Sobre a igualdade de direitos em Portugal: uma próxima vítima?
Carta aberta de repúdio ao desprezo com que o Estado Português, através do Sistema Judiciário, tem tratado os casos de violências domésticas, entre outras violências, contra as mulheres e crianças em Portugal.
Exmos. (as) Srs. (as),
Presidente da República Portuguesa, Dr. Marcelo Rebelo de Sousa,
Primeiro-Ministro Dr. António Costa,
Ministra da Justiça Dra. Francisca Van Dunem,
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
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Exmos. (as) Srs. (as),
Presidente da República Portuguesa, Dr. Marcelo Rebelo de Sousa,
Primeiro-Ministro Dr. António Costa,
Ministra da Justiça Dra. Francisca Van Dunem,
Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias
Constam dos meios de provas dos factos da prática de violência doméstica contra uma Mulher/Mãe Brasileira que testemunhas presenciaram um homem agressor dizer à “sua” vítima:
“Não prestas para nada, puta, vagabunda, incompetente e burra, és uma merda, nunca tivestes nada, eu é que tenho.”
“És uma puta, não serves para nada, vou arranjar outras mulheres…”
Das transcrições de áudio, revelam-se algumas das ameaças do agressor à vítima:
“Olha, diz mais uma, eu espeto ao murro, eu abro-te os cornos.”
“Isto já só está eu dar-te no focinho, percebes? Ou agarrar-te pelos cabelos e meter-te na rua. Quero que tragas a polícia toda, o tribunal, os advogados, com quem tu andastes a falar, vê, a casa não deixa de ser minha. Não deixo de a perder. Percebes? O carro que ali está em baixo não deixa de ser meu. Percebeste? Tu sais com a roupa do teu corpo. Mas assim que tu saíres, a bem ou a mal, eu mudo logo a puta da fechadura, estás a perceber? E depois, para tirares a tua roupa, vais ter de me pedir. Percebes?”
E, de facto, o homem agressor fez-lhe perceber:
Trocou-lhe a fechadura da própria casa para que pudesse gravar um vídeo através de uma câmara que foi instalada para o efeito no andar do apartamento em que vivia quando não estava no Norte, onde a tortura vivenciada por ela e seu filho ainda bebé era muito mais terrífica.
Naturalmente, a Mulher/Mãe vítima tentara abrir a porta de casa em desespero e foi filmada.
A seguir foi acusada judicialmente pelo seu agressor, ex-marido, de tentar arrombar a porta da casa onde viviam quando se encontravam em Lisboa. Quase foi condenada a cumprir serviço voluntário enquanto pena, por um crime forjado contra ela.
Obteve uma autorização do ex-marido para ir ao Brasil com o filho, visitar a mãe/avó, foi barrada no aeroporto de Lisboa porque o próprio SEF tinha instrução por parte do agressor de que não deveria permitir a viagem da Mãe com o filho para o Brasil. O seu ex-marido acusou-a de tentativa de rapto.
No dia seguinte, o ex-marido, que se encontrava no Brasil na noite anterior, desembarcara em Portugal já com uma providência cautelar em mãos para retirar o filho à mãe em Lisboa e levá-lo consigo para o Norte do país. O filho foi retirado dos braços da sua mãe com três anos de idade. A mãe foi despejada da casa com a ajuda de força policial.
Na primeira audiência de regulamentação parental da criança, após tais barbaridades, a Mãe – vítima de violências domésticas – ouviu do próprio juiz que ele não a conhecia. Que ela, por ser uma mulher brasileira… que ele não sabia se ela era da favela ou uma empresária… que ele conhecia o pai da criança há vinte anos e que, assim sendo, ela não poderia ficar com a guarda da criança, dado o perigo de retirada da criança do país. Detalhe: a criança é portuguesa e a criança é brasileira. Tem uma família materna a quem é-lhe negado a convivência pela parte de seu próprio pai, agressor de sua mãe.
Disse o juiz à Mãe que os portugueses gostam de ter as crianças em Portugal! Ainda lhe disse que aquando das visitas da mãe à criança que até ele próprio poderia se dedicar a vigiá-la! Todas estas “considerações” estão devidamente registadas em áudio e em transcrições da sessão de audiência no tribunal.
O facto é que os advogados de defesa não foram capazes de defender esta Mulher/Mãe brasileira e o superior interesse da criança junto à sua referência afetiva maior que era a sua mãe. A mãe perdeu a guarda da criança. Tem de se deslocar de 15 em 15 dias ao Norte, trazer a criança para Lisboa e depois retornar ao Norte para levar a criança. Ou seja, tem de percorrer 1200 km (4x300).
