Juíza chamou “marginais” a ciganos, mas quem a processou acabou condenado. Tribunal Europeu chamado a decidir

O advogado Pedro Miguel Carvalho defendeu em 2008 cinco arguidos que processaram a juíza por esta associar comunidade cigana a pessoas “marginais, traiçoeiras, integralmente subsídio-dependentes”. Ele próprio foi condenado por difamação. Tribunal Europeu dos Direitos Humanos pronuncia-se esta terça-feira sobre o caso.

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REUTERS/VINCENT KESSLER

O caso começou em 2006 e passou por vários tribunais, chegando mesmo ao Constitucional. Só agora, 13 anos mais tarde, o processo deverá conhecer o fim, nesta terça-feira em que se aguarda uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) depois de mais uma queixa contra Portugal por violação da liberdade de expressão ter sido apresentada em Estrasburgo em 2015.

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O caso começou em 2006 e passou por vários tribunais, chegando mesmo ao Constitucional. Só agora, 13 anos mais tarde, o processo deverá conhecer o fim, nesta terça-feira em que se aguarda uma decisão do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) depois de mais uma queixa contra Portugal por violação da liberdade de expressão ter sido apresentada em Estrasburgo em 2015.

Quem apresentou a exposição ao tribunal europeu foi Pedro Miguel Carvalho, advogado dos arguidos que se viu condenado por “difamar” a juíza depois de os seus constituintes terem decidido interpor uma acção contra a magistrada por considerarem a sua postura "difamatória” e atentatória da sua honra na sentença que proferiu em 2008.

Nessa decisão, com data de 29 de Julho de 2008, a juíza Ana Gabriela Fonseca Freitas, do Tribunal Judicial de Felgueiras, condenou os cinco arguidos do caso por crimes de resistência e coacção sobre funcionário e detenção ilegal de arma a penas de prisão efectiva, multa e indemnizações.

Na noite de 7 de Janeiro de 2006, a GNR foi chamada ao bairro, a que a juíza se referiu como “Cova da Moura cigana”, para pedir silêncio durante uma festa com música alta e disparo de tiros para o ar. Os moradores e os agentes da autoridade ter-se-ão envolvido em agressões físicas e verbais.

Os termos em que a sentença foi proferida tiveram eco na comunicação social. Alguns jornais referiram “as considerações polémicas” da juíza relativamente à comunidade cigana, por esta se referir a “pessoas mal-vistas socialmente, marginais, traiçoeiras, integralmente subsídio-dependentes”.

Em declarações públicas, Pedro Miguel Carvalho considerou que tinham sido “tecidas considerações e comentários” a merecer “o repúdio" por serem “desadequadas e desnecessárias”. O advogado disse ainda ter havido “claramente expressões desajustadas, que se referiam não só aos arguidos, que eram maioritariamente ciganos, mas também à própria etnia.”

Os arguidos processaram a juíza por se sentirem discriminados e visados no “seu bom nome e honra”: apresentaram uma queixa-crime contra a magistrada por difamação e por esta ter eventualmente praticado um crime de discriminação racial. O Ministério Público não acusou mas os arguidos deduziram uma acusação particular, assinada (como exige a lei) pelo advogado. De acordo com o Código Penal, uma acusação particular pode ser deduzida, constituindo-se os queixosos como assistentes.

O Tribunal da Relação de Guimarães rejeitou essa acusação particular por considerar que as declarações da juíza “não tinham qualquer intenção de ofender a honra” dos queixosos, embora tenha admitido que algumas expressões poderiam “ser consideradas excessivas” e “desnecessárias”. O Supremo confirmou mais tarde a decisão.

Ao mesmo tempo, a juíza processou o advogado por este ter assinado a acusação particular (contra ela) por difamação e este foi condenado. A juíza pedia 500 mil euros, mas o advogado foi condenado a pagar 16 mil euros, numa sentença do Tribunal de Felgueiras. O Tribunal da Relação do Porto manteve depois a condenação, embora reduzindo a indemnização para dez mil euros. Foi em Março de 2015. 

Na exposição apresentada ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, e entregue ao tribunal em Estrasburgo dentro do prazo dos seis meses, o advogado invoca o artigo relativo à liberdade de expressão, alegando que as referências da juíza são “extremamente violentas e difamatórias” além de “desnecessárias numa sentença” e que reforçam “os preconceitos contra a comunidade cigana de uma forma absolutamente inaceitável numa sociedade democrática”.

É essa queixa, apresentada em Setembro de 2015, que tem decisão esperada para esta terça-feira. A confirmar-se uma condenação do Estado português, por violar a liberdade de expressão, ela contribuirá para manter a tendência registada nos últimos anos. Em Junho de 2015, de acordo com dados oficiais do TEDH, entre Janeiro de 2005 e Janeiro de 2015 Portugal tinha sido condenado 18 vezes, na sequência de processos em que a Justiça portuguesa condenara por difamação. Este número era na altura o triplo da média entre os 28 Estados-membros.