Um encontro para mostrar que a indústria musical também precisa do feminismo

A partir desta quinta-feira, e até domingo, Portimão recebe o MEETSSS, um evento internacional organizado pela comunidade shesaid.so, com conferências, concertos e workshops.

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A plataforma shesaid.so nasceu em 2014 e conta hoje com cerca de dez mil associadas DR

Em 2014, Andreea Magdalina trabalhava na plataforma de streaming Mixcloud, em Londres, onde se foi apercebendo das desigualdades de género nas indústrias da música e da tecnologia. Mas enquanto esta última “estava a reconhecer o problema e a tentar arranjar soluções”, a indústria musical “fingia que ele nem sequer existia”. Andreea decidiu então passar da teoria à prática: criou um grupo online, convidou 20 mulheres que conhecia do trabalho e disse-lhes para passarem a palavra a outras camaradas. Nascia assim a shesaid.so, considerada a primeira rede internacional de mulheres a trabalhar na indústria da música.

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Em 2014, Andreea Magdalina trabalhava na plataforma de streaming Mixcloud, em Londres, onde se foi apercebendo das desigualdades de género nas indústrias da música e da tecnologia. Mas enquanto esta última “estava a reconhecer o problema e a tentar arranjar soluções”, a indústria musical “fingia que ele nem sequer existia”. Andreea decidiu então passar da teoria à prática: criou um grupo online, convidou 20 mulheres que conhecia do trabalho e disse-lhes para passarem a palavra a outras camaradas. Nascia assim a shesaid.so, considerada a primeira rede internacional de mulheres a trabalhar na indústria da música.

Passados cinco anos, e com uma comunidade que já vai nos dez mil membros, a shesaid.so organiza o seu primeiro grande encontro internacional em Portimão, com financiamento do Governo português e em parceria com várias entidades internacionais e nacionais, entre elas a agência Pipol, de Portimão, e o Village Underground Lisboa. A partir desta quinta-feira, e até domingo, o MEETSSS leva a vários locais da cidade algarvia concertos, DJ sets, workshops e, sobretudo, um conjunto de conferências em que se faz a ponte entre o debate sobre questões de género e a indústria da música.

Desigualdade salarial entre homens e mulheres, assédio sexual, as mulheres na produção e na composição musical, saúde mental e a necessidade de uma indústria musical mais ecológica e sustentável serão alguns dos temas em discussão. “Tentei criar um equilíbrio entre tópicos directamente relacionados com a indústria – temos mulheres de empresas de topo como a Google, o Spotify, a Sony/ATV, a Live Nation, a Warner Records – e tópicos que dizem respeito à igualdade de género, à inclusão e à diversidade, temas que também fazem parte desta indústria”, diz ao PÚBLICO Andreea Magdalina.

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Andreea Magdalina foi a primeira instigadora da rede shesaid.so DR

“Desde o início que deixei bem claro que este grupo se baseava na colaboração, na entreajuda e na sororidade, independentemente do sector e do género de música, da etnia e da orientação sexual”, explica a fundadora da shesaid.so. Actualmente com sede em Londres e em Los Angeles, e com 15 grupos associados em países como Espanha, Itália, Índia, África do Sul, Bélgica e Portugal, a shesaid.so reúne mulheres que trabalham em editoras, agências, promotoras e festivais, que são programadoras, directoras criativas, managers de artistas ou artistas. Quem quiser ser membro tem de pagar uma anuidade ou uma mensalidade, que dá acesso a eventos do grupo, oportunidades de emprego, programas de mentoria e, claro, à troca de ideias entre a comunidade.

Apesar de esta rede ser aberta a profissionais de vários géneros musicais, o foco acaba por estar na música electrónica, como se percebe pelo alinhamento do encontro em Portimão. “Há duas razões para isso: era onde eu tinha mais contactos e acho que é o meio que tende a ser mais inclusivo e com mais vontade de mudar”, justifica Andreea. À frente de uma comunidade “que sempre foi corajosa em mostrar as suas imperfeições”, Andreea Magdalina admite que ainda há muito trabalho para fazer no que diz respeito à diversidade e ao feminismo interseccional (um feminismo que tenha simultaneamente em conta a identidade de género, a etnia, a classe social e a orientação sexual).

“Fazemos um inquérito todos os anos para perceber qual é a demografia da nossa comunidade e, olhando para os últimos resultados, há de facto uma predominância de mulheres brancas cisgénero”, nota a ideóloga da shesaid.so. “Contudo, temos vindo a tomar medidas para tentar mudar isso.” A rede está a pôr de pé um comité dedicado à interseccionalidade e tem vindo a estabelecer parcerias com colectivos de mulheres não-brancas, queer e pessoas não-binárias, dois dos quais terão representantes no MEETSSS: Mica Coca, do Resis’Dance, e Chantelle Ayanna, do Lick Events. No encontro de Portimão, as políticas de inclusão passaram também pela oferta de bolsas e descontos para assistir ao evento (os passes gerais não são baratos: começaram nos 125€ e agora estão nos 175€), e pelo programa de mini-mentoria para cinco mulheres, com todas as despesas pagas, estruturado em parceria com a YouTube Music.

Do activismo à advocacia

Num cruzamento entre “networking, workshops educacionais e inspiracionais, debates e lifestyle”, o grande trunfo do MEETSSS é o programa de conferências, que tem lugar na sexta e no sábado no Hotel Algarve Casino. Entre mais de 30 oradoras, destacam-se nomes como a londrina Chidera Eggerue, aka The Slumflower, escritora, blogger de moda e uma estrela do Instagram, Georgia Taglietti, directora de comunicação do Sónar, um dos festivais de música mais importantes da Europa, ou a activista Oronike Odeleye, coordenadora do festival ONE Musicfest, em Atlanta, e co-criadora do movimento #MuteRKelly, que foi uma peça-chave para trazer a público os crimes sexuais do músico americano R. Kelly, entretanto detido.

Atenções redobradas também para Clare Scivier, responsável pelo projecto Your Green Room, dedicado à saúde mental e física dos artistas e outros agentes da indústria musical; para a investigadora portuguesa Cristiana Vale Pires, da plataforma Sexism Free Night e da associação Kosmicare; e para Jennifer Justice, advogada de peso em Nova Iorque que já teve Beyoncé como cliente e que ajudou Jay-Z a construir a empresa Roc Nation – actualmente lidera a firma de advocacia The Justice Dept, orientada para mulheres nas áreas do entretenimento, da tecnologia, dos media e da moda. Fica a saber a pouco a presença portuguesa, tanto no painel de oradoras como no line-up musical: as/os artistas e os colectivos que têm lutado por um circuito nacional de música electrónica mais plural e igualitário mereciam aqui um lugar.

Apesar de as mulheres serem o público-alvo principal deste encontro, Andreea Magdalina faz questão de assinalar que o MEETSSS também é aberto aos homens. A ideia é implicá-los na conversa sobre igualdade de género e “dar o exemplo”. “É assim que gostávamos de trabalhar com vocês, de uma maneira respeitosa, colaborativa e igualitária”, diz Andreea, que em Portimão irá debater estes temas com Ben Turner, CEO da agência de música electrónica Graphite e co-responsável pelo International Music Summit.

Além das conferências, há concertos e DJ sets abertos ao público em geral (bilhetes a 10€), com artistas como Perera Elsewhere, Dope Saint Jude, Deena Abdelwahed e Roundhouse Kick. O primeiro dia do MEETSSS, esta quinta-feira, é curado por Mariana Duarte Silva, responsável pelo Village Underground Lisboa, e conta com actuações dos portugueses Surma, Fábia Maia e Studio Bros.