Eleições: Portugal não é excepção
A “geringonça” salvou o PS de um destino como o do PASOK, e sobretudo foi uma tentativa de travar esta crise de representação histórica. Contudo, o seu impacto foi muito menor do que seria esperado.
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A crise de hegemonia política – o abismo entre representantes e representados – nas democracias parlamentares tem diferentes expressões no globo. Em Portugal ela expressa-se na abstenção eleitoral recorde; na incapacidade do PS ter maioria absoluta no “melhor dos mundos”; no crescimento do Partido pelos Animais PAN (uma expressão “bizarra” da crise, diria Antonio Gramsci); na entrada da extrema-direita no Parlamento; e na multiplicação de nano-agremiações que nem assumem o nome de partido. Portugal – compreendemos nestas eleições – não é um Estado-oásis, imune ao tsunami pós-2008.
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A crise de hegemonia política – o abismo entre representantes e representados – nas democracias parlamentares tem diferentes expressões no globo. Em Portugal ela expressa-se na abstenção eleitoral recorde; na incapacidade do PS ter maioria absoluta no “melhor dos mundos”; no crescimento do Partido pelos Animais PAN (uma expressão “bizarra” da crise, diria Antonio Gramsci); na entrada da extrema-direita no Parlamento; e na multiplicação de nano-agremiações que nem assumem o nome de partido. Portugal – compreendemos nestas eleições – não é um Estado-oásis, imune ao tsunami pós-2008.
A crise apresenta-se aqui com outras cores, observa-se na paulatina instabilidade política e social, e sobretudo na crise de legitimidade de um sistema eleitoral cuja autoridade repousa precisamente na representação política, baseada no sufrágio universal. Caminhamos para uma situação em que um em cada dois portugueses não vota – pese embora a forte campanha estatal contra a abstenção. Este facto merece uma reflexão, que não pode ser feita comparando conjunturalmente a abstenção de 2015 com a de 2019. A evolução da abstenção entre 1975 e 2019 é avassaladora – isso é estrutural e desestruturante. Não tem como explicação só um “bom domingo de praia” ou a ausência de consciência sobre o valor universal da democracia. Portugal viveu uma ditadura durante 48 anos e mais de 95% dos portugueses mobilizaram-se para votar em 1975. A maciça despolitização da esfera pública, a partir dos anos 80; a profissionalização e a burocratização da política; e o peso das decisões cada vez mais centradas em instituições não-eleitas contribuíram para este hiato entre governantes e governados.
A outra expressão da crise é a vitória do PS sem uma maioria absoluta. O PS beneficiou do trauma do Governo PSD/CDS durante a troika; de ausência de oposição, que nas grandes decisões apoiou o PS ou se absteve; do apoio dos principais partidos à esquerda, com destaque para o apoio do PCP. Pela primeira vez, desde 1975, o PCP deu apoio a um Governo PS. Este é o dado histórico mais interessante, e que merece uma reflexão profunda que está por realizar. Este foi o primeiro governo desde 1976 em que nenhuma força gritava “Governo para a rua”. O PS beneficiou ainda de uma conjuntura internacional económica favorável – embora a médio prazo desastrosa, porque baseada na diminuição do mercado interno, e dependente das exportações, turismo, especulação imobiliária. E, mesmo assim, não teve maioria absoluta.
A “geringonça” salvou o PS de um destino como o do PASOK, e sobretudo foi uma tentativa de travar esta crise de representação histórica. Contudo, o seu impacto foi muito menor do que seria esperado. Tudo indica que a queda real do poder de compra, a divergência salarial crescente com a média europeia, a migração massiva, os baixos salários, a degradação dos serviços públicos e a crise da habitação, junto com a emergência de lutas laborais não enquadradas por sindicatos tradicionais, terão impedido a maioria absoluta do PS.
Portugal, em matéria de crise, não é excepção.