Eu não, nós

Mudar os nossos comportamentos é um primeiro passo indispensável, mas está longe de ser suficiente. Assim, torna-se urgente procurarmos influenciar e alterar colectivamente, uma ou mais partes da nossa sociedade — famílias e amigos, freguesias e municípios, escolas, empresas, governo.

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Nelson Garrido

Muitas vezes, a pergunta que fazemos a nós próprios quando confrontados com a crise climática actual é: “Como posso contribuir para a solução do problema?”. A resposta vem, muitas vezes, sob a forma de novos produtos mais sustentáveis, na alteração de hábitos alimentares ou na forma como nos movemos no dia-a-dia — em suma, na transformação das escolhas individuais que fazemos diariamente. Uma mudança de cada vez, conseguimos reduzir a nossa pegada ecológica e contribuir para a sustentabilidade do nosso planeta. Mas qual é verdadeira escala deste contributo face ao desafio que enfrentamos?

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Muitas vezes, a pergunta que fazemos a nós próprios quando confrontados com a crise climática actual é: “Como posso contribuir para a solução do problema?”. A resposta vem, muitas vezes, sob a forma de novos produtos mais sustentáveis, na alteração de hábitos alimentares ou na forma como nos movemos no dia-a-dia — em suma, na transformação das escolhas individuais que fazemos diariamente. Uma mudança de cada vez, conseguimos reduzir a nossa pegada ecológica e contribuir para a sustentabilidade do nosso planeta. Mas qual é verdadeira escala deste contributo face ao desafio que enfrentamos?

A Organização para a Alimentação e Agricultura (FAO) das Nações Unidas dá conta de que uma redução pela metade do consumo, em indivíduos e famílias nos EUA, levaria a uma queda de cerca de 15% nas emissões. Contudo, a comunidade científica diz ser necessária uma redução de 70% para estabilizar as temperaturas globais. O foco no consumo individual apenas responde parcialmente à questão inicial. Então, fará mais sentido perguntar: “Enquanto cidadão, e não apenas como consumidor, como posso contribuir para a solução do problema?”.

Segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), limitar o aquecimento global a 1,5 ° C exigiria mudanças rápidas, de longo alcance e em todos os aspectos da sociedade. Estamos perante uma crise sem precedentes na nossa história colectiva. Provavelmente até estamos a ficar cansados de o ouvir. Por isso mesmo, enquanto cidadãos informados e conscientes do problema que enfrentamos, temos que deixar de olhar para soluções apenas enquanto consumidores individuais, mas também, enquanto cidadãos. A cidadania é um acto político e a política deve ser feita através de acções e debates, ambos democráticos, colectivos e organizados. Num mundo cada vez mais individualista, onde fronteiras voltam a ser reforçadas e o “nós” é posto de parte pelo “eu” e “eles”, é urgente voltarmos a ter consciência de que, enquanto indivíduos singulares, não deixámos de estar intrinsecamente interligados a tudo o que nos rodeia.

Mudar os nossos comportamentos é um primeiro passo indispensável, mas está longe de ser suficiente. Assim, torna-se urgente procurarmos influenciar e alterar colectivamente, uma ou mais partes da nossa sociedade — famílias e amigos, freguesias e municípios, escolas, empresas, Governo. Está na altura de nos juntarmos a outras pessoas para ampliarmos a nossa voz, para consciencializarmos outros cidadãos, para exigirmos ao poder político medidas concretas e imediatas e para responsabilizarmos também as empresas e indústrias pelo seu contributo à crise actual.

Foi isso que procurámos no É P’ra Amanhã — indivíduos e grupos de pessoas que se juntaram para criarem soluções que têm um impacto muito para lá da sua esfera pessoal e individual. Tenhamos como exemplo: mil pessoas, espalhadas pelo país, podem começar a comprar produtos biológicos no seu dia-a-dia. Mas se cada uma dessas mil pessoas se organizar com outras para dinamizar mercados biológicos e/ou palestras informativas sobre agricultura biológica, o impacto da sua acção será multiplicado e terá muito maior expressão nas contas do impacto ambiental.

O sentido de responsabilidade já é intergeracional e os portugueses estão cada vez mais preocupados com o ambiente, e acima da média europeia, mas pouco dispostos a pagar taxas ambientais e com pouca participação social, segundo dados do Observatório do Consumo Consciente e do Índice Nacional do Consumo Consciente. Será que estamos prontos para as implicações de todas estas mudanças? 

A comunidade científica também alerta para que a transição para uma sociedade sustentável implica uma transformação do modelo económico actual. Por exemplo, uma das metas do Roteiro de Neutralidade Carbónica é a redução da utilização de viaturas individuais, associadas a um aumento da utilização de transporte público. Isto significa que, se tudo correr bem, vão ser vendidos anualmente menos carros, o que leva a uma redução na sua produção.

Um uso mais eficiente e sustentável dos recursos do planeta coincide muitas vezes com uma maior partilha de recursos, principalmente dos já existentes. Introduzindo a lógica da economia da partilha e da economia circular, o futuro pode passar por mobilidade mais partilhada e mais serviços (aluguer e reparação de objectos), o que implicará uma redução na economia de extracção, de transformação e venda de produtos. 

Não se trata de perder direitos e liberdades, mas de uma transformação da indústria e alteração do nosso estilo de vida, ambos assentes actualmente no consumo exponencial e infinito. Em suma, são muitos os que se preocupam com o ambiente, cada vez mais, mas quantos estão dispostos a ir para lá de mudanças no “eu” e unir esforços em torno do “nós”, como aponta o slogan da campanha presidencial de 2020 de Bernie Sanders?