Teresa planta árvores e consciências. Pelo neto e por todas as crianças
Desde 2010, Teresa Markowsky já terá plantado de forma voluntária cerca de dez mil árvores. E pretende “continuar a plantar bosques enquanto puder”
Este texto é para ler com vista para as árvores. Conte-se uma, duas, três, dez, 20 árvores. Depois paremos para imaginar o que serão mil árvores… Daquelas resistentes, que demoram décadas a atingir a idade adulta e por vários anos ainda exigirão cuidados e vigilância. Daquelas que implicam viagens pela serra até cada um dos lugares de plantação, já para não mencionar o esforço de enterrar e estacar as sementes nos meses mais frios do ano, a responsabilidade de regressar a esses locais para efectuar regas em período de seca, a atenção às vedações que afastam o gado dos rebentos mais tenros, o rigor das podas que asseguram copas frondosas e saudáveis.
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Este texto é para ler com vista para as árvores. Conte-se uma, duas, três, dez, 20 árvores. Depois paremos para imaginar o que serão mil árvores… Daquelas resistentes, que demoram décadas a atingir a idade adulta e por vários anos ainda exigirão cuidados e vigilância. Daquelas que implicam viagens pela serra até cada um dos lugares de plantação, já para não mencionar o esforço de enterrar e estacar as sementes nos meses mais frios do ano, a responsabilidade de regressar a esses locais para efectuar regas em período de seca, a atenção às vedações que afastam o gado dos rebentos mais tenros, o rigor das podas que asseguram copas frondosas e saudáveis.
Avalie-se tudo isso e só assim se terá uma pálida ideia de como uma única pessoa, pelas suas próprias mãos, já deu a Portugal, desde 2010, umas 10.000 árvores. Dez mil árvores.
Quem sabe bem o que isso significa é Teresa Markowsky, cujo corpo franzino e olhar dócil disfarçam uma resistência de que, há algumas décadas, não se adivinhava capaz. Nasceu a 14 de Julho de 1959 em Matosinhos e é verdade que, ainda menina, já testava a sua resiliência em longas caminhadas com o pai, que começava por lhe ensinar truques de orientação e factos sobre a fauna e a flora do trajecto, para depois a deixar (aparentemente) sozinha e testar a desenvoltura com que atingia o destino combinado. Num só dia, Teresa chegou a percorrer com Adérito Tavares uns 40 quilómetros entre as aldeias de Vilar e Távora, desde Moimenta da Beira até Tabuaço, e ainda hoje tem como uma das suas memórias mais felizes “o orgulho todo” que reconhecia ao pai quando ele chegava ao fim do trajecto e contava a quem o ouvisse: “Vim a pé com a minha filha!’”.
Foi como ceramista, contudo, que Teresa começou a sua carreira profissional aos 18 anos, sob a tutoria da norueguesa Ellen Jansen. Complementou esse trabalho com o curso de guia-intérprete, foi viver com o seu primeiro companheiro aos 23 anos, teve com ele dois filhos que também diz aventureiros e, quando as encomendas de pinturas manuais começaram a escassear, tornou-se arquivista numa empresa de rotogravura em Gaia. Foi aí que, em 2003, conheceu o fotógrafo Bernd Markowsky, que a impressionou com as suas imagens da fome na Somália. “Quando ele recuperou uma foto antiga da minha mãe, ela ficou tão agradecida que o convidou para jantar e foi assim que começou a minha história de ecologista”, conta Teresa, em tom de enamorada, acrescentando que pouco depois adquiria o sobrenome alemão ao casar no convento carmelita onde a sua irmã está recolhida.
A mudança maior deu-se, no entanto, em 2010, quando Teresa foi diagnosticada com sarcoidose e percebeu a dimensão das suas perturbações do sistema respiratório. Refugiando-se no Gerês, reagiu com dias plenos a acampar de forma selvagem, a caminhar, “sempre arranhada, mas feliz”. O pior foi regressar “aos dias cinzentos” do controlo de cores nas gravuras, pelo que, quando se deram os grandes incêndios desse ano, Bernd experimentou “uma profunda revolta” ao ver com que facilidade se destruía a floresta do país e Teresa não precisou que a convencessem de que algo tinha que ser feito. Ecologistas já eram; passaram a ser também activistas.
Em 2012, Teresa já pedira a reforma antecipada por motivo de doença, Bernd deixara a sua editora gráfica e ambos se concentravam na organização de acções regulares de reflorestação com espécies autóctones, reunindo voluntários, angariando apoios como alfaias e estadias para plantadores deslocados, recolhendo sementes e preparando-as para cultivo, recuperando viveiros, plantando árvores, repetindo, insistindo.
“No início eu não percebia nada disto, comprei umas [botas] Timberland caríssimas para ir para a terra e claro que dei cabo delas logo no primeiro dia”, confessa Teresa. A primeira grande plantação foi no Gerês, mas “dificultada pelas burocracias”; seguiram-se outras pelo Norte com o envolvimento do CRE.Porto (Centro Regional de Excelência em Educação para o Desenvolvimento Sustentável); depois vieram as de Arouca, que chegaram a juntar centenas de voluntários estrangeiros da associação espiritualista japonesa Sukyo Mahikari. A lista de plantações continua, mas o cenário mais frequente é agora o planalto da serra da Freita, que atrai a generosidade de anónimos e empresas que partilham com Teresa, Bernd e o Movimento Gaio o desejo de devolver o verde aos solos assolados pelo fogo, de recuperar galerias ripícolas, de criar sombras e oxigénio.
Nos cálculos que situam em 10.000 as árvores que já plantou, Teresa não discrimina os totais por espécie, mas sabe que foram sobretudo carvalhos, medronheiros, freixos, bétulas, amieiros, sobreiros, lódão-bastardos e nogueiras. “Há um lado muito solitário neste trabalho e, quando se vai embora um voluntário que esteve connosco três ou quatro meses, é como se fosse para longe um filho nosso. Mas é um trabalho que tem que ser feito, mesmo que sem reconhecimento nenhum”, defende. “Posso já não estar cá para vê-lo concluído, quando as árvores chegarem à idade adulta, mas a ideia também é essa – que elas fiquem aqui para além de nós. Em Novembro vou ser avó e é pelo meu neto – e pelas outras crianças que hão-de vir ao mundo – que pretendo continuar a plantar bosques enquanto puder.”