A geração Instagram em peso na rua: “Salvem o planeta, acabem com o capitalismo”
Milhares de pessoas, muitas delas jovens, juntaram-se em protesto contra as alterações climáticas e a exigir mudanças políticas em Lisboa. Portugueses e estrangeiros, crianças de colo, estudantes da geração Instagram estiveram em peso na rua. Partidos aproveitaram para marcar presença em vésperas de eleições. Jovens cortaram Avenida Almirante Reis em gesto de “desobediência civil”. No Porto, centenas marcharam pelo clima.
A primeira vez que Sílvia Matoquesa, 19 anos, se lembra de ter ficado alerta para as questões do clima foi há dois anos. No Instagram começaram a circular imagens que a impressionaram com um antes e um depois de 1960: florestas, glaciares, animais. “São mudanças que vi através de imagens e mudanças muito drásticas num tão curto espaço de tempo”, diz ao P3 entre apitos e palavras de ordem da marcha pelo clima, marcada esta sexta-feira em várias cidades de Portugal e do mundo.
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A primeira vez que Sílvia Matoquesa, 19 anos, se lembra de ter ficado alerta para as questões do clima foi há dois anos. No Instagram começaram a circular imagens que a impressionaram com um antes e um depois de 1960: florestas, glaciares, animais. “São mudanças que vi através de imagens e mudanças muito drásticas num tão curto espaço de tempo”, diz ao P3 entre apitos e palavras de ordem da marcha pelo clima, marcada esta sexta-feira em várias cidades de Portugal e do mundo.
Estudante na Escola Profissional de Hotelaria de Lisboa, não tem por hábito ir a protestos; não é seguidora de mais nenhuma outra causa. Esta foi aquela que a fez sair à rua. “Estive a ler um estudo e temos 12 anos para mudar. Vim apoiar a luta contra as alterações climáticas que são um obstáculo na nossa vida”, explica. Quotidianamente faz esforço para “não ser tão consumista” e já incute esse hábito lá em casa. “Tento reduzir o plástico, não ando de carro.” Também insiste em comprar produtos amigos do ambiente.
Na tarde desta sexta-feira, 27 de Setembro, milhares de jovens partilharam as motivações de Sílvia Matoquesa. Em Lisboa, numa concentração que começou às 15h, no Cais do Sodré, a mobilização de gente de todas as idades, portugueses e estrangeiros, de várias origens, inclusivamente crianças de colo, foi eficaz desde o início.
Os megafones ainda não estavam ao rubro e já centenas empunhavam cartazes com palavras de ordem em inglês e português: “para mudar tudo precisamos de toda a gente”, “queremos salvar o planeta, deixem-se de tretas”, “salvem o planeta, acabem com o capitalismo”.
O capitalismo foi, aliás, uma palavra escrita e dita muitas vezes durante a marcha — melhor dizer, uma palavra maldita, porque usada para manifestantes explicarem a causa que levou ao estado a que o planeta chegou. Estava também implícita em alguns dos comportamentos aconselhados em mensagens que circulavam entre a imensa massa de gente.
“Lista de coisas a fazer”, escreveu uma jovem num cartaz grande, em inglês: “Desistir dos sacos de plástico; guiar menos; usar lâmpadas eficientes, acabar com as palhinhas de plástico, consumir menos carne, votar por líderes que se importam.”
Votar por líderes que importam: por algum motivo vários partidos fizeram questão de estar presentes e visíveis na manifestação. O PAN aproveitou mesmo para, com o seu líder André Silva, marcar espaço com uma grande faixa; o Bloco de Esquerda, o PS, o PSD também não deixaram escapar a oportunidade levando bandeiras. Afinal, em vésperas de eleições, o potencial de recrutamento é imenso.
