Os casais felizes também discutem?

As relações felizes não são perfeitas e mesmo os casais mais satisfeitos com a sua relação têm problemas, zangam-se, gritam, discutem por causa do dinheiro, dos filhos, dos sogros, da louça por arrumar e da roupa espalhada na casa de banho, tal como fazem os casais menos felizes.

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Peter Calheiros

Algumas pessoas ainda acreditam que um casamento só é saudável se for perfeito, seja lá o que isso for. Eu prefiro acreditar, tal como diz Whitaker, um conhecido terapeuta familiar, que o casamento feliz vai sendo saudável, porque ao longo da existência do casal, há momentos mais e menos positivos.

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Algumas pessoas ainda acreditam que um casamento só é saudável se for perfeito, seja lá o que isso for. Eu prefiro acreditar, tal como diz Whitaker, um conhecido terapeuta familiar, que o casamento feliz vai sendo saudável, porque ao longo da existência do casal, há momentos mais e menos positivos.

Esqueçamos então aquela ideia de que o casal feliz é aquele em que os seus membros são muito parecidos um com o outro, não discutem e concordam com tudo o que o outro quer, faz ou diz. As relações felizes não são perfeitas e mesmo os casais mais satisfeitos com a sua relação têm problemas, zangam-se, gritam, discutem por causa do dinheiro, dos filhos, dos sogros, da louça por arrumar e da roupa espalhada na casa de banho, tal como fazem os casais menos felizes.

A satisfação conjugal é caracterizada por diversos factores, mas nesta reflexão, focamo-nos apenas nos conflitos e na sua resolução. Uma relação feliz difere das infelizes por apresentar menor grau de conflito grave e maior grau de satisfação conjugal. Além disso, nos casais mais felizes prevalece a aceitação de que podem ter momentos menos bons, além de uma capacidade acrescida de perceberem que há conflitos que podem não ter uma resolução que agrade aos dois, ou, inclusive, que nem consigam ser resolvidos.

Um dos motivos mais frequentes de conflito é a família alargada. Um cliente (Gabriel – os nomes são fictícios) dizia-me, há tempos, que discorda da relação de proximidade que a sua mulher (Clara) tem com a mãe desta. O Gabriel percebeu que a sua mulher não iria deixar de relacionar-se com a mãe para estar com ele e teve de aprender a não permitir que os seus pensamentos e sentimentos negativos sobre esta relação se sobrepusessem à sua relação com a Clara, mantendo a sua relação estável.

Certo é que, num casamento que vai sendo saudável, o que predomina é a positividade e não a negatividade, mas isto não quer dizer que não haja discussões. Muitas pessoas têm medo das discussões, no entanto, estas são esperadas em todas as relações e podem mesmo ser saudáveis.

O problema não é, portanto, a existência de discordância ou de discussões, sobretudo de intensidade baixa e moderada, mas o modo como o casal interage numa situação de conflito e o que acontece depois de uma discussão. A forma de resolução (os psicólogos chamam-lhe reparação) que os dois ou um dos membros faz para repor de novo o equilíbrio é que faz a diferença. Ainda a este propósito, os casais satisfeitos apresentam dois tipos de comportamentos que, apesar da maior parte não saber, são cruciais para reparar o dano durante e depois duma discussão ou de um momento difícil.

Reparar o dano significa fazer ou dizer qualquer coisa que impeça que a negatividade seja duradoura e mais predominante do que aquilo que é positivo. Um casal em que os membros tentam reparar o dano depois de uma discussão ou conseguem ler as tentativas de reparo do seu parceiro tem maior satisfação e, em consequência, mais proximidade e cumplicidade. Podem, por exemplo, parar a discussão quando percebem que já não estão a acrescentar nada de novo, mas apenas a magoarem-se (“Vamos parar, porque não estamos a conseguir encontrar uma solução que agrade aos dois”) e/ou, depois de a discussão tentar uma aproximação, mostrando vontade de conciliação. Além disso, mais facilmente, estes casais saudáveis conseguem ir buscar tanto o que é negativo como o que é positivo da sua relação, predominando a positividade e a aceitação de que podem ter momentos menos bons. Isto salvaguarda a relação e é uma espécie de vantagem para futuros desentendimentos.

De forma contrária, nos casais insatisfeitos, quando a relação não está bem tudo o que o casal consegue ver é negativo e não há (ou não são valorizadas) dimensões positivas que permitam restabelecer o equilíbrio. Predomina a hostilidade e a afectividade é negativa além de recíproca, havendo assim um risco acrescido do casal entrar em ruptura porque os aspectos positivos da conjugalidade parecem não existir.

Se quiser mudar algumas coisas na sua relação, tenha em atenção que o que determina o sucesso das tentativas de reparação pelos membros do casal são a comunicação com afecto positivo, a amizade entre si, o respeito, a flexibilidade e o significado partilhado sobre o propósito da sua relação. Por exemplo, encontramos nos casais menos felizes afirmações ambíguas, dificuldade em escutar o outro sem o invalidar, incapacidade de se pôr no lugar do outro, menos toque, menos sorrisos trocados entre si, crítica acentuada, etc..