Júlio Resende: “Quero dizer alguma coisa à Amália como se ela estivesse aqui”

De Júlio Resende para Amália Rodrigues é um concerto-dedicatória nos 20 anos da morte da icónica cantora e fadista. Esta terça-feira, no Teatro da Trindade, às 21h.

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Júlio Resende em palco (aqui nos Bons Sons) MIGUEL MADEIRA/ARQUIVO

Já tinha dedicado um disco inteiro a Amália Rodrigues e desde então não deixou de tocar inspirado nela. Agora, o pianista e compositor Júlio Resende resolveu dedicar-lhe um espectáculo, por ocasião dos 20 anos do desaparecimento de Amália (1920-1999). Chama-se De Júlio Resende para Amália Rodrigues e terá uma apresentação única em Lisboa, em solo absoluto, esta terça-feira, dia 8, no Teatro da Trindade, às 21h.

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Já tinha dedicado um disco inteiro a Amália Rodrigues e desde então não deixou de tocar inspirado nela. Agora, o pianista e compositor Júlio Resende resolveu dedicar-lhe um espectáculo, por ocasião dos 20 anos do desaparecimento de Amália (1920-1999). Chama-se De Júlio Resende para Amália Rodrigues e terá uma apresentação única em Lisboa, em solo absoluto, esta terça-feira, dia 8, no Teatro da Trindade, às 21h.

Com quatros discos gravados, Da Alma (2007), Assim falava Jazzatustra (2009), Amália por Júlio Resende (2013) e Fado & Further (2015), a que se seguiu Fado Ensemble, um projecto criado para o Caixa Alfama de 2017, Júlio Resende – também colaborador habitual de Salvador Sobral –​ pensou neste novo espectáculo de outra forma. “Desta vez não entendo como necessário tocar ou deixar de tocar as coisas da Amália. Eu quero dizer alguma coisa à Amália como se ela estivesse aqui sentada, a ver o concerto. E isso pode passar por muitas coisas, que vão ter uma relação com o fado, com o piano solo e com ela.”

Dos materiais de divulgação do concerto faz parte uma carta que o pianista endereçou a Amália, como se esta pudesse lê-la. Uma carta onde, a data altura, escreve: “Amália, eu não quero ser ‘amaliano’. Perdoa-me!” Mas o que entende ele por ser amaliano? “Acaba por ser uma prisão, quando se tenta estar demasiado próximo. Pode ser inspirador, mas também pode ser limitativo. Nessa medida, prefiro criar algumas rupturas, desafiar, pôr o dedo na ferida, ser perturbador, ser às vezes até indelicado.” Mas não foi isso que fez Amália, criar rupturas? Júlio Resende concorda, e diz que ser amaliano podia ser isso: “Na mais verdadeira acepção da palavra seria romper com os cânones, é verdade.”

Na carta, o músico diz também: “Tenho sido um perturbador da ordem […], muito inspirado por ti [por Amália].” De que ordem? “Não sei porquê, há a ideia de que um músico tem de pertencer a um género musical, o que me incomoda. Porque não me sinto pertencer a nenhum género musical em específico, pertenço à música. Adoro jazz e improvisação, adoro fado e música clássica, rock, electrónica: tenho feito trabalhos nesses âmbitos todos e vou continuar a explorar tudo o que me souber bem.”

Inspirado pelo fado

A forma como Júlio Resende tem encarado o fado e, especificamente, o repertório de Amália, encaixa-se nesse conceito. No disco Amália por Júlio Resende, criou temas seus a partir de fados como Foi Deus, Estranha forma de vida, Barco negro, Gaivota, Ai Mouraria ou Vou dar de beber à dor. No palco, esses temas são reinventados. “Cada concerto é diferente. Eu podia fazer um concerto com os mesmos temas e ser sempre diferente para cada ouvinte.” Por isso, o concerto De Júlio Resende para Amália Rodrigues terá temas inspirados pelo fado. “Ou canções originais minhas que têm que ver com o fado, canções que vieram depois de ter desbravado esse caminho, depois dessa viagem. O meu gesto de composição tem sido contaminado, afectado, inspirado pela construção frásica do fado, pelas harmonias, pela atitude. Também é influenciado por outras músicas, mas há composições que têm muito a ver com a aura do fado.”

A prová-lo, estão outros temas que também serão ouvidos no Trindade, como Cyborg wants a friend ou Fado cyborg, do seu disco mais recente, Cinderella Cyborg (2018). “Mas também podem surgir canções que não existiam antes, improvisadas ali.” Mesmo quando toca o clássico Foi Deus, Júlio Resende diz que não se circunscreve à matriz: “Parto de uma casa, que é o Foi Deus, depois vou passear. Mais tarde posso voltar a casa, mas a maior parte do caminho faço-o fora dela. Se eu fizesse um disco disto, que não está previsto, podia chamar a este tema Foi Deus e outras histórias.”

No final da carta, o pianista despede-se com “um beijo deste teu amigo, que nunca conheceste.” E se tivesse conhecido Amália, o que lhe diria? “Olá e obrigado são duas palavras que me aparecem facilmente. Mas depois talvez a convidasse para um café.”