Empresas portuguesas libertam menos CO2 mas ainda há muita pegada para limpar

No ano passado, algumas das maiores empresas nacionais lançaram menos dióxido de carbono para a atmosfera, alcançando reduções entre os 5 e os 25%. Mas a temperatura média global continua a aumentar, pelo que outras medidas para a descarbonização já estão no horizonte – desde a adopção de veículos eléctricos ao uso de mais tecnologia movida a energia solar ou eólica.

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Paulo Pimenta

Depois de, em 2017, ter registado o quinto maior aumento no dióxido de carbono libertado para a atmosfera entre os países da União Europeia (cerca de 7,3%), Portugal foi o estado-membro que mais baixou as emissões no ano passado, na ordem dos 9%. E algumas das principais empresas portuguesas acompanharam a tendência, com diminuições percentualmente superiores, nalguns casos.

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Depois de, em 2017, ter registado o quinto maior aumento no dióxido de carbono libertado para a atmosfera entre os países da União Europeia (cerca de 7,3%), Portugal foi o estado-membro que mais baixou as emissões no ano passado, na ordem dos 9%. E algumas das principais empresas portuguesas acompanharam a tendência, com diminuições percentualmente superiores, nalguns casos.

A redução do dióxido de carbono, gás presente em 80% das emissões de gases com efeito de estufa na UE, é um processo em curso no conjunto dos estados-membros desde 2003, ano do pico de 5,2 mil milhões de toneladas, e em Portugal desde 2005 (recorde de 85,6 milhões), referem dados na plataforma Pordata, compilados a partir do Eurostat e da Agência Europeia do Ambiente.

O Acordo de Paris, de 2015, já assinado por 195 países, estabelece, porém, a neutralidade carbónica – a emissão não pode superar a absorção de carbono – como uma necessidade até 2050, para se evitar que o aumento da temperatura média global seja superior a 1,5 graus Celsius, ou dois graus na pior das hipóteses, face aos valores médios pré-industriais. Entre as grandes empresas do país, a Autoeuropa deseja ser neutra, mas ainda sem prazo definido, enquanto a EDP quer consegui-lo antes de 2050. O grupo opera precisamente no sector responsável por mais emissões no país, em 2017: a produção de energia gerou 20,8 milhões de toneladas de dióxido de carbono (29,5% do total), referem os mesmos dados do Pordata.

As emissões da EDP, tal como no país, subiram entre 2016 e 2017, dos 8,8 para os 10,7 milhões de toneladas, mas baixaram 15% em 2018, para os 9,1 milhões, referem dados cedidos ao PÚBLICO pelo grupo empresarial. O grupo energético justifica a variação irregular das emissões com o facto de os “anos terem sido mais secos ou mais húmidos” - com menos chuva, mais energia teve de ser gerada a partir de combustíveis fósseis, nas centrais termoeléctricas.

Dos 27,9 terawatts-hora gerados pela empresa no país durante o ano passado, 44% teve origem em combustíveis fósseis, percentagem que o grupo liderado por António Mexia quer fixar nos 10% até 2030. A redução das emissões de dióxido de carbono em 75% face a 2015 e a obtenção da neutralidade carbónica antes de 2050 são outras metas, informou ainda a EDP. Para o conseguir, o grupo quer poupar 5 terawatts-hora até 2022, a partir de serviços com maior eficiência energética. Até 2030, a frota de veículos ligeiros 100% eléctrica e a instalação de mais de quatro milhões de painéis solares, são os objectivos.

Afinar as refinarias e tirar o gasóleo da estrada

Outro gigante empresarial português, a Galp, pretende completar até 2023 um investimento de 89 milhões de euros para garantir maior eficiência energética e assim reduzir as emissões de carbono na refinaria de Sines em 25% e as de Leça da Palmeira (Matosinhos) em 15%, face a 2013. Antes, em 2021, o grupo dos combustíveis deseja consumir electricidade oriunda somente de fontes renováveis, adiantou ao PÚBLICO.

Com uma pegada carbónica que depende em 99% da refinação, a cargo da Petrogal, maior exportadora nacional, a produção de barris cresceu 15% entre 2017 e 2018, para um número diário médio de 94.000, no petróleo, e de 13.000, no gás natural. A Galp libertou, porém, menos 530.000 toneladas de dióxido de carbono face a 2017. O grupo liderado por Carlos Gomes da Silva alega tê-lo conseguido através do uso de biocombustíveis e dos planos de eficiência energética a partir de fontes eólicas e solares.

Um dos sectores que se alimenta de produtos como os que a Galp oferece é o dos transportes, responsável por 24,3% das emissões de carbono no país, em 2017 –  17,1 milhões de toneladas, mais 0,2% face a 2016. Uma das empresas do ramo, a STCP, viu as emissões aumentarem entre 2015 e 2017, até às 38.200 toneladas, antes de caírem 10,7% em 2018, para as 34.100, confirmam dados enviados pela empresa ao PÚBLICO. Presente em seis municípios da Área Metropolitana do Porto – Porto, Vila Nova de Gaia, Matosinhos, Maia, Gondomar e Valongo -, a operadora transportou acima de 73 milhões de passageiros no ano passado, e a maioria do dióxido de carbono emitido teve origem nos transportes a gás natural, 59% da frota de 419 viaturas em 31 de Julho de 2019. Mas essa quantidade, de 22,3 toneladas, diminuiu 8,2% face a 2017. Nos veículos a gasóleo, 37% da frota, a tendência foi a mesma: as emissões caíram 15% entre 2017 e 2018, para as 11,8 toneladas.

