Iraquianos desafiam recolher obrigatório e mantêm protestos na rua

O Governo iraquiano impôs o recolher obrigatório para impedir que os protestos se espalhassem pelo país, mas sem sucesso. Autoridades continuam a reprimir os manifestantes com balas reais e pelo menos 15 pessoas morreram e outras 856 ficaram feridas, segundo um membro da Alta Comissão para os Direitos Humanos no Iraque.

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Um protesto localizado em Bagdad alargou-se a todo o país Reuters/WISSM AL-OKILI

Os iraquianos não cedem e continuam a sair às ruas pelo terceiro dia consecutivo contra a corrupção, desemprego e falta de serviços públicos. As autoridades têm reprimido as manifestações com balas reais. O primeiro-ministro, Adel Abdul Mahdi, impôs o recolher obrigatório em Bagdad e a Internet está a ser limitada. Pelo menos 15 pessoas já morreram e 856 ficaram feridas. 

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Os iraquianos não cedem e continuam a sair às ruas pelo terceiro dia consecutivo contra a corrupção, desemprego e falta de serviços públicos. As autoridades têm reprimido as manifestações com balas reais. O primeiro-ministro, Adel Abdul Mahdi, impôs o recolher obrigatório em Bagdad e a Internet está a ser limitada. Pelo menos 15 pessoas já morreram e 856 ficaram feridas. 

“Todos os veículos e indivíduos estão proibidos de se movimentar por Bagdad a partir das cinco da manhã de hoje [quinta-feira] até aviso em contrário”, disse Mahdi em comunicado. Porém, a medida não abrange quem se deslocar para ou do aeroporto, ambulâncias, funcionários do Governo e peregrinos religiosos.

Os manifestantes saíram à rua para se oporem ao recolher obrigatório e as forças de segurança usaram mais uma vez balas reais e gás lacrimogéneo. Em Nassíria morreram sete pessoas, incluindo um polícia, e em Amara outras quatro, diz a Reuters. Um total de 18 mortos em três dias de protestos, continua a agência britânica. Também houve confrontos na capital, com barricadas e pneus a arder para travar o avanço da polícia.

Os protestos, que carecem de liderança formal, foram convocados através das redes sociais e começaram na terça-feira na Praça Tahrir, no centro da capital iraquiana. Apanharam de surpresa as forças de segurança, que dispararam gás lacrimogéneo e balas reais quando alguns manifestantes tentaram chegar à Zona Verde, onde se encontram os edifícios governamentais e embaixadas. Uma pessoa morreu e 286 ficaram feridas. 

O resultado foi que um protesto localizado se expandiu ao resto do país. Kut, Hilla, Samawa, Kirkuk, Tikrit, Diyala, Nassíria, Diwaniyah e Basra já tiveram protestos. 

Como em outras vagas de protestos que já assolaram já o país, os iraquianos protestam contra a corrupção, o desemprego (o jovem ronda os 25% e o geral os 85%) e a falta de serviços públicos, como electricidade e água, destruídos por anos de guerra. A demissão do tenente-general Abdulwahab al-Saadi, responsável pela derrota do Estado Islâmico, também terá contribuído para a contestação, uma vez que se ouviu na Praça Tahrir palavras de ordem em sua homenagem e contra o seu afastamento sem justificação pública, diz a Al-Jazira.

Sadr apela à greve geral

Há quem tente explorar os protestos em seu benefício. Há quem tente explorar os protestos em seu benefício. O líder religioso xiita Moqtada al-Sadr pediu uma investigação às mortes e apelou à “greve geral” contra o Governo de Mahdi. Al-Sadr é um velho conhecido das ruas: em 2012/2013, apoiou os primeiros protestos a cruzarem  linhas religiosas e apoiou as manifestações contra o então primeiro-ministro, Nouri al-Maliki, quando iraquianos, na maioria sunitas, gritavam: “O povo quer a queda do regime”. E, em 2016, liderou uma vaga de contestação contra a corrupção que afectou o executivo de Haider al-Abadi.

Al-Sadr ganhou as eleições legislativas de Maio de 2018, aliado aos comunistas, mas o Presidente iraquiano, Barham Salih, nomeou Mahdi primeiro-ministro por ser aceitável para todos os partidos num Parlamento fragmentado. 

A tomada de posição de Al-Sadr suscitou o receio de os protestos se definirem por divisões étnico-religiosas, nomeadamente entre sunitas e xiitas. Por agora, diz a Reuters, a “raiva é dirigida à classe política e não a uma etnia”. 

O Governo dá a entender ter uma estratégia dupla para acalmar os ânimos. Por um lado, aposta na repressão e diz lamentar as mortes e, por outro, promete aos iraquianos tudo querer fazer para satisfazer as suas exigências. E, para mostrar que assim é, Mahdi prometeu trabalho aos licenciados e ordenou ao Ministério do Petróleo e outras agências governamentais que incluíssem uma quota de 50% de trabalhadores locais em futuros contratos com empresas estrangeiras.

No entanto, as promessas não foram suficientes para acalmar os ânimos. No último ano, o executivo prometeu melhorar os serviços públicos e, dizem os manifestantes, pouco ou nada fez nesse sentido. Agora, as suas promessas não são vistas com seriedade.

“Queremos trabalho e melhores serviços públicos. Temos vindo a exigi-lo ao longo dos anos e o Governo nunca nos deu resposta”, disse Abadallah Walid, manifestante de 27 anos, à AFP. “[Os manifestantes] Estão simplesmente frustrados por não terem trabalho”, disse Imran Khan, correspondente da Al-Jazira em Bagdad. 

Os números de vítimas mortais e feridos nos últimos três dias tendem a divergir. A Al-Jazira diz que já morreram 20 pessoas e centenas ficaram feridas, enquanto a CNN avançou, citando um membro da Alta Comissão para os Direitos Humanos no Iraque, que já morreram pelo menos 15 pessoas e outras 856 ficaram feridas.

A missão das Nações Unidas no Iraque pediu constrição às forças de segurança. “Todas as pessoas têm o direito de se expressar livremente, desde que de acordo com a lei”, disse a representante especial da organização no Iraque, Jeanine Hennis-Plasschaert, citada pela Al-Jazira. 

O Irão anunciou o encerramento das passagens fronteiriças com o Iraque em Khosravi e Chazabeh e aconselhou os seus cidadãos a não visitarem o país na peregrinação anual xiita, disse a agência de notícias iraniana Mehr.

O Iraque tem sido palco de sucessivos conflitos armados. Invadidos pelos Estados Unidos em 2003, os iraquianos assistiram ao combate entre insurgentes e tropas norte-americanas e, entre 2005-2007, a uma brutal guerra civil entre xiitas e sunitas que tomou as ruas do país. A frágil estabilidade estava a ganhar raízes quando, em 2014, surgiu o Estado Islâmico e mais três anos de guerras foram necessários até que as forças iraquianas, apoiadas pelos Estados Unidos, o conseguissem derrotar, em 2017, em solo iraquiano.