A Câmara do Porto e o horror à crítica
O tom arrogante e intimidatório da autarquia que justifica esta nota da Direcção Editorial ilustra na perfeição o mal-estar que a Câmara e Rui Moreira manifestam com todos os que não lhe estendem um tapete vermelho à passagem
1 – A Câmara do Porto usou nesta quarta-feira o seu portal para anunciar que a Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) “obrigara o PÚBLICO a repor a verdade sobre a Estação de São Bento”. Seguindo o mesmo princípio de torcer os factos para que eles digam o que o poder camarário quer, Rui Moreira usou a sua página no Facebook para acusar o jornal de “transmitir” informações falsas. Toda esta agitação teve por base uma deliberação da ERC que obrigou o PÚBLICO a divulgar um Direito de Resposta a uma notícia publicada no dia 13 de Agosto, sob o título “Câmara do Porto acusada de travar evento que tinha licenciado”.
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1 – A Câmara do Porto usou nesta quarta-feira o seu portal para anunciar que a Entidade Reguladora da Comunicação (ERC) “obrigara o PÚBLICO a repor a verdade sobre a Estação de São Bento”. Seguindo o mesmo princípio de torcer os factos para que eles digam o que o poder camarário quer, Rui Moreira usou a sua página no Facebook para acusar o jornal de “transmitir” informações falsas. Toda esta agitação teve por base uma deliberação da ERC que obrigou o PÚBLICO a divulgar um Direito de Resposta a uma notícia publicada no dia 13 de Agosto, sob o título “Câmara do Porto acusada de travar evento que tinha licenciado”.
2 – Só uma visão retorcida do instituto do Direito de Resposta e uma obsessão incontida pelo controlo do que as pessoas dizem e os jornais reproduzem pode levar a Câmara e o seu presidente a essas conclusões. É mentira que o PÚBLICO tenha mentido, como é mentira que a ERC o tenha obrigado a repor a verdade. O que um Direito de Resposta consagra não é uma avaliação da veracidade dos factos, apenas a concessão aos visados nas notícias que se sintam afectados no seu “bom nome e reputação” o direito de apresentar “outra versão dos factos ou opiniões” baseada na sua “perspectiva prevalecentemente subjectiva”. Mais: o recurso a esse direito pode abranger não apenas factos noticiados pelos jornais, como os que são atribuíveis a “fontes expressamente citadas”. Como foi o caso.
3- O que dizia então a notícia que leva a Câmara a atribuir ao PÚBLICO o recurso a “dados falsos e erróneos”, a “informações falsas” e à “violação do código deontológico dos jornalistas”? Dizia que o promotor do evento Porto Station Market reclamava ter licenças emitidas pela Câmara. Afirmava que a decisão da autarquia em proibir o evento por “uso ilegal do espaço” configurava, na opinião do empresário, um “abuso de poder”. E anunciava que o promotor iria recorrer aos tribunais para fazer valer os seus direitos.
4 – Para situar esta notícia no seio do conflito entre o promotor e a autarquia, vale a pena notar que o PÚBLICO noticiara dois dias antes que a “Câmara acusa Infraestruturas de Portugal de ‘uso ilegal’ da Estação de São Bento”. No início da história, portanto, estava uma acção da autarquia que foi devidamente noticiada no jornal. E vale também a pena recordar que a jornalista do PÚBLICO pediu expressamente ao gabinete da comunicação da autarquia uma explicação sobre os documentos usados pelo promotor para justificar as suas teses. Convém notar que o gabinete nos remeteu para um comunicado publicado no portal da autarquia, como se as comunicações oficiais propensas à propaganda fossem verdades absolutas – mas ainda assim o comunicado foi citado na notícia. E, ainda antes de recebermos oficialmente o pedido de Direito de Resposta, a versão da autarquia sobre esta história foi noticiada no jornal a 14 de Agosto, sob o título “Acusada de ‘desobediência’ ao tribunal, Câmara do Porto diz estar a cumprir a lei”.
5 – Ainda que se possa argumentar como válida a tese de que o argumento usado pelo promotor estava errado, a questão essencial que aqui se coloca é fundamentalmente esta: os cidadãos e as empresas têm ou não têm o direito de criticar ou de acusar o poder político numa democracia? Têm ou não o direito de recorrer à imprensa para dar conta dos seus pontos de vista, por errados que sejam? Na visão do PÚBLICO e do seu jornalismo, têm não só o direito como o dever. A autarquia não pensa assim. Se a tese do outrora liberal Rui Moreira prevalecesse, todos os cidadãos, empresas ou instituições que se julgam portadores de razões de queixa sobre a sua acção seriam calados.
6 – A Câmara usa agora toda a sua máquina de propaganda para veicular esta suposta vitória moral sobre o jornal porque, seja pela interpretação da burocracia da ERC, seja pela limitação da própria lei, nos direitos de resposta não há possibilidade do contraditório. Ou seja, a autarquia diz aí o que quer dizer sem que o PUBLICO possa apresentar a sua versão dos factos. Um recurso velho e relho dos que se aproveitam da bondade da lei para poderem passar sem contestação a sua propaganda.
7 – Para o leitor, toda esta situação pode parecer um exagero. E é. Mas o tom arrogante e intimidatório da autarquia que justifica esta nota da Direcção Editorial ilustra na perfeição o mal-estar que a Câmara e Rui Moreira manifestam com todos os que não lhe estendem um tapete vermelho à passagem. O PÚBLICO é o que é e o que sempre foi e não se deixa intimidar com campanhas de ataques pessoais, nem se deixa prostrar com os cortes no investimento publicitário que denunciam uma concepção de poder terceiro-mundista. Não mudaremos o nosso jornalismo e tentaremos permanecer fiéis à informação de qualidade que todos os dias milhares de portuenses partilham.
Até porque sabemos que toda esta campanha persecutória não depende do que decorreu em São Bento. A palavra-chave desta obsessão com o PÚBLICO é Selminho. Um caso no qual este jornal fez o que compete à imprensa livre: defender o interesse público, ao fazer com que um terreno ilegalmente desviado do domínio municipal regressasse à posse da cidade e de todos os seus cidadãos.
A Direcção Editorial