Onde estão os pés do desporto e quais são as propostas de política pública?
O desenvolvimento desportivo nacional está nas mãos dos partidos que fizeram promessas úteis ao associativismo. Deveriam, agora, trabalhar para que os seus propósitos eleitorais se concretizassem em benefício de todas as gerações.
A análise da realidade do desporto português e a conceptualização de um novo Modelo de Desporto Português deve avançar mais, para além do que os partidos prometem e os governos fogem a fazer, depois. A avaliação do desempenho desportivo necessita de unidades orgânicas de produção de estatísticas e de conceitos instrumentais de produção desportiva de suporte ao associativismo desportivo sob pena de não saber onde os partidos têm os pés quando fazem propostas de política pública.
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A análise da realidade do desporto português e a conceptualização de um novo Modelo de Desporto Português deve avançar mais, para além do que os partidos prometem e os governos fogem a fazer, depois. A avaliação do desempenho desportivo necessita de unidades orgânicas de produção de estatísticas e de conceitos instrumentais de produção desportiva de suporte ao associativismo desportivo sob pena de não saber onde os partidos têm os pés quando fazem propostas de política pública.
Por exemplo, pergunte-se: onde está o desporto nacional no contexto mundial e no europeu? Uma resposta possível está no site Greatest Sporting Nation. O site agrega estatísticas de cerca de 100 disciplinas desportivas, de perto de 180 campeonatos a nível mundial, apurando 105 países nas suas classificações. Na análise deste artigo, os países da Oceânia integram o continente asiático.
A figura 1 mostra que os países que integram o continente europeu têm resultados superiores aos países dos restantes continentes. A Europa conquista metade dos pontos e a sua linha é crescente enquanto as linhas dos restantes continentes são decrescentes no período de 2008 a 2018. Portugal pertence ao continente mais competitivo.
A figura 2 quantifica a performance desportiva das regiões europeias. O norte e centro acumulam metade dos pontos conquistados, o leste alcança os 35% e o sul soma 13%. A análise abrange Israel que as federações mundiais incluem na Europa.
Registe-se que a região sul, a de Portugal, apresenta menores resultados agregados.
Na figura 3 analisa-se a performance dos países com a dimensão aproximada à portuguesa que têm mais de 8 milhões de habitantes e menos de 20 milhões. A medida da performance no período é dada através dos valores médios de 4 anos do princípio e do fim do período de 2008 a 2019. O primeiro subperíodo é de 2008 a 2011, representado pela linha azul, e o segundo subperíodo é de 2016 a 2019, identificado pela linha vermelha.
Os países com performances maiores em 2016-2019 são a Bélgica, Holanda, Suíça, Portugal, Hungria e Israel. Os restantes países pioraram os seus resultados e são a Áustria, Suécia, Grécia, Azerbaijão, Bielorrússia e República Checa.
A figura 4 mostra a evolução da pontuação expressa na linha vermelha e da classificação de Portugal em cada ano com a linha azul. Na pontuação destacam-se 2 picos: o de 2012 e o de 2016, este ligado à vitória no europeu de futebol de França. A classificação de Portugal de 2008 a 2011 tem 3 picos: 2012, 2014 e 2016. As classificações de 2013 e 2015 são abaixo do 60.º lugar no conjunto de cerca de 100 países. A pontuação nacional em 2014 é ligeiramente superior ao 60º lugar, em 2012 chega perto do 40º lugar, em 2016 terá chegado ao 35.º lugar e baixando para o 50.º lugar em 2017 e 2018.
A síntese das estatísticas globais poderá ser: a Europa é o continente que produz o desporto mais competitivo do mundo; o sul da Europa tem os resultados mais baixos; entre os países europeus com 8 a 20 milhões de habitantes, Portugal tem a pontuação mais baixa juntamente com a Grécia; e, Portugal apresenta resultados agregados crescentes a partir de 2012.
Para Portugal alcançar os níveis mais elevados da pontuação dos países europeus necessita de alcançar resultados mais elevados, em mais modalidades ao longo dos ciclos desportivos.
A margem de progressão desportiva do desporto português é muito grande: os clubes precisam de condições para ganharem até 5 a 7 medalhas a cada momento dos Jogos Olímpicos; há a necessidade que os actuais 4 milhões de praticantes sejam mais de 7 milhões de portugueses a usufruírem da prática desportiva regular e de maior intensidade; e, em várias modalidades os campeões portugueses necessitam de condições materiais e de conhecimento para quadruplicarem a qualidade da sua performance europeia, mundial e olímpica.
