Agir perante a emergência climática
Recordando Walter Benjamin, talvez a revolução não seja a locomotiva da história, mas o travão de mão quando a história nos empurra para o colapso. Hoje voltamos à rua. Amanhã também.
Quando, há uns meses, o Parlamento declarou emergência climática, a contragosto do Governo, esta declaração tentava esvaziar-se a si mesma – a velha prática de mudar um bocadinho para conseguir não mudar nada do essencial. O Governo mandou o PS parlamentar bloqueá-la porque contrariava a sua propaganda de que tinha uma acção climática efectiva. Mas, se foi de facto declarada uma emergência climática pelo órgão máximo da democracia, aquele que foi eleito directamente pelas pessoas, não há que agir de acordo com essa emergência?
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Quando, há uns meses, o Parlamento declarou emergência climática, a contragosto do Governo, esta declaração tentava esvaziar-se a si mesma – a velha prática de mudar um bocadinho para conseguir não mudar nada do essencial. O Governo mandou o PS parlamentar bloqueá-la porque contrariava a sua propaganda de que tinha uma acção climática efectiva. Mas, se foi de facto declarada uma emergência climática pelo órgão máximo da democracia, aquele que foi eleito directamente pelas pessoas, não há que agir de acordo com essa emergência?
No passado dia 20 de Setembro, a Greve Climática Global foi provavelmente um dos maiores actos colectivos simultâneos e internacionais de mobilização social da História, com quatro milhões de pessoas a participar em manifestações e protestos desde os Estados Unidos ao Bangladesh, da Austrália ao Uganda. A emergência climática, assumida de forma leviana por vários países (já houve mais de 20 governos nacionais a declará-la sem fazerem nada remotamente próximo daquilo que se faz quando há uma situação de emergência), não é levada de ânimo leve por milhões de pessoas que, por todo o mundo, têm agido – de facto – de forma adequada ao estado de emergência em que a Humanidade vive hoje.
Depois de décadas em que a ciência climática foi desprezada pelo poder económico e político, já que informava da necessidade de acabar com o business-as-usual, o aproximar do limite da viabilidade material para a existência de civilização humana (apontado como os 1,5º ou, no máximo, 2ºC) tem levado a uma mobilização social sem precedentes nas últimas décadas. As greves climáticas estudantis, o movimento pela justiça climática e o Extinction Rebellion têm-se conectado para trazer o tema inequivocamente para a frente da sociedade, para a frente da política e da economia, para colocar essa emergência no seu devido lugar. A luta pela manutenção das condições de vida das populações de todo o mundo não exige menos do que isto e se há alguma coisa a apontar é que isto já deveria ter acontecido há mais de uma década.
Num estertor de morte, o capitalismo global assente nas indústrias fósseis acelerou como nunca. As petrolíferas tinham informação acerca do mais que expectável impacto da queima de hidrocarbonetos e libertação dos seus gases para a atmosfera pelo menos desde os anos 60 e o que fizeram com essa informação foi criar uma indústria de desinformação, lobbys e think tanks para se ancorarem nos partidos mais conservadores e nos becos de conspiração mais obscuros que cresciam como nunca com a Internet. Vemos hoje a sua acção concertada, por exemplo, nos ataques ad hominem a Greta Thunberg. 2018 foi o ano com mais emissões de sempre, batendo o recorde do ano anterior, e por aí fora. Apesar de existir esta informação, cientificamente corroborada, experimentada, testada à náusea, há 40 anos, as emissões, em vez de pararem, aceleraram. Eles quiseram ganhar mesmo todo o dinheiro que fosse possível, até ao último minuto, até serem eventualmente obrigados a parar ou até começar a colapsar o clima. E, por isso mesmo, hoje a necessidade de cortar 50% das emissões significa na verdade apenas voltar a um nível de emissões similar ao início dos anos 80, sendo que questões de justiça social e histórica significam que os países mais ricos têm mesmo de cortar mais do que isto.
E eis que chega o grande medo: a planificação. Não a planificação actual da economia global que produz uma seta ascendente atirando riqueza, capital e poder para os de cima (hoje há 26 pessoas que possuem mais dinheiro que os 3.800.000.000 mais pobres do planeta), mas a nova planificação que implica uma democracia radical que corta emissões tendo em conta os efeitos que isso tem nas pessoas, que corta emissões e constrói alternativas para os mais pobres, que exige a redistribuição dessa riqueza, a abolição do privilégio divino daqueles que são amplamente os responsáveis pela crise climática (apesar da retórica neomalthusiana sobre degradação ambiental e pobreza, os 10% mais ricos do mundo são responsáveis por 49% das emissões globais, enquanto os 50% mais pobres são responsáveis por cerca de 10% das emissões globais). Infelizmente, muita da acção climática oficial não assenta em mais do que criar novas áreas de negócios para os mesmos de sempre, como referiu ainda esta semana o ministro do Ambiente, ao prometer crescimento económico associado ao combate às alterações climáticas. Mais negócios, e os cortes de emissões como adereço e não como objectivo. E o divino crescimento económico.
Os actores reais da emergência climática são as pessoas que hoje se mobilizam por todo o mundo para travar os projectos industriais que fazem com que as emissões acelerem como nunca. Se as instituições, que foram construídas para preservar a ordem e o progresso (essas mesmas que foram usadas como justificação para colonizar, estratificar a sociedade e permitir todos os maiores crimes em nome de um avanço não se sabe bem para onde), não têm capacidade de agir perante esta emergência, felizmente há um crescente corpo social que não ficará a assistir ao colapso. Recordando Walter Benjamin, talvez a revolução não seja a locomotiva da história, mas o travão de mão quando a história nos empurra para o colapso. Hoje voltamos à rua. Amanhã também.