Em defesa do período de reflexão
Depois de duas semanas frenéticas, um dia sem picardias, sem promessas e sem barulho e lixo nas ruas sabe muito bem.
Tornou-se um ritual questionar o período de reflexão eleitoral neste tempo em que as redes sociais e a digitalização põem tudo, todos e todos os lugares em contacto numa questão de segundos. O período de reflexão é um anacronismo, dizem alguns – foi pensado num tempo que já não existe. Revela um sentimento paternal do Estado sobre a capacidade de os cidadãos determinarem a sua vontade política, pondo a Comissão Nacional de Eleições a desempenhar o papel de polícia para evitar que os pobres eleitores possam ser fustigados com propaganda até à porta das urnas, acreditam outros. É verdade que todos estes argumentos são válidos. Mas o espírito da lei contempla princípios cuja bondade é indiscutível.
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Tornou-se um ritual questionar o período de reflexão eleitoral neste tempo em que as redes sociais e a digitalização põem tudo, todos e todos os lugares em contacto numa questão de segundos. O período de reflexão é um anacronismo, dizem alguns – foi pensado num tempo que já não existe. Revela um sentimento paternal do Estado sobre a capacidade de os cidadãos determinarem a sua vontade política, pondo a Comissão Nacional de Eleições a desempenhar o papel de polícia para evitar que os pobres eleitores possam ser fustigados com propaganda até à porta das urnas, acreditam outros. É verdade que todos estes argumentos são válidos. Mas o espírito da lei contempla princípios cuja bondade é indiscutível.
Em primeiro lugar, vale a pena avaliar se o esclarecimento dos leitores precisa de mais um dia para ser integralmente cumprido. Pode ser que, para alguns, uma dose extra de propaganda eleitoral horas antes de votar possa ser determinante. Para a maioria dos cidadãos, porém, esse dia é inútil sob esse ponto de vista: a maioria dos cidadãos terá seguramente fixado a sua vontade de votar num partido, em outro ou, simplesmente decidido abster-se ou votar em branco. Quer isto dizer que sob este ponto de vista a utilização do dia anterior às eleições no período normal das campanhas serviria apenas como repetição da aula dada.
Já para a generalidade das pessoas haver um dia sem arruadas, comícios, horas de directos nas televisões ou páginas de papel ou na Internet carregadas de informação ou de propaganda eleitoral só pode ser uma boa notícia. Não que o silêncio sirva para reforçar convicções políticas ou decisões partidárias. Mas serve como momento solene para antecipar o grande dia da democracia. Serve como um momento de transição entre o natural ruído da campanha e o acto eleitoral. E, sim, serve também para que os cidadãos possam reflectir por si ou em conversas com os seus mais próximos o alcance das suas decisões sem terem de ser bombardeados com a tensão, a urgência ou até por vezes o desespero ansioso que assalta as campanhas na sua recta final.
Se por acaso um dia o período de reflexão acabar, as eleições continuarão a fazer-se livres como se fazem hoje. Mas embirrar com a sua existência só faz mesmo sentido por ser ineficaz na era do Facebook – a CNE produziu uma deliberação sobre a reflexão nesta rede social que não passa de um labirinto de boas vontades. Quanto ao resto, depois de duas semanas frenéticas, um dia sem picardias, sem promessas e sem barulho e lixo nas ruas sabe muito bem.