A empresa deseja, no entanto, “garantir a crescente descarbonização” da actividade, através da redução das viaturas a gasóleo para 16% da frota até 2021. Para esse ano, está previsto que a frota tenha 274 novas viaturas face a 2018, a gás natural ou eléctricas - são, para já, 4% do total. O combate às emissões de carbono, refere, passa ainda pela adopção de tecnologia que diminua o risco de derrames e de acidentes e que permita um uso mais eficiente de água e de energia.

Emissões baixam na indústria

Outra das fontes de dióxido de carbono é a indústria transformadora; 2017, o sector emitiu 7,6 milhões de toneladas (10,7% do total do país), uma quantidade inferior à norma da primeira década do presente século, que oscilou entre oito e 12 milhões, mas superior à de 2016 em 3,2%.

A maior empresa do ramo em Portugal é a Autoeuropa. Instalada em Palmela há 26 anos, a fábrica do grupo Volkswagen produziu, no ano passado, um número recorde de 223.000 veículos, algo que se traduziu em exportações de cerca de três mil milhões de euros, 5% do total nacional. Mesmo com o aumento produtivo, a empresa afirma ao PÚBLICO ter reduzido as emissões de dióxido de carbono, mas também os consumos de água, de energia e de resíduos numa quantidade 25% acima da que lhe exigida, entre 2010 e 2018.

Sem esclarecer o valor das emissões em toneladas, a Autoeuropa disse ainda que as emissões são reguladas pela directiva para o Comércio Europeu de Licenças de Emissão. Disposta a atingir a neutralidade carbónica, mas sem anunciar prazo, a empresa vai libertar menos 470 toneladas de gases por ano com o uso da linha ferroviária para o Porto de Setúbal, reaberta em Setembro último, e com o semi-reboque Gigaliner, apresentado em Agosto.

Se a Autoeuropa foi a segunda empresa mais exportadora no ano passado, a Navigator foi a terceira, ao arrecadar quase 1,4 mil milhões de euros em vendas ao exterior (2,4% do total nacional), dentro de um volume de negócios de quase 1,7 mil milhões. Líder nacional na produção de papel, a empresa dirigida por João Castello Branco avançou ao PÚBLICO que as emissões de dióxido de carbono baixaram 5% entre 2004 e 2018. A Navigator salientou ainda a retenção de 5,4 milhões de toneladas desse gás em 2017, graças às mais de 12 milhões de árvores, de 135 espécies diferentes, que compõem os seus viveiros.

Além da redução da pegada carbónica entre 2004 e 2018, o grupo afirmou ter reduzido a produção de resíduos em 48%, o consumo de água em 41% e os gastos energéticos em 14% nesse mesmo período. Desses resíduos, 90% são reutilizados, após processos de compostagem.

A produção de têxtil e vestuário é outro sector com impacto no país, quer económico – as exportações de 5,3 mil milhões de euros em 2018 constituem um recorde -, quer ambiental, não só por causa das emissões de carbono decorrente da actividade, mas também dos elevados consumos de água e do uso de produtos químicos perigosos, agravados por tendências que convidam ao consumo permanente de peças novas (fast fashion).

O porta-voz da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), Paulo Vaz, assumiu não ter números agregados das emissões do sector, mas considerou que o impacto ambiental é hoje menor face há 10 anos, com “menor dependência dos combustíveis fósseis” no consumo de energia e de água. Há até casos de empresas que já nem utilizam água nos seus processos, disse. O fast fashion, modelo seguido pela galega Inditex, é “uma contradição quando se procura maior sustentabilidade”, admitiu o responsável, mas empresas como a Valerius, em Barcelos, já se estão a “reinventar” nesse campo, reciclando peças utilizadas pelos clientes, com a substituição de algumas fibras.

Já o sector da agricultura libertou 6,9 milhões de toneladas de dióxido de carbono em 2017, mais 1,7% face ao ano anterior (9,8% do total nacional). O PÚBLICO tentou falar com o presidente da Confederação de Agricultores de Portugal, Eduardo Oliveira e Sousa, sobre as medidas adoptadas pelo sector para reduzir as emissões, mas sem sucesso. Contudo, há no terreno projectos nesse sentido; um dos exemplos é a Terraprima, empresa de serviços ambientais que desenvolveu projectos como as paisagens biodiversas, que retêm mais dióxido de carbono nos solos, e o cálculo da pegada de carbono da produção de leite. A agricultura está, porém, associada ao metano, gás com efeito de estufa ainda mais forte, libertado na irrigação dos campos de arroz ou pela digestão e pelos dejectos dos ruminantes utilizados na pecuária.

Promovido por Fundação Francisco Manuel dos Santos