“Estou a ver alguns partidos a aproveitarem para se promover”, reconhece Sílvia Matoquesa. Para ela, a causa do clima é importante e isso irá contar na escolha do seu voto nas legislativas. Ao ver tanta gente e tão nova na rua reconhece que esta luta se tornou “moda”: “Há pessoas que não estão aqui pelas razões certas. A partir do momento em que há influencers no Instagram a publicar sobre isto, mobilizam as pessoas…”
Esquerda jovem cresce
Momentos depois acompanhámos Angela Angela Sankara, 24 anos. No braço tem um autocolante com um punho fechado, a agarrar uma chave de fendas que termina num lápis, a dizer “sindicato de estudantes”. Ela própria de megafone em punho, óculos escuros, vai analisando ao P3 que “nestes últimos anos temos visto um crescendo da extrema-direita, mas também temos visto a esquerda a crescer”: “Está a haver uma polarização social e os jovens estão a mobilizar-se por causas: feminista, climática, anti-racista. Quando dizem que os jovens estão apáticos, este tipo de mobilização mostra que estão dispostos a lutar contra o capitalismo.”
O que eles defendem? “Enquanto sindicato achamos que os culpados são as grandes empresas. Queremos combater a ideia de que somos nós, indivíduos, os responsáveis porque a maior parte da poluição são as empresas que fazem e nunca são responsabilizadas.” Por outro lado, afirma: “Se não houver um grande combate, não haverá uma real paragem das alterações climáticas”.
Outro dado da manifestação foi a presença visível de estrangeiros, alunos, imigrantes ou simplesmente turistas de passagem. Contribuiu certamente o facto de se tratar de uma greve global e de recentemente a activista sueca de 16 anos Greta Thunberg — que começou a fazer às sextas-feiras e que deu origem às Fridays for Future — ter feito fortíssimas críticas aos dirigentes mundiais na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas.
Julia Stilke, 25 anos, alemã da cidade de Braunschweig, e Max Schroeder, 27 anos, da mesma cidade fizeram questão de se juntar ao protesto. Ela veio tirar um curso de Verão a Portugal e deslocou-se de comboio; chegou à manifestação de bicicleta; tenta comer pouca carne. Faz parte da equipa que organiza as greves na sua cidade — que é mais pequena do que Lisboa, mas mobiliza mais gente para a mesma causa, segundo conta. “Quero ter filhos e acho que agora é a altura para fazer pressão sobre os políticos para mudarem.”
A geração Harry Potter
No megafone, enquanto percorrem a Baixa, enquanto falam para os manifestantes, as palavras de ordem saem em inglês — “power to the people”, “power”, “people” — e em português: “não ao furo, sim ao futuro”. Poucas manifestações terão cruzado todas as faixas etárias como estas marchas. “Os jovens estão na rua, a luta continua”, gritavam.
Tomás Chasqueira, de 17 anos, da associação EPA 66 - Estudantes pelo Ambiente — um movimento apartidário, ao contrário dele próprio que é do PCP —, tem o megafone na mão. Também aponta o dedo ao capitalismo: “O nosso movimento quer trazer à discussão as verdadeiras causas e a raiz dos problemas ambientais. O sistema capitalista é o verdadeiro responsável pela lapidação dos recursos naturais”, diz. Vir para a rua é importante: “Para que a juventude se mobilize por aquilo em que acredita e fomentar a mudança.” Na imensa massa de gente ouve-se “menos mentira, mais acção”. E noutro ponto da cidade, apelando à “desobediência civil pela justiça climática”, activistas do grupo Extinction Rebellion Portugal cortaram mesmo o trânsito na Avenida Almirante Reis.
Portugal aderiu à iniciativa com várias acções pelo clima durante uma semana, que começou a 20 de Setembro e terminou esta sexta-feira com manifestações em várias cidades, um pouco por todo o mundo. Definida como um movimento “estudantil político-apartidário, descentralizado, pacífico”, a Greve Climática Estudantil instigou sindicatos, organizações da sociedade civil, autarquias, universidades a aderirem a este protesto sob o chapéu Salvar o Clima.
Querem abrir um debate sobre “justiça climática” — “porque existem responsáveis e os mais afectados são aqueles cuja palavra menos conta” — e exigem que este tema entre na agenda dos governos para que façam da resolução da crise climática uma prioridade. Acusam políticos e elites económicas de ignorar “a bomba climática que está prestes a explodir nas nossas mãos”.
Já no Rossio, num cartaz feito com o que foram caixotes de produtos de supermercado, lê-se: “Este planeta está a ficar mais quente do que Emma Watson”. A geração que cresceu com Harry Potter encontrou a sua causa?