O processo-crime por violência doméstica que foi recentemente arquivado pelo Ministério Público nunca foi tido em consideração em sede de regulamentação parental da criança. E foi arquivado pelo Tribunal da Relação de Coimbra.
O Instituto de Medicina Legal de Coimbra comprova através de um extenso relatório que a criança estava a ser manipulada pela família paterna no sentido de ser afastada da sua mãe. O que consideraram um risco muito grande para a saúde da criança. Tal relatório nunca foi tido em consideração de facto em sede de regulamentação parental da criança.
O Conselho Superior da Magistratura não procurou dar a mínima atenção aos factos apresentados pela Mãe, contra o juiz que a assediou enquanto mulher, que a discriminou enquanto mãe e mulher, que lhe afastou o seu filho, tendo tido como uma das argumentações o facto de ser amigo do pai da criança há mais de 20 anos!
Sendo a comunidade feminina brasileira uma comunidade crescente em Portugal desde 2003, através dos contínuos fluxos migratórios, trata-se de uma comunidade que vem sofrendo muitíssimo com a negligência do Estado Português perante casos de violências contra a mulher. Empiricamente, há imensos relatos de casos de mulheres brasileiras vítimas de violências domésticas onde há interpretações equivocadas por parte da assistência social portuguesa e de magistrados(as) tendo como base o estereótipo, o racismo, a xenofobia, a discriminação de género e a criminalização da pobreza.
Esta Mulher/Mãe brasileira, que vos descrevo e que está a ser vítima de stalking em Portugal, possui formação académica em jornalismo no Brasil, trata-se de uma cidadã trabalhadora na área da cosmética em Portugal e que poderá ser uma próxima vítima de femicídio em território português.
Actualmente, são dois crimes de difamação, dezassete crimes de injúrias, dois crimes de ameaças e um crime de coação que o seu agressor, ex-marido, intenta contra ela. Trata-se de uma mulher que, além de ter sido humilhada vezes sem conta verbalmente (há provas factuais e há testemunhas que o comprovam), também foi violentada fisicamente com socos, pontapés, tentativa de estrangulamento, sempre na presença do filho ainda bebé.
São muitos os casos de mulheres brasileiras a serem torturadas pelos pais de seus filhos, homens com nacionalidade portuguesa, sem que a justiça portuguesa tenha a capacidade de não discriminar e de não re-vitimizar as vítimas destas violências, evidentemente, mulheres e crianças. Nos tribunais de família ouve-se correntemente por parte de certos magistrados e magistradas que as mulheres, se não estiverem bem psicologicamente, não podem estar bem para estarem com os seus filhos! Que têm que fazer mediações familiares com agressores (Portugal ratificou a Convenção de Istambul). Que, se não ficarem bem com os pais dos filhos, as crianças serão enviadas para instituições. Crianças têm sido retiradas das casas das suas mães com ordem de certos tribunais, com a ajuda de forças policiais!
Qual a mulher que ficará bem quando as agridem com coerções ou retiradas de seus filhos e filhas? É deste modo que queremos zelar pela co-criação de uma sociedade igualitária?
Após 19 anos vivendo em Portugal e tendo passado também por uma sucessão de constrangimentos e de violências domésticas e de violências institucionais, lamento o total desprezo com que o Estado Português vem tratando os casos de violências domésticas que tendem a continuar. Nomeadamente através do Ministério Público, que insiste em continuar a arquivar processos-crime por violência doméstica. Acabando por corroborar com o aumento do femicídio.
Como o Estado Português se pronunciará se esta Mulher/Mãe brasileira for uma próxima vítima do femicídio? Ela deixaria dois filhos órfãos de mãe! Qual a resposta que darão a esta situação?
Uma resposta a esta situação é urgente, inadiável, necessária. Trata-se das vidas de uma mulher de 40 anos e de uma criança luso-brasileira com seis anos de idade.
Na semana passada foi assassinada a vigésima primeira mulher este ano, tendo como causa a violência doméstica em Portugal. Assassinada em Braga, pelas mãos do marido, com a utilização de uma navalha. Paz às Almas de todas as Mulheres e Crianças que têm sido assassinadas pelas mãos de seus próprios companheiros, ex-companheiros, pais. E consciencialização profunda a todos e todas que cá estão e que estando posicionados em locais de decisões políticas, legislativas, judiciais, académicas, culturais, que possam levantar-se e colocar em marcha práticas que visem transformações que nos são necessárias para que este quadro de coisas possa ser re-escrito positivamente, gerando saúde mental colectiva neste território.