Oiça a Saúde, Mário Centeno!

Chegou a hora, antes e depois das eleições, de ouvir os especialistas da Saúde para investir na qualidade e poupar no que tem que ser poupado.

O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem tido má imprensa, excepção feita a este jornal, no sábado, dia 14 de Setembro, que colheu depoimentos individuais em contra-corrente, com elogios ao SNS, o que devia ser repetido nos vários meios de comunicação. A onda da má imprensa tem estabelecido o alarme. E restabelecer a confiança também faz parte da saúde. O paradoxo em relação ao publicitado nos meios de comunicação social é que amigos e inimigos do SNS se têm confundido nas críticas. Os inimigos porque mascaram o seu objectivo de retirar ou encurtar a Saúde como serviço público com disfarçadas críticas como se o defendessem. E os amigos porque lhes compete lutar pela melhoria e tanto mais porque em tempo eleitoral qualquer elogio pode reverter a favor do partido do Governo. As melhorias têm que ser relevadas. No entanto, o que falta também é essencial e tanto o ministro das Finanças, Mário Centeno, como o secretário de Estado João Leão têm que abrir os olhos e os ouvidos àqueles que podem, evocando Fernando Pessoa, “não perceber nada de Finanças”, mas percebem de Saúde.

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O Serviço Nacional de Saúde (SNS) tem tido má imprensa, excepção feita a este jornal, no sábado, dia 14 de Setembro, que colheu depoimentos individuais em contra-corrente, com elogios ao SNS, o que devia ser repetido nos vários meios de comunicação. A onda da má imprensa tem estabelecido o alarme. E restabelecer a confiança também faz parte da saúde. O paradoxo em relação ao publicitado nos meios de comunicação social é que amigos e inimigos do SNS se têm confundido nas críticas. Os inimigos porque mascaram o seu objectivo de retirar ou encurtar a Saúde como serviço público com disfarçadas críticas como se o defendessem. E os amigos porque lhes compete lutar pela melhoria e tanto mais porque em tempo eleitoral qualquer elogio pode reverter a favor do partido do Governo. As melhorias têm que ser relevadas. No entanto, o que falta também é essencial e tanto o ministro das Finanças, Mário Centeno, como o secretário de Estado João Leão têm que abrir os olhos e os ouvidos àqueles que podem, evocando Fernando Pessoa, “não perceber nada de Finanças”, mas percebem de Saúde.

No debate entre António Costa e Rui Rio, o primeiro não respondeu em contraditório imediato e devia tê-lo feito em vez de fazê-lo em diferido, com um rol de números que ficam no ar sem efeito imediato. Percebe-se que Rui Rio é uma pessoa simpática, cortês, não tem os trejeitos da nova direita e é democrata, o que pode impedir um taco a taco mais directo. Ora, de facto, ao contrário do que muitos comentaram, Rui Rio não estava seguro nos números, mas foi pouco contraditado. Os comentadores também deviam abrir os dossiers.

Quanto ao que fez o Governo anterior e o que fez o actual, acompanhado pelos partidos da “geringonça”, os números são tão evidentes e a melhoria tão grande que não se pode ouvir o contrário sem contradizer imediatamente. A dotação em saúde caiu de 8849 milhões de euros em 2010 para 7762 em 2012 e em 2017 passou a 8179. E onde se foi reflectir esta redução: nos cuidados primários, nos hospitais, no pessoal e no aumento da contribuição “a partir do bolso” das pessoas. A despesa em percentagem do PIB e sobretudo per capita, que neste caso em 2010 se cruzara com a média dos países da OCDE, divergia em 2015 na ordem dos 5,9 para 6,5. A despesa com o pessoal desceu a pique, de cerca de 4000 M€ em 2011 para cerca de 3000 em 2012, à custa de redução de pessoal e de corte nas horas extraordinárias, e voltou a subir em 2017 para o número anterior. Aos hospitais foram tirados 276 M€ entre 2011 e 2015. E, no entanto, foram pagos aos hospitais privados no mesmo período mais 163 M€. Nesse mesmo período, a saúde oral perdeu 17 M€. E do bolso das pessoas passou-se de 28%, que já era alto, para 31%. Foi esta a boa gestão, Dr. Rui Rio? As consequências foram medidas em certos sectores, como o das anemias ferropénicas, doenças respiratórias e depressão. Mas os resultados a longo prazo dir-nos-ão mais. São estes os números, que não murmuram, gritam. E que foram além do que está escrito no memorando assinado com a troika (por exemplo, em relação aos hospitais, o documento só falava em 100 milhões). Não percebo porque é que o Dr. António Costa não fez este taco a taco. Mistérios que só os especialistas em atitude de campanha percebem…

