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História de um homem que salvava livros, mas que não se salvou a si mesmo.

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O absurdo melancólico das vidas humanas num magnífico monólogo: Uma Solidão Demasiado Ruidosa, de Bohumil Hrabal Ulf Andersen/Getty Images

Um homem apresenta o rosto e despede-se. É o fim de uma era. É sempre o fim de uma era para alguém. Durante trinta e cinco anos, este homem prensou papel velho e livros num subterrâneo de Praga. Duas toneladas de livros por mês, em média. Matéria-prima para fábricas de papel. Matéria-prima para livros por vir. Agora, novas tecnologias expulsam-no do seu Paraíso escuro e fundo. Novas tecnologias e uma nova geração de operários que bebem leite e sumos de fruta, “sem complexos”. Haňta, que bebe “jarros de cerveja”, ouve os jovens da “brigada socialista de trabalho” planearem umas férias na Grécia: “eu, que me projectava na Grécia antiga apenas através da leitura de Herder e de Hegel, e me iniciara na visão dionisíaca do mundo em Friedrich Nietzsche, para dizer a verdade, nunca tinha ido de férias” (p. 101). Porém, o que verdadeiramente o abala é isto: os jovens operários “não estavam minimamente perturbados com o facto de irem à Hélade nas férias e nada saberem sobre Aristóteles, Platão e Goethe, essa extensão da Grécia antiga” (pp. 101-102). Porque este Sísifo que todos os dias, ao longo de trinta e cinco anos, escalou uma montanha de papel para reciclar, também resgatou da prensa e da extinção muitos livros, cuja leitura o tornou involuntariamente sábio e culto: “[…] assim como nas águas sujas e turvas de um rio onde descarregue uma fábrica cintila de repente um belo peixinho, também no caudal de papel velho brilha subitamente a lombada de um livro raro. […] abro-o, aspiro-lhe o perfume do texto e leio como uma profecia homérica a primeira frase em que os meus olhos se fixam” (p. 12).

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Um homem apresenta o rosto e despede-se. É o fim de uma era. É sempre o fim de uma era para alguém. Durante trinta e cinco anos, este homem prensou papel velho e livros num subterrâneo de Praga. Duas toneladas de livros por mês, em média. Matéria-prima para fábricas de papel. Matéria-prima para livros por vir. Agora, novas tecnologias expulsam-no do seu Paraíso escuro e fundo. Novas tecnologias e uma nova geração de operários que bebem leite e sumos de fruta, “sem complexos”. Haňta, que bebe “jarros de cerveja”, ouve os jovens da “brigada socialista de trabalho” planearem umas férias na Grécia: “eu, que me projectava na Grécia antiga apenas através da leitura de Herder e de Hegel, e me iniciara na visão dionisíaca do mundo em Friedrich Nietzsche, para dizer a verdade, nunca tinha ido de férias” (p. 101). Porém, o que verdadeiramente o abala é isto: os jovens operários “não estavam minimamente perturbados com o facto de irem à Hélade nas férias e nada saberem sobre Aristóteles, Platão e Goethe, essa extensão da Grécia antiga” (pp. 101-102). Porque este Sísifo que todos os dias, ao longo de trinta e cinco anos, escalou uma montanha de papel para reciclar, também resgatou da prensa e da extinção muitos livros, cuja leitura o tornou involuntariamente sábio e culto: “[…] assim como nas águas sujas e turvas de um rio onde descarregue uma fábrica cintila de repente um belo peixinho, também no caudal de papel velho brilha subitamente a lombada de um livro raro. […] abro-o, aspiro-lhe o perfume do texto e leio como uma profecia homérica a primeira frase em que os meus olhos se fixam” (p. 12).