resulta da sentença, tinha de qualificar”.
Direito ao “bom nome”
Os arguidos sentiram-se discriminados e visados no “seu bom nome e honra” e apresentaram uma queixa-crime contra a magistrada por difamação e eventual discriminação racial. Como o Ministério Público não acusou, os próprios visados deduziram uma acusação particular, assinada (como exige a lei) pelo advogado.
O que o tribunal europeu vem dizer agora é que a acusação particular subscrita pelo advogado, em defesa do interesse dos seus clientes, “não estava desprovida de base factual” tendo em conta a própria interpretação dos tribunais de segunda instância que consideraram algumas expressões da juíza “excessivas” e “desnecessárias”, apesar de terem concluído que estas “não tinham qualquer intenção de ofender a honra” dos queixosos.
Pedro Miguel Carvalho mantém a sua posição de que “as considerações da juíza eram absolutamente desnecessárias para qualificar os factos e as condutas em apreciação naquele julgamento e para a decisão da causa, promovendo assim gratuitamente o preconceito contra aqueles cidadãos de etnia cigana”.
Por outro lado, diz lamentar que "o Estado português, e os portugueses em geral enquanto contribuintes, tenham de suportar o reembolso de uma indemnização, custas processuais e ainda os honorários do mandatário por uma decisão”. Uma decisão, qualifica, que “envergonha a justiça portuguesa e que, em circunstância alguma, deveria ter sido proferida”. Pedro Carvalho considera ainda que a queixa contra si “ataca a liberdade de expressão e a imunidade que deve ser assegurada aos advogados no exercício da profissão”.