Fleabag: amor, sexo, sarcasmo e a vida tal como ela é

Com o seu humor e sarcasmo, faz-nos soltar gargalhadas e logo a seguir engolir em seco. Incomoda e depois liberta, ao mostrar tudo aquilo que nunca ninguém quis expressar. Fleabag é a vida.

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Se não ouviram falar de Fleabag, vão querer ouvir. Uma série que pode ser definida como uma tragédia imperfeita, mas, bem ao estilo britânico, com um humor negro e irreverente, bem como uma personagem de um descaramento atroz e genial. E é no meio desta tamanha imperfeição e de uns quantos banhos de realidade que Fleabag arrecada uns quantos Emmys.

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Se não ouviram falar de Fleabag, vão querer ouvir. Uma série que pode ser definida como uma tragédia imperfeita, mas, bem ao estilo britânico, com um humor negro e irreverente, bem como uma personagem de um descaramento atroz e genial. E é no meio desta tamanha imperfeição e de uns quantos banhos de realidade que Fleabag arrecada uns quantos Emmys.

A série, criada, escrita e protagonizada por Phoebe Waller-Bridge, chega a dar-nos quase um sentimento de culpa por gostarmos tanto do que estamos a ver. É uma produção original da Amazon Prime Video em parceria com a BBC e chegou mesmo a ser cobiçada pela Netflix. Duas temporadas, 12 episódios, cerca de cinco horas e quatro Emmys. E se vos podia tentar convencer a ver com o argumento de ter sido tão premiada, na realidade há muito mais a descobrir com Fleabag.

Fleabag é, tal como todos nós, cheia de falhas e é por isso que tem tanto de revoltante como divertido. Reconhecemo-nos e ainda nos rimos da própria desgraça. Tudo isto envolvido em escárnio, ironia ou quantos sinónimos queiram usar. E, já diz a ciência, talvez seja precisamente este sarcasmo um dos ingredientes secretos da série.

O sarcasmo, no fundo, é uma constatação de que a vida não corre sempre bem. Através de um comentário, piada ou expressão mostra-se a nossa decepção como uma vitória. Para quem ouve, percepcionar o sarcasmo chega a ser um exercício bem complexo para o cérebro.

Os cientistas até já descreveram como o conseguimos detectar. Imaginem-se: sentados no sofá, Fleabag a decorrer, a personagem principal está num flirt no autocarro com um homem com dentes de castor e confessa o quão feliz está com um comentário sarcástico. Neste momento, o nosso cérebro tem os lobos temporais e o hipocampo a tentarem captar o tom sarcástico na voz, o hemisfério esquerdo a interpretar a literalidade do comentário, ao mesmo tempo que o hemisfério direito e os dois lobos frontais estão envolvidos na descoberta de que essa literalidade é exactamente o oposto... e boom! Desencadeia-se todo o humor associado a essa descoberta.

Mas se acham que é só mais uma série que fala sobre amor, desamor, sexo e a vida banal de uma personagem principal com sarcasmo, desenganem-se. Fleabag é uma história que consegue ser original na maneira como fala de tudo isto e leva a outro nível a franqueza com que fala de sexo, luto ou solidão. Chega a atingir um nível de intimidade com o espectador em que não há assuntos incómodos.

Aqui chegamos a outra característica de Fleabag que, mesmo não sendo nenhuma revolução, ainda assim a consegue diferenciar — o uso da quarta parede. A protagonista olha directamente para nós, até nos momentos mais íntimos, e chegamos a sentir que temos pensamentos telepáticos. Quanto mais uma cena nos faz rir, mais nos deixa vulneráveis. Cada piada que troca connosco, tal como uma confidência logo a seguir, dá-nos um murro no estômago. 

Somos todos imperfeitos, todos temos segredos, pensamentos obscuros que não queremos dividir com ninguém, todos temos familiares que não aguentamos, relações por conveniência. E está tudo bem. Fleabag e a sua sinceridade tornam-se uma performance completa. Com o seu humor e sarcasmo, faz-nos soltar gargalhadas e logo a seguir engolir em seco. Incomoda e depois liberta, ao mostrar tudo aquilo que nunca ninguém quis expressar. Fleabag é a vida.