Porque o Dr. Rui Rio é simpático, mas é tudo menos social-democrata. A posição do Dr. Rui Rio e da direita liberal é retirar ao máximo a intervenção do Estado nos serviços públicos e dar a voz e o papel ao mercado. Atente-se às discussões políticas nos países escandinavos: a posição dos partidos social-democratas ou do partido social-democrata alemão é inversa à do Dr. Rui Rio e, nesses países, quem tem a posição deste líder “social-democrata” são os partidos de direita que se lhes opõem. Para já não falar desta tristeza dos meios de comunicação que não pegam na expressão “social-democrata” para lhe fazer a história e descrever as mutações. Os partidos social-democratas nasceram no século XIX, o partido de Lenine e o de Rosa Luxemburgo chamaram-se social-democrata. Mas, depois disso, já correu muita água debaixo das pontes da história contemporânea e as derivas também têm significado. E poderão ser analisadas para percebermos melhor os nossos dias.

Muitos dos que ouvem e lêem em manchetes, todos os dias, que o SNS está degradado, são capazes de acreditar e repetir sem pensamento crítico. Mas os que passaram a ter médico de família, eventualmente em Unidade de Saúde Familiar, os que não têm listas de espera “de anos”, os que fazem tratamento oncológico de milhares de euros, talvez pensem duas vezes e digam “que sorte então que eu tenho”…

Infelizmente, o debate em torno do SNS decorreu sobretudo em relação às PPP e deixou de fora fluxos financeiros bem mais importantes e medidas a tomar que poderão ser decisivas para a Saúde. E é aqui que o ministro e o secretário de Estado do Orçamento têm que ter olhos e ouvidos. O SNS pagou aos privados 87.833 (milhares de euros) em 2016 só em radiologia. Que tal investir em equipamentos e pagar bem a especialistas de alta patente que ainda militam no SNS para recuperar este dinheiro em poucos anos? Quem saiba fazer contas que as faça… Em endoscopias de gastroenterologia pagou só nesse ano 36.201 (milhares de euros). Que tal melhorar os equipamentos dos hospitais e reter os especialistas para não irem ganhar o triplo nos privados? Mais uma vez impõem-se contas a quem as sabe fazer.

Os especialistas, com sete anos de formação e avaliações para além da licenciatura em Medicina, com investigação publicada, estão a fugir-nos por entre os dedos, porque o SNS não os sabe contratar. E, para o futuro, a exclusividade é a única forma de dedicação plena.

Quanto a análises clínicas, só em um ano, aquele a que tenho acesso, pagou 142.876 (milhares de euros). Poupava-se expandindo os laboratórios hospitalares e abri-los a todo o público? Mas é preciso ter coragem política para o fazer. Aplicar medicamentos oncológicos para prevenir metástases e discutir o preço com a indústria é também poupar. Gastar um pouco mais agora, para poupar depois.

Pertenço ao grupo de pessoas que acham sinceramente que este ministro das Finanças, Mário Centeno, e o secretário de Estado do Orçamento, João Leão, são pessoas de grande competência, a qual foi aplicada para reduzir o défice e a dívida. Mas chegou a hora, antes e depois das eleições, de ouvir os especialistas da Saúde para investir na qualidade e, portanto, na boa gestão e poupar no que tem que ser poupado. A política predominante na União Europeia é a de confiscar os bens comuns, a saúde, a educação, os caminhos-de-ferro e até os dados de Ciência e Medicina, como titulou na capa o jornal Le Monde. Portugal deverá aguentar-se na contra-corrente e por isso também salvar o SNS.