Resposta a Catarina Martins
Ao afirmar que a disputa nestas eleições é entre a esquerda e o PS, Catarina Martins volta metaforicamente ao Verão de 1975, de que parece ter saudades mesmo sem o ter vivido.
Cara Catarina Martins: ao afirmar que a disputa é entre a esquerda e o PS, está de novo a dizer que o PS é um obstáculo (sem explicar a quê) e que é preciso um “partido verdadeiramente socialista”, pelos vistos o próprio Bloco. Voltou metaforicamente ao Verão de 1975 de que parece ter saudades mesmo sem o ter vivido.
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Cara Catarina Martins: ao afirmar que a disputa é entre a esquerda e o PS, está de novo a dizer que o PS é um obstáculo (sem explicar a quê) e que é preciso um “partido verdadeiramente socialista”, pelos vistos o próprio Bloco. Voltou metaforicamente ao Verão de 1975 de que parece ter saudades mesmo sem o ter vivido.
Há quatro anos, PS e PCP fizeram um esforço para ultrapassar os traumas do passado. O Bloco veio atrás. Derrubou-se o tabu do arco da governação, compreendeu-se que a divisão das esquerdas era a força da direita, iniciou-se um processo de convergência que repôs a centralidade do Parlamento e a formação de um Governo do PS com o apoio do PCP, BE e PEV. O único Governo de esquerda numa Europa onde a esquerda estava a desaparecer e o populismo se encontrava dentro ou perto do poder. Repuseram-se direitos e rendimentos, a economia cresceu, o desemprego diminuiu, conseguiu-se o défice mais baixo da democracia.
A Europa, que tinha ficado assustada, começou a interessar-se pela excepção portuguesa. Afinal a “geringonça” funcionava. Fazia diferente sem pôr em causa as contas públicas e os compromissos europeus. Funcionava em Portugal e assim mostrava que também na Europa podia haver outros caminhos e outras soluções. Até a palavra começou a ser traduzida. É certo que se podia ter ido mais longe. Cada partido preservou a sua identidade e a sua autonomia. Os resultados foram fruto da negociação e do diálogo. Trabalho de todos. Do PCP, do Bloco, do PV. E do PS. Não dos outros contra o PS. Mas de todos com o PS e do PS com todos.
E eis que, de novo, cara Catarina Martins, se faz uma separação entre o PS e a esquerda. Divide-se o que tanto custou a convergir. Como se o PS fosse o inimigo principal. Como se o PS não fosse também a esquerda. Como se, para fazer não se sabe o quê nem como, fosse preciso vencer este PS e criar outro “partido verdadeiramente socialista”.
Já vimos este filme. Dir-se-ia que tem a nostalgia de uma das tentativas pseudo-revolucionárias que naquele Verão de anarco-populismo (como dizia Salgado Zenha) foram vencidas pelo PS e pelo espírito democrático dos militares fieis ao 25 de Abril. A Catarina só tinha um ano ou dois, não sabe como foi, ouviu contar, pelos vistos, mal.
De que disputa fala agora? Entre o quê e o quê? Entre que esquerda e que esquerdas? Socialismo revolucionário versus social-democracia?
Voltamos aos anos 30? A esquerda sempre foi plural. Os partidos da “geringonça” têm ideologias e identidades diferentes. Mas não há solução governativa de esquerda sem o PS, muito menos contra o PS.
Se é esta a disputa, ainda que desde o princípio adepto da “geringonça”, acho que os socialistas têm de uma vez mais assegurar a autonomia estratégica do seu partido.
Não há Governo de esquerda sem o PS. E sem um PS forte. Não há convergência de esquerda nem “geringonça” sem o PS ou contra o PS. Por isso, como dizia Alexandre O’Neil, mesmo quando ele não merece, é preciso votar PS.