Vou ter alguma coisa para contar aos meus netos

Os herdeiros dos meus filhos não vão querer saber com que média acabei o curso, quantas apresentações em PowerPoint fiz ou a que horas me levantava para fugir ao trânsito. Isto é aborrecido e, como é natural, ninguém quer ser o “avô seca”

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Gemma Evans/Unsplash

Apesar de ainda nem sequer ter filhos, gosto de me imaginar de cabelos brancos e rugas no rosto a falar com os meus netos. Lá estou eu, sentado no meu cadeirão, a ouvir dúvidas e desabafos, naturais da idade, e a tentar responder-lhes da forma mais sábia possível. Isto até pode nem vir a acontecer, mas é sem dúvida um exercício que procuro fazer com alguma regularidade.

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Apesar de ainda nem sequer ter filhos, gosto de me imaginar de cabelos brancos e rugas no rosto a falar com os meus netos. Lá estou eu, sentado no meu cadeirão, a ouvir dúvidas e desabafos, naturais da idade, e a tentar responder-lhes da forma mais sábia possível. Isto até pode nem vir a acontecer, mas é sem dúvida um exercício que procuro fazer com alguma regularidade.

A grande maioria de nós foi educada (leia-se “formatada”) para não correr riscos, jogar pelo seguro. “Não arranjes problemas”, diziam-nos em ​loop.​ Para ajudar à festa, o nosso corpo e a nossa mente também estão programados para evitar o desconhecido e, desta forma, garantir ao máximo a sobrevivência do veículo que habitamos. A tendência natural acaba por ser deixarmo-nos ficar numa redoma de vidro previsível, rotineira e banal. Na tentativa de me desviar deste destino enfadonho, gosto de me questionar regularmente: “Vou ter alguma coisa para contar aos meus netos?”.

Os herdeiros dos meus filhos não vão querer saber com que média acabei o curso, quantas apresentações em ​PowerPoint fiz ou a que horas me levantava para fugir ao trânsito. Isto é aborrecido e, como é natural, ninguém quer ser o “avô seca”. O ideal é termos experiências apaixonantes e episódios caricatos para partilhar. Nada é mais cativante do que ouvir falar alguém que escolheu ser quem era.

Quando olhamos para o gráfico do batimento cardíaco, vamos reparar que ele é tudo menos constante. Aliás, se ele for demasiado regular, provavelmente, quer dizer que já não vamos a tempo de mudar grande coisa. A meu ver, esta montanha russa a que chamamos vida resume-se a isso mesmo. Vão existir subidas, descidas, gritos, cambalhotas e gargalhadas, mas, no final, quando a experiência terminar, é a soma de tudo isso que terá feito a viagem valer a pena.

O tempo vai continuar a passar e não é por pensarmos demasiado em algo que vamos ter mais certezas. Vão-nos dizer que é complicado, que o risco é elevado e que pode correr tudo mal. Dá medo tomar decisões imprevisíveis, fazer mudanças radicais e ignorar as expectativas que têm sobre nós. Mas sabem o que é que me assusta mais? É estar de cabelos brancos, rugas no rosto e não ter nada para contar aos meus netos.