Propostas dos partidos sobre a reforma da lei eleitoral das legislativas - Análise Comparada dos Programa Eleitorais I
Ao contrário de outras estruturas sociais que, ao longo da evolução cultural, se foram organizando e consolidando a partir de alianças e parcerias entre elementos de grupos diferentes, muito para além dos laços de sangue, a estrutura do sistema parlamentar em Portugal continua a ser essencialmente de natureza tribal.
Em mais de quatro décadas de gestão do Estado português, gastou-se sempre mais do que se produziu. O novo sistema parlamentar instaurado em 1976 foi até hoje incapaz de gerar, num ano apenas que fosse, mais receitas do que despesas. Mais de 40 anos não foram ainda suficientes para o sistema português desenvolver mecanismos internos de ajustamento e sustentabilidade.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Em mais de quatro décadas de gestão do Estado português, gastou-se sempre mais do que se produziu. O novo sistema parlamentar instaurado em 1976 foi até hoje incapaz de gerar, num ano apenas que fosse, mais receitas do que despesas. Mais de 40 anos não foram ainda suficientes para o sistema português desenvolver mecanismos internos de ajustamento e sustentabilidade.
Outros exemplos da disfuncionalidade do sistema parlamentar incluem os níveis intoleráveis de abstenção ou a promiscuidade das relações entre deputados e o sector privado.
A deterioração do sistema parlamentar, e a sua incapacidade de se sustentar e regenerar a si próprio, está associada à incapacidade que têm diferentes grupos políticos de estabelecer entre si diálogos e consensos sustentáveis sobre matérias estratégicas para o país. Tal como na evolução cultural, a evolução institucional exige que os partidos convivam construtivamente com o adversário em dinâmicas de altruísmo recíproco. Ao contrário de outras estruturas sociais que, ao longo da evolução cultural, se foram organizando e consolidando a partir de alianças e parcerias entre elementos de grupos diferentes, muito para além dos laços de sangue, a estrutura do sistema parlamentar em Portugal continua a ser essencialmente de natureza tribal.
O que propõem os partidos políticos em 2019 por forma a regenerar o sistema parlamentar e conseguir desenvolver mecanismos de gestão do Estado que permitam a Portugal renovar as suas instituições políticas? De que forma estas propostas individuais poderão ser utilizadas para o desenvolvimento de dinâmicas colaborativas entre decisores políticos no sentido de uma ética reconciliatória que ajude a desbloquear os principais factores institucionais de atraso do país?
Neste artigo analisamos e comparamos as propostas eleitorais do PS, PSD, BE, CDS-PP, CDU, PAN, Aliança, Livre e Nós Cidadãos para as legislativas 2019 no que diz respeito à Lei Eleitoral da Assembleia da República.
Todos os programas eleitorais analisados, à excepção do CDS-PP, veiculam propostas em torno dos círculos eleitorais, o que indica uma forte preocupação com o princípio democrático fundamental da representação política. Ainda que o interesse genérico dos partidos em matéria de círculos eleitorais seja o de “garantir” uma proporcionalidade da representação podemos classificar os partidos em dois grupos: os reformistas, que manifestam interesse em produzir alterações ao desenho dos círculos eleitorais ou nos modos de interacção com os mesmos (PS, PSD, PAN, Nós, Cidadãos, Aliança e Livre); e os resistentes, que se manifestam “apenas” contra revisões dos círculos eleitorais que “distorça a proporcionalidade e a representatividade do voto” (BE), ou “favoreça artificialmente a bipolarização entre PS e PSD e a diminuição do pluralismo da representação política” (CDU).
O grupo dos partidos a que chamámos reformistas divide-se em três subgrupos:
- os generalistas (PSD e o Nós Cidadãos) que omissos nos detalhes essenciais da proposta, comunicam somente uma intenção genérica de reforma, respectivamente, “alterar a forma de eleição de deputados pela reconfiguração dos círculos eleitorais”, e de redefinir os “círculos eleitorais aproximando mais os eleitos dos eleitores”.
- os, chamemos-lhe assim, uninominalistas que propõem sistemas mistos compostos por círculos uninominais combinados com mecanismos de compensação (PS e o Aliança).
- e os exclusivos (Livre e o PAN), cujas propostas não são partilhadas por mais nenhum reformista. O Livre não aposta na redefinição dos círculos eleitorais, centra-se antes na diáspora, e apresenta-se pró-escolha “entre o círculo de emigração ou o círculo de origem para residentes no estrangeiro”. O PAN, também atento aos movimentos migratórios, convoca os eleitores no estrangeiro e propõe o “alargamento das mesas de voto nos círculos Europa e Fora da Europa”. Propõe ainda, isolado, uma redução significativa do número de círculos eleitorais, dos actuais 22 para 9 e uma alteração do “método matemático usado na distribuição prévia dos mandatos por círculo de modo a favorecer os círculos de menor dimensão”.
Nenhum dos partidos esclarece qual é o problema que considera existir com a actual configuração dos círculos eleitorais. Apresentam soluções para um problema que não descrevem. Por exemplo, ainda que a questão da proporcionalidade da conversão dos votos em mandatos parlamentares pareça ser uma prioridade para todos os partidos, uns parecem querer manter a desproporcionalidade actual outros parecem querer corrigi-la. A tabela que se segue resume o lado prático do problema:
Eleições Legislativas 2015: Desproporcionalidade entre votos úteis obtidos e mandatos parlamentares
% do total de votos | % de deputados (N=230) | |
PPD/PSD/CDS-PP | 38.4 | 46.5% |
PS | 32.3 | 37.4% |
BE | 10.2 | 8.3% |
PCP-PEV | 8.3 | 7.4% |
PAN | 1.4 | 0.4% |
O sistema eleitoral actual não é proporcional - beneficia os maiores partidos e penaliza os menores. A não definição dos problemas é um problema sistemático em todas as propostas partidárias.
As propostas sobre a Lei Eleitoral incluem ainda:
- O Livre pretende “iniciar um debate nacional para uma reforma do sistema eleitoral, de forma a garantir maior diversidade e pluralidade à Assembleia da República, através um de sistema eleitoral mais justo e representativo, em que todos os votos contem”.
- PSD e Aliança propõem redução do número de deputados na Assembleia da República.
- PS e Livre querem agir sobre os cadernos eleitorais: o primeiro para os desmaterializar e, “com recurso alargado às tecnologias de informação, (...) simplificar os procedimentos eleitorais”; o segundo quer actualizá-los “para que as eleições melhor reflictam a realidade democrática do país e das regiões”.
- Quanto ao voto, BE, PAN e Livre querem permitir o direito de voto a partir dos 16 anos.
- PS, PAN e Livre querem reforçar a possibilidade do voto antecipado e em mobilidade, sendo que o Livre, fixado na diáspora e nos movimentos migratórios, propõe ainda “o voto em referendo de pessoas emigradas fora de Portugal (incluindo as com dupla nacionalidade)”; “(...) a participação política e o voto dos imigrantes em Portugal”; a “participação política plena e o voto dos migrantes e refugiados a viver em Portugal”.
- O voto electrónico encontra no PS e no Livre dois partidos preparados para o desenvolver e incrementar.
- O PSD quer reforçar a participação do cidadão e combater a abstenção, considerando a “possibilidade de valorização dos votos brancos”. No mesmo combate à abstenção, o Aliança propõe a realização de eleições a um dia de semana.
Pelo menos três questões absolutamente cruciais ficam por esclarecer nestas propostas:
- Porque não querem PCP-PEV e BE alterar uma lei que os penaliza?
- Qual é, na perspectiva de cada um dos partidos que propõe alterar os círculos eleitorais, o problema com a sua actual configuração?
- Qual o número, tipo e dimensão dos novos círculos eleitorais para os partidos que propõem a sua revisão?