A proposta da Plataforma do Desporto Federado, concebida a partir de 2016 e apresentada em 2017, tem contributos significativos que terão sido a inspiração dos programas partidários de 2019. Observe-se o que prometem os partidos.
A proposta do BE parece ficar aquém da intensão estruturante dos restantes partidos. O BE passa ao lado das causas da crise desportiva crónica. A sua proposta dá continuidade aos problemas profundos que o associativismo desportivo defronta. Não é que não sejam reptos importantes, porém, sem ir além das dificuldades escolares, da violência no desporto e das bolsas aos atletas paralímpicos, o BE voga pela opinião popular. Falta à sua proposta política pública desportiva. Os outros partidos também foram atrás das notícias mas chegaram a respostas estruturantes aos desafios reais.
O PS promete elevar o desporto português ao nível dos 15 países com maior prática da população da Europa. Inadvertidamente o PS indica que a situação actual é frágil ou insustentável. Indirectamente sugere que as suas políticas públicas tiveram resultados baixos ao quantificar um objectivo que é ambicioso e complexo.
O PCP fala da revogação do regime jurídico das federações e do que chama quadro da administração pública desportiva. O seu programa dá a indicação de insuficiências graves nas organizações públicas que pretende corrigir. Seria importante que o PCP indicasse se se referia ao Instituto Português do Desporto e da Juventude, à Secretaria de Estado da Juventude e do Desporto, ao Ministério da Educação que tutela o sector, à Fundação do Desporto e ao Conselho Nacional do Desporto e, em particular, que esclarecesse as suas intensões revogatórias e as razões da sua proposta.
O PSD aponta a necessidade de usar instrumentos de política pública como o plano estratégico, o programa e o financiamento, que de facto são decisivos. Contudo, o governo PSD privatizou funções públicas do desporto nalguns pontos, aplicando o conceito de “menor Estado, melhor Estado”. Os resultados da privatização das funções públicas no desporto observaram-se no insuficiente desempenho desportivo da sua legislatura, e da que se seguiu. Sem capacidade de crítica efectiva por parte do desporto, as políticas de austeridade prejudicaram 2 legislaturas. Tenham sido boas políticas públicas, ou más, é esse o activo que o PSD pretende modernizar. Seria útil que essa realidade fosse qualificada para melhor se perceber o impacto esperado das novas medidas de política que propõe.
Ao prosseguir o modelo administrativo e de política desportiva herdado do partido à sua direita sem alterações, o PS aponta a meta de atingir a prática desportiva entre os 15 primeiros países europeus. O PS sem tratar das organizações e dos instrumentos da mesma forma crítica que tratam o PCP e o PSD. Tal quererá dizer que, se estes dois últimos partidos têm razão quanto ao mau estado da administração pública do desporto e aos seus instrumentos de política pública, então a proposta do PS tem condições extremamente difíceis em cumprir a meta do desporto português chegar aos 15 primeiros países europeus.
O PCP quando propõe a revogação do regime jurídico das federações desportivas não identifica qual o novo paradigma que adotará na legislatura. Sem essa identificação, desconhece-se que consequências, para melhor, trará ao mercado da produção desportiva. Quanto à revogação da legislação sobre a administração pública desportiva é uma proposta interessante que enferma da mesma limitação de não substantivar o seu conteúdo.
A presente legislatura sugere que o PSD é politicamente coerente por ter, numa legislatura anterior, estruturado a administração pública, segundo o paradigma “menor Estado, melhor Estado”. Actualmente propõe instrumentos de política que se compreende se ajustariam às organizações públicas desportivas que não foram mexidas durante a sua ausência do governo. Haverá no PSD uma robustez conceptual da política pública. Contraditoriamente as estatísticas constatam a fragilidade do desempenho desportivo quando esse seu conceito é aplicado ao associativismo desportivo.
O desenvolvimento desportivo nacional está nas mãos dos partidos que fizeram promessas úteis ao associativismo. Deveriam, agora, trabalhar para que os seus propósitos eleitorais se concretizassem em benefício de todas as gerações.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico