Vila Real tem quartos a 400 euros e os alunos da UTAD estão a ficar “sem tecto”
Segundo dados da Associação Académica da UTAD, 72% dos alunos estão deslocados. O preço do alojamento disponível em Vila Real “acompanha a tendência dos valores praticados nas outras zonas do país” e a oferta privada não chega.
A odisseia de Inês Barroso começou no momento em que abriu o email que ditaria o seu futuro no ensino superior: ao contrário de todos os planos e expectativas, não entrou na primeira opção, a Universidade dos Açores, arquipélago de onde é natural. O desejado curso de Psicologia estava assegurado, mas na longínqua Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real. A jovem de 18 anos fez as malas e, acompanhada pelos pais, rumou ao continente para começar a preparar uma nova vida. Esperavam-na “dias difíceis”. Com um tecto máximo de 200 euros estabelecido, a procura fez-se através das informações disponibilizadas na universidade e nas ruas.
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A odisseia de Inês Barroso começou no momento em que abriu o email que ditaria o seu futuro no ensino superior: ao contrário de todos os planos e expectativas, não entrou na primeira opção, a Universidade dos Açores, arquipélago de onde é natural. O desejado curso de Psicologia estava assegurado, mas na longínqua Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), em Vila Real. A jovem de 18 anos fez as malas e, acompanhada pelos pais, rumou ao continente para começar a preparar uma nova vida. Esperavam-na “dias difíceis”. Com um tecto máximo de 200 euros estabelecido, a procura fez-se através das informações disponibilizadas na universidade e nas ruas.
Apresentaram-lhe de tudo: desde quartos a 180 euros por mês, “sem condições nenhumas”, aos de 200, que teria que dividir com mais sete jovens, passando pelos de 400 — sim, em Vila Real. Os dias foram passando, perfazendo uma semana, período em que ficou, juntamente com os pais, alojada numa residencial. Com o tempo a passar e o cansaço a acumular-se, foram muitos os momentos em que pensou desistir e voltar aos Açores. “Era muita coisa, muito stress. Já era mau não entrar na minha primeira opção e depois não conseguia encontrar um sítio para morar. Fiquei muito maldisposta e cheguei a entrar em pânico. Queria desistir.” Acabou por conseguir um quarto que a satisfaz e respeita o orçamento definido, embora espere ainda ser beneficiada pela bolsa de acção social.
Mas o cenário em Vila Real nem sempre foi assim. Anteriormente, universidades situadas fora dos grandes centros urbanos (castigados pela forte pressão demográfica e imobiliária) representavam um balão de oxigénio e uma oportunidade para as famílias que perseguiam o sonho de ter os filhos no ensino superior, face ao custo de vida menor que ali encontravam. De facto, este era considerado um dos factores de atractividade da academia transmontana, que na primeira fase do concurso nacional de acesso recebeu 1339 novos alunos, num aumento de 3% face ao último ano.
A situação começou a alterar-se nos últimos dois anos. Quem o diz é José Pinheiro, presidente da Associação Académica da UTAD, que aponta como justificação para o aumento dos preços “a escassez da oferta, o desenvolvimento da cidade e o aumento sucessivo de alunos”, o que se pode resumir num “desgaste do mercado”. O dirigente associativo revela ainda uma realidade desconhecida por muitos: o preço do alojamento disponível em Vila Real acompanha a tendência dos valores praticados nas outras zonas do país.
Segundo dados disponibilizados pela instituição, na primeira semana de matrículas “a oferta no sector privado esgotou”. Os estudantes que optaram por esta via – a manifesta maioria – encontraram propostas na ordem dos 180 e 200 euros (as “casas melhores”). Valores menores, como 150 ou 160 euros, pagam quartos que “quase parecem armários de três por três metros, com uma cama de solteiro encostada [à parede]”.
À semelhança do que acontece nos grandes centros urbanos, também aqui é possível encontrar ilegalidades: os senhorios também se recusam a assinar contratos ou passar recibos, sob pena de aumentarem as rendas. Esta realidade leva a que estudantes e famílias se vejam desprovidos de direitos, como é o caso do complemento do Estado para estudantes deslocados — num valor de 174 euros —, por não terem forma de comprovar a situação em que vivem.
O panorama não melhora quando o enfoque recai sobre as residências universitárias — muitas vezes “a precisar de remodelações”. Das 300 candidaturas recebidas pelos Serviços de Acção Social da UTAD, de caloiros que acabam de chegar à academia transmontana, apenas 201 obtiveram resposta positiva. A este número acrescem os resultados finais do concurso destinado a antigos estudantes, o qual determinou a entrega de 310 alojamentos – quando ainda falta conhecer os resultados das restantes fases do concurso de acesso. Segundo informações providenciadas pela AAUTAD, “cerca de 72% dos estudantes da universidade estão deslocados, dos quais 45% beneficiam da ajuda da acção social para o alojamento”.
A experiência pessoal de José Pinheiro, estudante na UTAD desde 2015, é o espelho daquilo que o próprio tenta explicar por palavras e combater através de acções: volvidos quatro anos, está a pagar mais 85 euros por alojamento. Foi precisamente contra este problema “grave e inconcebível” que a AAUTAD organizou um protesto a 19 de Setembro, no largo da autarquia. Foram colocados “600 tecidos brancos” e almofadas que simbolizaram “as camas que não atravessaram a serra do Marão”, num protesto que teve como mensagem principal a frase “uma academia sem tecto”.
No centro das queixas da associação académica está a desatenção do Estado à realidade que se vive no interior, já que, segundo José, das 595 novas camas prometidas para o ano lectivo que agora começa, a “esmagadora maioria situa-se no Porto e em Lisboa”. Os dados relativos ao Plano Nacional para o Alojamento no Ensino Superior (PNAES), disponíveis no site da Direcção-Geral do Ensino Superior (DGES), parecem prová-lo, pelo menos no que diz respeito ao caso de Vila Real. Se no ano lectivo 2017/2018 existiam 535 camas com “preço regulado”, em Setembro do presente ano o número mantém-se inalterado, apesar das 250 novas camas anunciadas.
Perante esta “indolência”, a AAUTAD promete não baixar os braços. Recentemente, lançaram o movimento Capas ao Vento pelo Alojamento, em que convidam todos os estudantes a esticarem capas à janela para, em jeito de solidariedade, mostrarem o seu descontentamento face à problemática do alojamento universitário a nível nacional. Simultaneamente, prepararam um manifesto que será enviado ao ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior, Manuel Heitor, ao reitor da UTAD, António Fernandes, e ao presidente da Câmara Municipal de Vila Real, Rui Santos. Com Nuno Rafael Gomes