Ambiguidade crónica de Corbyn sobre o “Brexit” vai a exame no congresso trabalhista
Facção remainer do Labour movimenta-se para forçar a direcção a assumir, de uma vez por todas, que vai lutar contra a saída do Reino Unido da UE. Líder trabalhista insiste numa posição neutral.
O congresso anual do Partido Trabalhista, que arranca este sábado em Brighton, no Sul de Inglaterra, tem tudo para se transformar num braço-de-ferro entre os militantes que exigem que a direcção assuma uma posição inequívoca de rejeição do “Brexit”, e os que, como o seu líder, Jeremy Corbyn, insistem que o partido não deve escolher um dos lados da barricada e contribuir, dessa forma, para o aprofundamento das divisões na sociedade britânica sobre a saída do Reino Unido da União Europeia.
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O congresso anual do Partido Trabalhista, que arranca este sábado em Brighton, no Sul de Inglaterra, tem tudo para se transformar num braço-de-ferro entre os militantes que exigem que a direcção assuma uma posição inequívoca de rejeição do “Brexit”, e os que, como o seu líder, Jeremy Corbyn, insistem que o partido não deve escolher um dos lados da barricada e contribuir, dessa forma, para o aprofundamento das divisões na sociedade britânica sobre a saída do Reino Unido da União Europeia.
A enésima declaração de intenções de Corbyn favorável a um posicionamento neutral do Labour no debate mais importante da Histórica recente britânica – formulada através de um artigo de opinião, assinado pelo próprio, e publicado no Guardian, na terça-feira – fez soar os alertas na ala remainer do partido, que está a movimentar-se para forçar uma votação interna, caso a liderança não dê garantias de que o Partido Trabalhista vai lutar activamente pela permanência britânica na UE.
Tudo dependerá do conteúdo da moção que for apresentada pela direcção para ser aprovada pelos delegados. Se o texto não reflectir os pedidos expostos em mais de 90 emendas pró-UE, enviadas por delegações locais, os remainers trabalhistas vão exigir uma votação in loco, que permita aos membros escolherem entre duas propostas: uma que declare o Labour como partido inequivocamente remainer, vista com bons olhos pela maioria dos militantes, sobretudo os mais jovens; e outra que reforce a posição de Jeremy Corbyn, apoiada pela influente força sindical trabalhista, onde figuram alguns brexiteers do partido.
“Um bom ‘Brexit’ é algo que não existe. O Labour é um partido democrático e 90% dos nossos membros não quer que o ‘Brexit’ aconteça. Que a máquina apoie os membros é uma questão básica de democracia”, defende o deputado trabalhista Clive Lewis.
Eurocéptico aos ziguezagues
O debate não é novo dentro do Labour – longe disso. Desde que assumiu os destinos do partido de centro-esquerda britânico, no Verão de 2015, que Corbyn tem aproveitado o brutal desgaste que a campanha para o referendo, num primeiro momento, e o processo negocial do divórcio, mais tarde, causaram no Partido Conservador, para promover uma postura ambígua e passiva sobre o “Brexit” e, particularmente, sobre os méritos de um segundo referendo.
O facto de nunca ter sido um “euro-entusiasta” – foi crítico da adesão à Comunidade Europeia, em 1973, e fez uma campanha tímida pela permanência no referendo de 2016 – não é uma mera nota de rodapé no seu já longo percurso político e, para a facção remainer do partido, é o que alimenta esta insistente busca de Corbyn para se desobrigar da necessidade de optar por um ou outro desfecho. A solução foi andar aos ziguezagues, somando ‘ses’ e ‘mas’ às vezes que foi forçado a dar o braço a torcer.
Mas os tempos mudaram, no Reino Unido. Theresa May caiu, Boris Johnson assumiu a governação e o país está, por estes dias, mais perto do que nunca de uma saída desordenada do clube europeu, a 31 de Outubro. Sem acordo, portanto, e por isso totalmente vulnerável aos efeitos imprevisíveis, e potencialmente desastrosos, desse cenário na economia britânica – que o Governo assume, em documentação oficial.
O rumo imprudente, mas decidido, que os conservadores estão a seguir, levou os Liberais-Democratas a assumirem-se definitivamente como a voz anti-“Brexit” da política britânica, e depois de defenderem durante meses a fio a necessidade de um segundo referendo, já falam abertamente da revogação do pedido de saída à UE.
Com a arena política do Reino Unido transformada numa autêntica guerra de trincheiras, entre remainers e brexiteers, os LibDems já escolheram o seu lugar. E o resultado está à vista: ficaram à frente de trabalhista e tories nas eleições europeias de Maio e estão a morder os calcanhares ao Labour nas intenções de voto para umas legislativas que se adivinham próximas.
Ora, para o Jeremy Corbyn e para a sua direcção é precisamente para evitar cair nessa simplificação da acção política de um partido que se quer de poder, que se continua a admitir avançar para o “Brexit”. Mesmo que isso signifique perder votos para os liberais.
O Partido Trabalhista, argumentam, é um partido nacional e, por isso mesmo, deve representar todas as facções do debate. Não o fazer, concluem, é seguir a mesma linha do Partido Conservador, que está a ignorar milhões de eleitores para cumprir o divórcio a todo o custo.
“O Labour é o único partido que reconhece as divisões do país. Representa lugares que votaram amplamente quer para sair, quer para ficar [na UE]”, alerta Lisa Nandy, deputada trabalhista por Wigan. “Escolher um lado iria matar quaisquer esperanças de voltar a unir um país dividido. Não podemos preferir os 17,4 milhões de pessoas que votaram para sair aos 16,1 milhões que votaram para ficar”.
Referendo sim, sair também
Corbyn já defende, é certo, a realização de um segundo referendo. Ainda assim, quer que a consulta popular promova uma escolha entre um acordo de saída – preferencialmente um acordo negociado por si, como primeiro-ministro – e a permanência na UE. Escolha essa que, afiançou no artigo publicado no Guardian, contará com um posicionamento neutral da sua parte.
“Um governo trabalhista irá garantir um acordo sensato, baseado nos termos que temos vindo a defender, incluindo uma nova união aduaneira com a UE, uma relação próxima com o mercado único e a garantia dos direitos dos trabalhadores e das protecções ambientais. Depois vai colocá-lo a referendo, ao lado da permanência [na UE]. E eu prometo cumprir aquilo que a população decidir, como primeiro-ministro trabalhista”, escreveu o líder trabalhista.
Esta posição não é, porém, totalmente consensual junto dos aliados mais próximos de Corbyn. John McDonnell (“ministro-sombra” das Finanças), Keir Starmer (“Brexit”), Emily Thornberry (Negócios Estrangeiros) ou Diane Abbot (Interior) já defenderam publicamente, com maior ou menor entusiasmo, que o Labour deve fazer campanha pelo Remain num segundo referendo.
Mas todos eles admitem, ainda assim, que há riscos nessa estratégia. Num cenário de nova vitória do Leave numa repetição do referendo, um Governo trabalhista sofreria do mesmo mal de David Cameron ou Theresa May: perderia legitimidade e capacidade negocial, dentro e fora de portas, para implementar algo contra o qual tinha lutado em campanha.
Certo é que, para cumprir o prometido, Corbyn tem de chegar primeiro a Downing Street. E para os trabalhistas que lhe criticam os planos, não é possível derrubar Boris Johnson sem assumir uma narrativa totalmente oposta à que impera no actual Partido Conservador e no Partido do Brexit, de Nigel Farage. É essa a decisão que o Partido Trabalhista terá de tomar até à próxima quarta-feira – o último dia de um congresso que se adivinha explosivo.