Sr. Reitor, onde está a ação climática da Universidade de Coimbra?
A abordagem escolhida é contra-produtiva por ser simplificadora, tecnicamente incorrecta e socialmente injusta, ao “condenar” moralmente até os produtores com as melhores práticas e que contribuem positivamente para a descarbonização.
O objetivo de “neutralidade carbónica até 2030” da Universidade de Coimbra (UC) é de louvar e mais instituições devem ser incentivadas a avançar com anúncios do mesmo tipo.
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O objetivo de “neutralidade carbónica até 2030” da Universidade de Coimbra (UC) é de louvar e mais instituições devem ser incentivadas a avançar com anúncios do mesmo tipo.
Contudo, as medidas anunciadas devem traduzir mais do que um compromisso de boas intenções e devem ser dirigidas às principais responsabilidades nas emissões de cada organização.
E isso traz-nos às medidas anunciadas pela UC: eliminação do consumo de carne de vaca nas cantinas e a plantação de árvores. Estas medidas ignoram e excluem os principais impactos climáticos da UC e têm um alcance prático muito baixo para o dito objetivo de “neutralidade carbónica”.
Senão vejamos, os principais impactos climáticos da UC vêm da gestão do seu edificado. Neste domínio teria sido interessante ouvir, mas não ouvimos, a UC anunciar uma avaliação da sua performance energética e um compromisso para a adoção de medidas que tornem todos os seus edifícios “classe A+”, o que incluiria uma ou mais das seguintes medidas: 1) a substituição de janelas por janelas de alta eficiência energética; 2) o reforço de isolamentos em paredes e telhados; 3) a substituição ou renovação de sistemas de aquecimento e arrefecimento por sistemas eléctricos (bombas de calor), com elevada eficiência energética e que utilizem fluidos de baixo efeito de estufa; 4) a substituição ou renovação de equipamentos eléctricos de baixa eficiência energética por modelos de alta eficiência (ex. iluminação LED, elevadores, impressoras, sistemas de ventilação, etc.); 5) caminhar para a autossuficiência energética da UC, pela instalação de energias renováveis nos edifícios da UC.
Estas medidas podiam, mas não foram, ter sido complementadas com o anúncio da introdução ou reforço de critérios de “compras verdes” na aquisição de equipamentos e materiais consumidos pela UC, nomeadamente pela diferenciação positiva nos concursos públicos dos fornecedores de materiais com menor pegada de carbono.
Adicionalmente, a forma como a mobilidade da UC é desenhada e a forma como alunos, funcionários e professores se dirigem diariamente à UC é também responsável por emissões sgnificativas de GEEs. Neste domínio podiam ter sido, mas não foram, anunciadas medidas como: 1) a conversão da frota de veículos da UC em veículos elétricos; 2) o trabalho junto das entidades responsáveis pelo planeamento e pelos transportes públicos de Coimbra com vista à progressiva substituição do automóvel individual por transporte público eléctrico no acesso à UC; 3) o fomento de sistemas de mobilidade ligeira; 4) a instalação ou reforço de postos de carregamento eléctrico nas instalações da UC para utilização generalizada.
Na área das cantinas, há também potencial para reduzir direta e indiretamente emissões. Desde logo, podia ter sido anunciada, mas não foi, a eliminação do uso de gás natural e a electrificação de todos os equipamentos usados nas cantinas.
E chegamos finalmente às dietas e à exclusão do consumo de carne de vaca dos menus das cantinas. É incontornável que os vários alimentos que consumimos não têm todos o mesmo impacto nas emissões de gases de efeitos de estufa. Nesse sentido, é verdade que comer mais ou menos de um determinado alimento pode aumentar ou diminuir a pegada de carbono da nossa alimentação.
Contudo, a abordagem da UC foi baseada numa lógica “preto ou branco”, isto é, há alimentos bons e há alimentos maus. Infelizmente a realidade é mais complexa e existem muitos “graus de cinza”. O mesmo alimento pode ser produzido de forma muito insustentável ou de forma sustentável. O desafio está em escolher as formas sustentáveis em detrimento das insustentáveis e não escolher entre os alimentos “na lista dos bons” ou os que estão “na lista dos maus”.
No caso da carne de vaca, o regime de produção, as raças utilizadas, a gestão que é feita dos estrumes e a alimentação que é dada aos animais altera de forma substantiva as emissões atribuíveis a este alimento. O impacto da produção extensiva em Portugal é muito inferior ao da produção “extensiva” na Amazónia, feita “conquistando” pastagens à floresta tropical. No caso da produção extensiva nacional é inclusivamente possível ter sistemas em que o balanço de emissões é negativo (isto é, o sequestro de carbono nos solos é superior às emissões dos animais). Note-se que o produto que chega ao consumidor é o mesmo (carne de vaca), mas que impacto pode ir de “grande emissor” até “sequestrador líquido”.
Teria por isso sido mais pedagógico e cientificamente mais correcto que a UC se tivesse comprometido a definir critérios sérios e a abastecer-se unicamente junto de produtores “de baixas emissões”, por exemplo, elaborando critérios ambientais para todos os produtos que consome nas suas cantinas. A abordagem escolhida é contra-produtiva por ser simplificadora, tecnicamente incorrecta e socialmente injusta, ao “condenar” moralmente até os produtores com as melhores práticas e que contribuem positivamente para a descarbonização.
Assim, esperava-se mais de uma instituição que deve ser guiada pelo rigor científico. Desde logo, identificando corretamente as prioridades e anunciando uma calendarização de ações, investimentos, de formas de financiamento e uma quantificação do impacto que as várias medidas poderiam alcançar.
Dado que as medidas anunciadas pouco contribuirão para a “neutralidade carbónica” da UC, aguardam-se com muito interesse as medidas que a UC irá tomar sobre as emissões pelas quais são diretamente responsáveis.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico